Para quem tivesse pensado que as declarações do ministro Schäuble tinham resultado de um erro de tradução, as afirmações do responsável do Mecanismo Europeu de Estabilidade, outro veterano alemão, Klaus Regling, mostram que não houve erros, nem acasos. Tudo parece indiciar uma manobra concertada do governo alemão contra Portugal. Numa estratégia indireta, Berlim escolheu Portugal como o elo mais fraco para reafirmar a sua hegemonia, mostrando que depois do brexit o cilício do Tratado Orçamental ainda aperta mais fundo. Como num crime friamente premeditado, sabendo o poder aterrorizador das suas palavras, Schäuble e Regling assobiam para que a matilha dos especuladores de mercado identifique Portugal como uma presa. A subida dos juros da dívida reflete que o alvo foi claramente identificado. O objetivo será sancionar Lisboa por défice excessivo. Se isso acontecer, Berlim arranjará maneira de livrar Madrid, para que o castigo não provoque demasiadas contracorrentes. Se precisássemos de um sinal da caminhada da União Europeia para o abismo, eu não apresentaria o brexit, mas esta prova de que a Alemanha, desta vez sem rebuço, voltou a ser o maior problema da estabilidade e paz europeias. Importa não esquecer que a construção da unidade europeia, seja na visão de Churchill (1946) seja na versão Schuman (1950), pretendia, também, eliminar para sempre a pulsão hegemónica da Alemanha. Infelizmente, com a mesma grosseira falta de respeito pela realidade, a mesma determinação desprovida de esclarecimento, há gente em Berlim preparada para, pela terceira vez num século, semear o caos na Europa.