O que fazer quando um membro do Grande Oriente Lusitano - GOL, a mais antiga e influente obediência maçónica em Portugal - decide mudar de sexo? A situação já se colocou pelo menos uma vez na história da organização - em 2010, com um enfermeiro de um clube desportivo da Figueira da Foz - e a discussão foi intensa. Porquê? Porque o GOL só admite homens..Nesse ano, quando o enfermeiro Emanuel passou a enfermeira Ema, o consenso interno no GOL levou o transexual a ter de deixar a organização ("atestado de quite", assim se diz na gíria interna). E, na prática, desde então, essa discussão - deve a obediência manter-se exclusivamente masculina ou pode tornar-se mista, admitindo homens e mulheres - não descolou..Em julho de 2017, quando Fernando Lima Valada foi eleito para um terceiro mandato como grão-mestre do GOL enfrentou a concorrência de dois "irmãos" (Adelino Maltez e Daniel Madeira de Castro) e a questão do carácter unissexo da organização não foi tema de campanha. Nem tinha sido em 2015 nem em 2013. Fernando Lima é contra a abertura do GOL a mulheres e nenhum dos seus opositores o contestou por isso..Esse consenso interno está, porém, agora sob ameaça. Uma loja de Guimarães, a Lusitânia Renascida, liderada por um professor de Filosofia, Francisco Teixeira - tido como não alinhado com a atual direção da obediência -, já entregou formalmente um "projeto de lei" (é mesmo assim que se chama, na gíria interna) visando uma "alteração à constituição do Grande Oriente Lusitano", que abra a obediência a mulheres, tornando-a uma organização mista. Os autores recordam que passaram cinco anos desde a última revisão da constituição do GOL - ou seja, a organização está de novo investida de poderes constituintes..O artigo 1 passaria a ter a seguinte redação: "A Maçonaria é uma ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na tradição iniciática, obedecendo aos princípios da fraternidade e da tolerância, constituindo uma aliança de seres humanos livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças.".Atualmente, em vez de se ler "aliança de seres humanos livres" lê-se "aliança de homens livres"..Nos considerandos, os subscritores consideram que "volvidos 230 anos sob a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 71 anos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é inaceitável que o Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa só permita a iniciação de homens, os seres humanos do género masculino, excluindo desse privilégio mais de metade da humanidade"..Prosseguindo que "tal exclusão, se nada for feito, pode ser entendida como marca de ignorância, sectarismo e, até, opressão, que urge erradicar, como dimana do artigo 3.º da nossa Constituição" e concluindo "que para tal exclusão não se afigura nem existe nenhuma justificação esotérica, filosófica ou iniciática"..O GOL é unissexo e exclusivamente masculino - mas isso não impede a existência de mulheres maçons. Estas reúnem numa obediência exclusivamente feminina, a Grande Loja Feminina de Portugal, e em duas obediências mistas, a Grande Loja Simbólica da Lusitânia (GLSL) e o Direito Humano. A GLSL é aliás liderada por uma mulher. A outra grande obediência maçónica em Portugal, a Grande Loja Legal de Portugal, também só admite homens.."Parlamento" maçom a votos.Quanto ao GOL, o processo de "revisão constitucional" prosseguirá na "Grande Dieta" da organização - ou seja, o seu "Parlamento". A menos de um ano para a eleição do grão-mestre - podendo Fernando Lima Valada ensaiar a tentativa de um quarto mandato, algo absolutamente inédito na organização - os vários grupos vão-se mexendo..Já no próximo sábado, a linha pró-grão-mestre defrontar-se-á com uma figura da oposição para a eleição de um novo presidente da "Grande Dieta". Um antigo diretor-geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, afeto ao grão-mestre, enfrentará um professor de Lisboa, Euclides Teixeira, tido como oposicionista..Em julho do próximo ano a liderança do Grande Oriente Lusitano irá de novo a votos. Há quem antecipe que a questão de género agora colocada se tornará no eixo central do debate interno.