Comecemos mesmo pelo princípio: durante um minuto e oito segundos, Diama Krall está cara a cara com o contrabaixo do grande Christian McBride, a dar novos mundos ao mundo de Like Someone In Love, um velho clássico de Jimmy Van Heusen e Johnny Burke. Tudo o resto, e felizmente não é muito, o que define desde logo a finta a qualquer escorregadela para as sobrecargas, vem depois, quando a linha condutora já está traçada. Mais adiante, o que nos espera? Nada menos do que uma versão de Night and Day, um dos momentos mais-que-perfeitos de Cole Porter. A canção foi estreada por Fred Astaire, em 1932. Daí para cá, é luxo só: Ella Fitzgerald e Billie Holiday não a deixaram passar em claro, Etta James e Shirley Bassey também não. Só Frank Sinatra gravou-a em cinco ocasiões diferentes, confirmando a ideia que o talento e o trabalho podem implicar que nunca se feche uma obra. Os mestres do jazz instrumental chamaram-na aos seus discos - casos de Charlie Parker, Bill Evans, Art Tatum ou Joe Henderson. Os "ligeiros", com Ringo Starr ou Rod Stewart, piscaram-lhe o olho. E, do mundo pop/rock, também vieram convocatórias, a cargo dos U2 e dos Everything But The Girl. Em suma, falta dar alguma voltinha a Night and Day? A loura canadiana, 52 anos que tomaram muitas damas com menos vinte, prova que sim. E começa a explicá-lo logo com as "vassouras" iniciais do baterista Jeff Hamilton. Depois, ganha de goleada, com um arranjo que Anónio Carlos Jobim não desdenharia, sempre na fronteira da Bossa Nova..[youtube:Kxj8BvKHBJE]. Há outras particularidades felizes neste novo disco de Diana Krall, décimo terceiro de uma carreira pública que está a chegar aos 25 anos. Por exemplo, a versão de Sway, que contraria radicalmente a tendência habitual para latinizar e acelerar o tema, que aqui é abordado com uma quase inesperada gravitas. Ou a versão, contida, quase comprimida, de Blue Skies, a assinalar a presença de Irving Berlin. Convirá dizer que a dama não brinca com o reportório: além dos já citados, estão reservados momentos de reencontro com Richard Rodgers e Lorenz Hart, com Irving Mills, com Norman Gimbel, com Gus Kahn e Isham Jones, com o espantoso Johnny Mercer. Por outras palavras, acabaram as diversões: se em Quiet Nights (2009), Lady Diana se tinha lançado nos braços da Bossa, com Jobim, os irmãos Valle, até Burt Bacharach, se em Glad Rag Doll (2012) abraçara a pré-história do jazz, com ragtime e vaudeville, se Wallflower (2015) testemunhou uma incursão pop, com canções desviadas a Dylan, Joni Mitchell, Randy Newman ou aos Eagles, aqui tudo volta à origem..O peso de LiPuma.Além do título genial, Turn Up The Quiet - a fazer lembrar o espantoso Quiet Is The New Loud, dos Kings Of Convenience -, assinala o regresso o produtor Tommy LiPuma. O primeiro trabalho conjunto vem de 1995 e de Only Trust Your Heart, segundo disco da cantora e pianista. De então para cá, LiPuma só esteve ausente dos dois álbuns anteriores (Glad Rag Doll e Wallflower). Mas Diana queria voltar a dispor do toque de Midas da velha raposa, que produziu de Miles Davis a Paul McCartney, acabando por deixar a sua impressão digital naquilo que, com algum preconceito, se convencionou designar como smooth jazz e que teve dois representantes inesquecíveis, Michael Franks e George Benson. Neste caso, o regresso de LiPuma aos braços (profissionais, bem entendido) da loura serviu também como a despedida: Tommy, 79 anos, colecionador de Grammy, responsável indirecto por muitos milhões de discos vendidos, morreu em Nova Iorque a 13 de março deste ano, sensivelmente dois meses antes deste álbum ver a luz do dia. Mas o caminho estava traçado e percorrido..[youtube:o05-RA8Z0x8]. Regressamos, então, à questão inicial: o que é que a Diana tem? Dá-se a volta às críticas a Turn Up The Quiet, publicadas dos dois lados do Atlântico, e verifica-se uma "concordata" que, noutras frentes, poderia tornar-se perigosa. Aqui, nem por isso: sublinham uma crescente disponibilidade de Miss Krall para interpretar, uma tendência para aumentar o uso do "descomplicador", a capacidade de uma injecção de frescura a canções que se julgava já terem conhecido os mais altos voos. A palavra mais vezes repetida em torno deste 11 temas é "elegância". O que, não explicando tudo, ajuda a perceber como a música que nos chega de Diana Krall possa agradar a gregos e a troianos, cumprindo uma conquista transversal que ultrapassa largamente o segmento que, com mais afinco ou mais assiduidade, se vira para o jazz em busca de comida para a alma.. Acontece que Diana Krall (como aconteceu antes com Ella Fitzgerald, com Billie Holiday, com Cassandra Wilson, como sucede agora com Madeleine Peyroux ou com Jane Monheit) faz parte de um clube que cada vez cativa mais sócios e adeptos: o das cantoras que, com maior ou menor amplitude vocal, mais primorosas nos agudos ou mais envolventes no grave, alinham pela máxima "não me grite!". Se pensarmos calmamente no assunto, verificamos que um grito não é sinónimo obrigatório de uma grande voz e que gritar não implica forçosamente estarmos diante de grandes interpretações. Os discos desta mulher são a prova de que a inquietação, o prazer, a superação, o encanto, podem chegar em simultâneo e sem sobressaltos. E, além disso, trazem a descoberta ao que parecia já ser uma conversa acabada. Perfeito, neste tempo solar Primavera/Verão..Turn Up The Quiet Diana Krall Ed. Verve/Universal PVP. euro 16,99