Na introdução a uma entrevista a Henry Kissinger feita há um ano, e publicada em Portugal pelo Expresso, o historiador britânico Niall Ferguson resumia da seguinte forma a capacidade de trabalho do antigo secretário de Estado americano, por muitos considerado o grande guru da geopolítica: "no tempo que eu demorei a escrever o segundo volume da sua biografia, Kissinger publicou não um, mas dois livros - o primeiro, em coautoria com o antigo CEO da Google Eric Schmidt e o informático Daniel Huttenlocher, é sobre inteligência artificial, e o segundo é uma coleção de seis estudos de casos biográficos sobre liderança". Ora, este segundo livro acaba de ser editado em Portugal pela D. Quixote..Intitulado Liderança - Seis Estudos sobre Estratégia Mundial, dá-nos a conhecer os percursos de Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Richard Nixon, Anwar Sadat, Lee Kuan Yew e Margaret Thatcher, uma espécie de vida e obra contada e interpretada por um homem que alia como ninguém a experiência de negociador (ainda há pouco fez 50 anos dos acordos do Vietname que lhe valeram o Nobel da Paz) com a de académico, tendo feito o doutoramento em Harvard, universidade onde foi professor..Das seis figuras analisadas por Kissinger, duas merecem uma atenção especial, conhecendo a biografia do autor: o alemão Adenauer e o americano Nixon. Afinal, Kissinger é um judeu alemão que se refugiou com a família nos Estados Unidos e Adenauer um dos poucos políticos que enfrentou os nazis, tendo depois da Segunda Guerra Mundial liderado a criação da Alemanha Ocidental. E, por outro lado, é difícil imaginar a carreira de Kissinger sem o presidente Nixon o nomear conselheiro de Segurança Nacional, cargo no qual se destacou, por exemplo, na histórica política de normalização com Mao Tsé-tung, que em plena Guerra Fria pôs a China comunista no lado americano contra a União Soviética. Mas aprende-se muito lendo sobre todos eles, seja o general que transformou uma França derrotada num dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, seja o líder egípcio que ousou assinar a paz com Israel (e foi assassinado), seja o político que fez da pequena Singapura um modelo de sucesso que tem vindo a inspirar a China, seja ainda a britânica que foi a primeira mulher a chefiar um governo na Europa. Kissinger conheceu os seis e lidou com todos no auge da respetiva influência. E realça que em comum têm ter passado pela "terrível fornalha da "Segunda Guerra dos Trinta Anos", ou seja, a série de conflitos devastadores ocorridos desde o início da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, até ao final da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1945"..Kissinger terá tantos detratores como admiradores, e não falta quem o responsabilize por episódios dramáticos como o golpe no Chile em 1973 ou a invasão indonésia de Timor-Leste em 1975. Também os líderes que escolheu para esta coleção de ensaios sobre liderança estão, em alguns casos, longe de serem figuras consensuais. Mas independentemente da ideologia de uns e de outros, têm histórias de vida fascinantes e, em comum, algo que nos deve fazer refletir quando pensamos naquilo que se deve esperar de um líder, naquilo que é liderança. "Os indivíduos têm relevância na história? Um contemporâneo de César ou de Maomé, de Lutero ou de Gandhi, de Churchill ou de FDR, nem pensaria em colocar tal dúvida. Estas páginas tratam de líderes que, no interminável atrito entre desejável e inevitável, compreenderam que aquilo que parece inevitável só se torna inevitável mediante intervenção humana. Esses líderes foram relevantes porque transcenderam as circunstâncias que herdaram, e assim conduziram as respetivas sociedades até às fronteiras do possível", escreve Kissinger, que daqui a duas semanas se tornará um centenário..Diretor adjunto do Diário de Notícias