Foi membro fundador dos The War on Drugs, mas seria em nome próprio, na companhia dos The Violators, que Kurt Vile se tornou uma das figuras de proa da música alternativa americana, em especial devido a álbuns como Wakin on a Pretty Daze (2013) ou B'lieve I'm Goin Down... (2015). Conhecido pelo modo como consegue juntar a tradição folk americana com a eletricidade do rock, na senda de nomes como Bob Dylan ou Neil Young, duas das suas maiores e assumidas influências, os rótulos, no entanto, correm o risco de ser redutores para o músico e cantor de Filadélfia, de 41 anos, como se comprova no mais recente trabalho, Speed, Sound, Lovely KV, editado há poucas semanas. Com apenas cinco temas, o registo funciona como uma sentida homenagem aos velhos heróis da country, aqui personificados em John Prine, figura maior da música norte-americana, agraciado com três Grammys e falecido em abril do ano passado, devido a complicações provocadas pelo coronavírus, apenas poucos meses depois de se ter reunido com Kurt Vile num estúdio em Nashville, para gravarem uma versão, em dueto, de How Lucky, um dos seus maiores clássicos, incluído no álbum Pink Cadillac, de 1979. Além do referido tema, Speed, Sound, Lovely KV inclui outra versão de John Prine, Speed of the Sound of Loneliness, e ainda uma de Gone Girl, da autoria de Jack Clement, outra lenda da country e também ele já falecido, em 2013. As outras duas canções, Dandelions e Pearls, são inéditos do próprio Kurt Vile, que neste disco se revela um herdeiro direto e à altura dos seus ídolos..Quão sortudo se sente, com esta possibilidade que teve de gravar um disco com um dos seus maiores ídolos? Sinto-me, de facto, muito sortudo, porque o John Prine era um dos meus heróis musicais. Estava na altura a trabalhar num estúdio em Nashville com o produtor David Ferguson, que conhece toda a gente, e comentei com ele esse meu sonho, de um dia gravar algo com o John. Ele fez um telefonema e pouco tempo depois estávamos a gravar uma versão em dueto do How Lucky, que é uma das minhas músicas favoritas do John Prine. Tive mesmo muita sorte, até pela maneira como fui tratado pelo John, que era um verdadeiro cavalheiro. Ele até sabia quem eu era, o que foi muito surpreendente. A gravação foi feita no final de 2019, poucos meses antes de ele morrer. Fui a última pessoa que o ouviu cantar..Apesar de a folk e a country sempre terem estado presentes na sua música, este disco poderá ser uma surpresa para alguns fãs, mais habituados às descargas de guitarra elétrica a que sempre os habituou. Concorda? Talvez, mas quem conhece realmente a minha música sabe que essas raízes americanas sempre estiverem presentes. O que aconteceu foi que a dada altura comecei a ouvir cada mais gente como o Johnny Cash e o Hank Williams e a partir daí comecei a escavar cada vez mais fundo. Devorei a biografia do George Jones e comecei a ter vontade de saber mais sobre a vida destas personagens grandiosas. Sempre fui mais do rock and roll, sempre adorei os Rolling Stones, por exemplo, mas é impossível competir com estas estrelas antigas da country e da folk, como o John Prine ou o Townes Van Zandt, que tiveram vidas bastante tumultuosas, mas depois são uns escritores de canções únicos, daqueles de partir mesmo o coração..Como é que este disco surgiu? A ideia começou a tomar forma em 2016, depois de ter participado num concerto de celebração do aniversário do Bob Dylan, em Nashville. Desde então, sempre que passava por Nashville, ia para estúdio fazer alguma coisa nesse sentido, embora não soubesse muito bem o quê. Apesar de o disco ter apenas seis temas, foi um processo muito longo, em termos de tempo, porque não era uma obrigação, era um prazer. Como disse anteriormente, essa raiz sempre esteve na minha música, até porque o meu primeiro instrumento foi um banjo, mas teve mais a ver com um processo de descoberta, com a tal música que ando a ouvir cada vez mais. E ainda há por aí tanta gente com quem gostaria de gravar..Teremos, portanto, um Kurt Vile mais folk e não tão rock nos próximos tempos? Não me parece, até porque neste momento estou a gravar em casa um álbum bastante psicadélico, que penso lançar lá mais para o final do ano..Como é que a pandemia e o confinamento o afetaram enquanto artista? Andava constantemente em digressão, sente falta de tocar ao vivo, por exemplo? Tenho altos e baixos, como toda a gente, mas felizmente tenho a música para me refugiar. Trabalho todos os dias e de certa forma este período permitiu-me regressar às minhas raízes, enquanto músico, porque foi assim que comecei, de forma solitária e autónoma, em casa e sem grandes recursos. Sem querer desrespeitar ninguém, porque sei que há pessoas a sofrer muito, esta pandemia deu-me tempo para viver um lado mais normal da vida. Fui pai recentemente e é bom estar em casa. E ao contrário do que pensava, não fiquei nada deprimido por deixar de estar constantemente em digressão. Pelo contrário, estou até bastante zen. Claro que sinto falta de viajar, mas mais tarde ou mais cedo sei que isso vai voltar a acontecer. Antes de isto começar até tinha planeado ir aí a Portugal, passar uns dias com a minha família. E hei de ir....Tendo sido sempre um artista bastante crítico da administração Trump, como assistiu à invasão do Capitólio? Na verdade não fiquei nada surpreendido, porque, desde o momento que ele entrou na Casa Branca, passámos a viver numa montanha-russa de reality TV. Durante quatro anos, o povo americano foi agredido psicologicamente e o meu maior medo era que ele ganhasse novamente. Senti um grande alívio quando perdeu, até porque todas as pessoas que conheço fizeram campanha para correr com ele. E mesmo assim continua a mentir. É muito estranho comentar isto tudo, parece que estamos a falar de um filme de ficção científica.