Como é que a ANF chegou a uma dívida que ronda os 400 milhões de euros? Pode falar-se em risco de falência? O risco de falência é um risco que não entendemos como sendo real, não existe risco de falência. Quando falamos em valores dessa grandeza, na casa dos 400 milhões de euros, o que estamos a falar é de um valor consolidado de todas as responsabilidades bancárias de todas as unidades e empresas que fazem parte do universo empresarial da ANF. E uma das componentes mais importantes tem a ver com o adiantamento que a associação faz das comparticipações pagas pelo Estado relativo à dispensa dos medicamentos nas farmácias. Esse valor neste momento ronda os 400 milhões de euros, mas houve momentos em que ultrapassou os mil milhões. Quanto ao risco sobre essa exposição bancária, esse resulta também da consolidação das responsabilidades bancárias de diversas empresas. A associação tem dentro do seu universo empresarial algumas empresas com dimensão muito significativa. Há três empresas que são muito relevantes, a Alliance Healthcare, a Glintt e a CUF. São empresas sólidas, com bons indicadores económicos, e que a dívida que têm resulta de uma forma de garantir que continuam a fazer investimento para melhorar o funcionamento da sua atividade em prol da farmácia. Os investimentos feitos pela Alliance Healthcare ao longo dos últimos anos na distribuição farmacêutica têm sido feitos de forma sustentada e a empresa tem crescido de forma significativa. É uma empresa saudável que gere o endividamento de uma forma que lhe permite ter preços de financiamento perante a banca muito reduzidos. A Glintt, que é a empresa tecnológica líder no mercado português em termos de serviços de transformação digital na área da saúde, teve uma reestruturação no ano de 2015 com muito significado. A Glintt resulta da fusão entre a ParaRede, que era uma empresa cotada em bolsa, e a Consiste. Essa fusão aconteceu em 2008 e, entre 2008 e 2015, a empresa esteve num processo de consolidação das duas operações. Nem tudo correu da melhor forma e, em 2015, foi necessário fazer uma reestruturação da empresa. Nesse momento, tinha um endividamento de cerca de 58 milhões de euros e depois da reestruturação tem vindo a evoluir de forma muito positiva. Neste momento, o endividamento reduziu de forma substancial, está neste momento na casa dos 37 milhões de euros, e isto não implicou que fosse prejudicado o crescimento da própria empresa. Houve efetivamente duas empresas que tiveram alguns desafios adicionais em 2020. Uma foi a HMR, que é a empresa de inteligência de mercado, e que teve um processo de internacionalização muito acelerado. Essa internacionalização foi muito rápida e é claramente uma das áreas em que nós temos que investir no sentido de reorganizar essa atividade. Outro aspeto teve a ver com a performance da CUF. A ANF tem uma participação de 30% do capital na CUF e a CUF em 2020 teve um ano muito difícil. Não nos podemos esquecer que estamos num contexto de pandemia que afetou muito a procura dos serviços de saúde em Portugal. E isso implicou uma redução de receitas que levou a que a CUF tivesse um resultado negativo de cerca de 22 milhões de euros. Fazendo parte do nosso universo, sendo uma empresa participada, tivemos que consolidar esse resultado negativo da CUF dentro das contas da associação. E essas são as duas unidades que tiveram performance negativa. A HMR uma performance negativa de 8 milhões de euros e a CUF uma performance negativa consolidada do lado da Farminveste de sete milhões de euros. Isto dá cerca de 15 milhões de euros de resultados negativos, que é o resultado negativo da própria Farminveste. Relativamente à CUF, já está a atingir as receitas que estavam estimadas em orçamento. Em conclusão, os rácios económicos têm que ser melhorados em algumas unidades e tem de ser feito algum investimento numa eficiência operacional e redução de custos, principalmente nestas unidades, mas também a nível central. A atividade da farmácia exclusivamente relacionada com o medicamento não traz viabilidade económica. E as farmácias procuram, e têm que procurar, garantir novas fontes de receita para conseguirem equilibrar as suas contas..A atual direção da ANF, da qual faz parte, apresentou um Plano de Recuperação Financeiro, que já foi classificado de irrealista pela sua adversária. Se for eleito vai prosseguir com esse plano? A vantagem de estarmos em eleições é que podemos ter diferentes pontos de vista e as farmácias podem tomar as suas opções. O primeiro facto que queria salientar é que o plano económico e financeiro foi aprovado em conselho nacional pelas farmácias. Entendo que o plano é realista e serviu de suporte para a implementação das primeiras medidas de reorganização interna e também para demonstrar aos parceiros financeiros a sustentabilidade e a capacidade de libertar tesouraria suficiente para cumprir as responsabilidades bancárias. De qualquer forma, na nossa lista propomos que se consiga implementar um esforço adicional relativamente à redução do endividamento. Seguramente que vamos ter que tomar decisões difíceis, algumas áreas já foram descontinuadas e outras estão em avaliação para poderem ser ou reposicionadas no mercado ou encontrarmos soluções para que elas não continuem. Dois exemplos do que podemos fazer e que já estamos a tomar medidas para fazer são: o encerramento de uma operação de inteligência de mercado que temos na Alemanha - é uma operação interessante a médio e longo prazo, porque o mercado alemão é o maior mercado de medicamentos na União Europeia, no entanto, o tempo que demora a libertar resultados para termos retorno desse investimento é muito longo; outro exemplo tem a ver com a suspensão da atividade no Brasil..Tem falado no setor empresarial da ANF. Se ganhar as eleições quais são os seus planos para a associação, para as farmácias? Esse é o foco mais importante, é aí que temos de estar concentrados. Em termos empresariais, as medidas são claras, algumas já estão a ser tomadas e acreditamos que até conseguimos acelerá-las. Acreditamos que, se o processo de vacinação correr da forma como está previsto, a economia possa recuperar de forma acelerada. E, portanto, estamos otimistas relativamente à sustentabilidade da atividade empresarial, mas também da economia geral. Relativamente à associação, há dois elementos que são essenciais. Um primeiro tem a ver com a rede de farmácias, que é uma rede única em Portugal. São três mil pontos, três mil microempresas, que em média têm seis colaboradores, e que todos os dias servem 500 mil pessoas. Temos de garantir a preservação da rede de farmácias. A segunda componente é investir de forma consistente em ferramentas e projetos de diferenciação profissional. Os dois principais ativos das farmácias são a sua própria rede e a forma ela se distribui de forma homogénea no território nacional, mas também o facto de termos profissionais de saúde diferenciados dentro das farmácias à distância de uma entrada. As pessoas entram na farmácia e têm à sua disposição um profissional de saúde pronto a acompanhá-las na sua saúde, mas também na sua componente social. Eu relembro que as farmácias têm uma componente social muito importante. Localizam-se muitas vezes em meios pequenos - visitámos farmácias que servem populações de 500 pessoas - e a farmácia é não só um serviço de saúde, mas um apoio àquela população e até uma forma das pessoas se reunirem. E, portanto, sustentabilidade da rede, diferenciação profissional e também é fundamental que se criem ambientes favoráveis com outros parceiros institucionais..É CEO da Glintt, que pertence ao universo empresarial da ANF. Se for eleito presidente da ANF vai manter-se no cargo, não vê incompatibilidade entre as duas funções? Dentro da associação já exerci funções associativas, já exerci funções empresariais e a candidatura a presidente da direção da ANF é para mim uma função a tempo inteiro. E, portanto, obviamente que se eu a quero exercer de forma permanente o exercício da função como presidente da Comissão Executiva da Glintt torna-se incompatível. Aguardemos os resultados das eleições e, nesse momento, anunciarei a minha decisão..A ANF tem sob a sua alçada cerca de 95% das farmácias em Portugal. É uma representante das farmácias ou uma entidade patronal das farmácias? A associação é uma associação empresarial e que representa as farmácias. Claramente, a associação está ao serviço das farmácias e nunca as farmácias ao serviço da associação. É uma instituição cujo primeiro objetivo é garantir a sustentabilidade das farmácias e garantir que possam continuar focadas em prestar cada vez mais e melhores serviços à população em termos de saúde..A legislação que existe atualmente em Portugal sobre o setor das farmácias é a mais adequada às farmácias que temos hoje? Nos setores da atividade na área da saúde o primeiro princípio tem que ser o da estabilidade. Neste momento, o pilar que põe mais em causa a atividade das farmácias tem a ver com a sua margem legal dos medicamentos. A margem legal dos medicamentos é um dos pilares da atividade das farmácias. Teve uma redução significativa ao longo dos últimos anos, está muito longe da margem média praticada na União Europeia - só para dar uma ideia, a margem média dos medicamentos praticada na União Europeia é 19,9% e em Portugal é de 17,6% - e as farmácias portuguesas são exemplos a nível europeu. Resposta muito direta, precisamos de estabilidade, evoluir em sentido positivo, mas isto sempre feito em ambientes positivos com a relação com outros parceiros institucionais..E as farmácias têm peso junto dos parceiros? As farmácias têm uma relação histórica com todos os parceiros e o principal peso tem a ver com a sua união. E esse elemento tem sido garantido ao longo dos últimos anos e, depois deste processo eleitoral, tenho a certeza que esse continuará a ser o principal argumento. Esse peso político e institucional num ambiente favorável de criação de pontos com outros parceiros institucionais parece-nos o caminho correto para conseguirmos evoluir para garantir a sustentabilidade económica das farmácias, que é para nós a principal prioridade interna. A principal prioridade externa é garantir que as pessoas tenham cada vez mais um serviço adequado às suas necessidades por parte das farmácias portuguesas..Acha que as farmácias são uma porta de entrada para o Serviço Nacional de Saúde? Acho claramente que as farmácias são uma porta de entrada para o Serviço Nacional de Saúde. A farmácia assume um papel muito relevante em termos locais e é este caminho que as farmácias têm seguido e tem que ser acelerado para garantir que as pessoas estão sempre no centro da atividade das farmácias. Cada vez que uma pessoa entra numa farmácia a diversidade de produtos, serviços e competências profissionais é muito significativa. Eu relembro que as farmácias portuguesas têm feito investimentos com significado relativamente à melhoria quer das suas instalações, quer dos serviços que prestam à população e isso é reconhecido pela população. Durante o período de pandemia, as farmácias nunca fecharam as portas, sempre estiveram disponíveis a cuidar de todos os portugueses..Qual foi o impacto da pandemia no negócio das farmácias? Todo o ano de 2020 correu muito abaixo do estimado, à exceção do primeiro trimestre, houve ali um período em que houve algum tipo de açambarcamento de produtos de saúde e de medicamentos, no sentido de as pessoas garantirem a imprevisibilidade do que poderia vir a acontecer. No primeiro trimestre boa performance, nos outros três trimestres de 2020 má performance e, portanto, muito abaixo do que estava estimado. No primeiro trimestre de 2021, o mercado caiu 6% e, portanto, a pandemia teve aqui um impacto negativo face às receitas das farmácias. E não só em termos de receita, mas de resultado - as farmácias tiveram que incorrer em custos operacionais muito mais elevados, quer porque tiveram que investir em equipamentos de proteção individual, quer porque tiveram que adaptar o funcionamento das suas equipas, nomeadamente equipas em espelho, para garantir a continuidade da operação, mas também porque tiveram que introduzir alterações com algum significado na organização das farmácias para garantir a segurança de todas as pessoas que as frequentavam..O papel das farmácias saiu reforçado durante a pandemia? Ou acredita que foram menosprezadas por não terem sido chamadas a participar no processo de vacinação? O papel das farmácias durante o período da pandemia foi, na nossa perspetiva, altamente valorizado pelas pessoas. Mantiveram-se abertas, continuaram a prestar os seus serviços, não só em termos de saúde, mas em termos sociais - temos de relembrar que o período da pandemia levou a alguns fenómenos de isolamento de pessoas e as farmácias muitas vezes eram o contacto dessas pessoas, quer fisicamente, quer telefonicamente, e esse papel não deve ser menosprezado. Relativamente à testagem e vacinação, o princípio para nós é que as farmácias estão sempre disponíveis a participar de forma ativa em tudo o que esteja relacionado com melhoria das condições de saúde da população. Na testagem covid estão envolvidas desde o princípio e foi um elemento importante no sentido de garantir mais acesso. Relativamente à vacinação, as farmácias estão disponíveis e preparadas para que, se houver necessidade, façam parte do programa de vacinação covid..Mas, logo no início do processo de vacinação covid, as farmácias sentiram-se menosprezadas ou não? As farmácias não se sentiram menosprezadas. Houve algumas notícias que apareceram nos jornais relativamente a alguma divergência face à forma como o processo iria decorrer. Essas notícias foram rapidamente sanadas, mas, para nós, quando entramos num projeto de intervenção profissional têm que ser claros os objetivos, o modelo operacional e os resultados a atingir. Quando as coisas não estão bem definidas, pretendemos uma clarificação. Nesse momento, não foi possível. Com a mudança de liderança da task-force de vacinação as relações, neste momento, são perfeitas, estamos articulados, e, logo que for preciso, estaremos disponíveis para intervir no processo de vacinação..ana.meireles@vdigital.pt