Será a maior (em termos de comprimento e não de altura) onda artificial do mundo e o projeto aponta para que esteja concluída em 2022, em pleno deserto da Califórnia, nos Estados Unidos. O mentor é Kelly Slater, o surfista norte-americano 11 vezes campeão do mundo que nos últimos anos se tem dedicado a esta tecnologia através da empresa que fundou, a Kelly Slater Wave Company, em parceria com a World Surf League (WSL), que se tornou também acionista.."Pessoalmente estou entusiasmado por criar uma nova onda que terá um design diferente de tudo o que já foi visto até hoje. Este pode ser um novo modelo para novos parques de ondas de surf artificiais de hoje em diante e está alinhado com algumas das minhas ideias originais quando iniciámos este projeto. Mal posso esperar para começar", referiu Slater nesta semana, através de um comunicado, sem adiantar mais pormenores..Esta onda, para a qual serão utilizados 81 milhões de litros de água, será a principal atração de um enorme e luxuoso complexo turístico que vai nascer em La Quinta, na Califórnia, situado em Coral Mountain, Coachella Valley, numa área de 162 hectares que irá integrar um resort de luxo de quase 200 milhões de euros..As ondas criadas por esta tecnologia poderão ser surfadas em simultâneo por 25 surfistas - cinco na principal e dez em cada uma das ondas menores nas extremidades. A ideia de Slater é que o espaço tenha ondas para todos os níveis de habilidade e possa receber tanto competições profissionais como ser frequentada por amadores. A engenharia será muito semelhante ao Surf Ranch, em Lemoore, também na Califórnia, que o surfista inaugurou em 2016 (ver infografia)..As piscinas de ondas eram um sonho antigo de Kelly Slater, que criou o seu primeiro projeto do género em 2015, o Surf Ranch, num lago californiano a 320 quilómetros da costa, em Lemoore, na Califórnia. O sucesso foi tanto que o surfista conseguiu convencer a World Surf League a realizar naquele local uma das etapas do circuito mundial (a primeira em 2018).."Para mim, o surf foi sempre sobre a aventura, as viagens e o oceano, mas esta onda abre novas oportunidades para o desporto sem retirar o verdadeiro espírito que atraiu muitos de nós. Surfar altas ondas num ambiente controlado é o próximo nível, sem ter de disputar ondas ou qual a melhor a escolher - pois todas são boas. Todos podem relaxar, divertir-se e focar-se em melhorar o seu nível de surf", disse, na altura, Slater.."A WSL orgulha-se de representar os melhores, mulheres e homens, do surf global, e esta incrível tecnologia criada por Kelly Slater e a sua equipa é uma inovação revolucionária que tem o poder de melhorar todos os pormenores do nosso desporto", reagiu Paul Speaker, CEO da WSL..Não há mãe natureza.No caso do Surf Ranch, em Lemoore, a piscina de ondas tem 700 metros de comprimento e 150 de largura. O fundo é feito de um material idêntico ao dos tapetes de yoga. Durante algum tempo foi mantido um enorme segredo sobre a engenharia por detrás desta tecnologia, mas em 2017 a revista Science revelou mais pormenores sobre o Surf Ranch em Lemoore, que só foi possível graças ao contributo de Adam Fincham, professor de pesquisa e especialista em mecânica de fluidos na Universidade do Sul da Califórnia..O segredo está num hydrofoil (lâmina de metal) que se encontra parcialmente submerso na água. Esta lâmina caminha pela lateral da piscina por um sistema de trilhos e é responsável por criar as ondas em movimentos de vaivém. Ela percorre toda a piscina, criando ondas de um lado e depois volta no sentido contrário. O resultado é o que os físicos chamam de soliton, uma onda solitária que imita uma ondulação individual em oceano aberto..Na parte lateral da piscina há um relevo artificial que simula um banco de areia, para que o impacto da criação das ondas seja amortecido e a água acalme antes de uma nova sessão. No fundo da piscina foram colocados recifes artificiais de diferentes profundidades e dimensões capazes de dar à água a forma de ondas..A partir daqui, o trabalho de Adam Fincham tem sido aperfeiçoar cada vez mais a onda para a tornar perfeita. "Foi trabalho dele [Fincham] descobrir como fazer o swell (ondulação formada por tempestades no mar), e era o meu trabalho descobrir como quebrar aquele swell", afirmou Slater à Science.."Não há desculpas. Não há mãe natureza. Somos só nós", disse Carissa Moore, norte-americana que venceu a etapa feminina do evento-teste em 2017. "É a onda dos sonhos", reagiu o brasileiro Gabriel Medina, que ganhou em masculinos..Mas nem todos estão de acordo, pois há quem considere que esta tecnologia desvirtua o desporto, torna-o superficial e coloca até em causa a relação entre o homem e o mar. É o caso de Matt Warshaw, ex-surfista e um dos principais redatores da modalidade da atualidade. "Há uma hipótese real de o surf profissional se mudar para um local onde eu não pertenço. Se tivermos mais tanques no circuito, será algo triste. Eu simplesmente fecho o meu computador e deixo de assistir. Numa onda no oceano o teu cérebro processa milhões de bits por segundo e tu respondes. Numa piscina só tens de te lembrar do que te disseram antes", referiu há uns anos.."Com a onda mecânica perde-se um pouco o princípio da competição".Ítalo Ferreira é o atual campeão do mundo de surf, depois de bater o seu compatriota Gabriel Medina na final em Pipeline, no Havai. Venceu a etapa em Peniche, surfou na Ericeira e até se aventurou nas ondas gigantes da Nazaré. Falou ao DN sobre o desafio que é competir em ondas artificiais..Qual a sensação de surfar uma onda artificial?.Acho brutal surfar nesse tipo de onda, na maioria das vezes conseguimos treinar manobras programadas e linhas diferentes num curto tempo..Como olha para a etapa do WSL no Surf Ranch? É uma forma de todos terem as mesmas condições?.O surf é natureza, com a onda mecânica perde-se um pouco o princípio da competição. No mar temos de nos adaptar a qualquer condição, é muito difícil e tem mais adrenalina..Quais são as dificuldades (se é que há) de surfar uma onda perfeita?.Às vezes a onda é tão perfeita que você pode errar mais facilmente. A adaptação nesse tipo de onda, por parecer fácil e robótica, não é das mais simples. Nuno mota gomes