À segunda é de vez. Depois de ter sido cancelada no início da pandemia, a Festa do Cinema Italiano vai mesmo acontecer, com as devidas medidas de segurança e um programa que arranca hoje (4 de novembro), em Lisboa, com a antestreia de Pinóquio, a nova adaptação do clássico de Carlo Collodi - um êxito em Itália, antes do encerramento temporário dos cinemas -, assinada por Matteo Garrone e abrilhantada por Roberto Benigni, que tem andado desaparecido. .O aclamado ator italiano, que em 2002 realizou e interpretou a sua própria versão de Pinóquio, assume no novo filme o papel do velho e humilde carpinteiro Geppetto, por um lado, fazendo-nos lembrar a sua personagem do pai entusiasta em A Vida É Bela, por outro, retomando, por via deste universo de fábula com uma raiz cultural tão forte, a ligação ao cinema, de que se afastara sem razão aparente desde 2012, ano em que fez uma aparição de amigo no filme de Woody Allen Para Roma com Amor. Segundo Benigni, a longa ausência não significa que estivesse zangado com a indústria cinematográfica, apenas a trocou pelo teatro e pela televisão enquanto não surgiu uma proposta "irrecusável": ser o pai do mais famoso menino-marioneta..A decorrer nas salas dos cinemas São Jorge, UCI El Corte Inglés e Cinemateca até dia 12 de novembro - passando por Porto, Setúbal, Beja, Coimbra, Loulé, entre outras cidades (até 29) -, a Festa dá a provar a comédia italiana através de títulos como A Felicidade das Pequenas Coisas, de Daniele Luchetti, que envolve erros de cálculo na repartição do Paraíso; Un Figlio di Nome Erasmus, de Alberto Ferrari, a retratar uma viagem a Lisboa com questões de paternidade à mistura; ou Manual de Sobrevivência para Pais, de Giuseppe Bonito, simpática crónica do casamento e das dores da parentalidade com Valerio Mastandrea e Paola Cortellesi..Mas há também por aqui registos dramáticos para avaliar melhor a paisagem das recentes produções italianas. É o caso de Favolacce, dos irmãos Damiano e Fabio D'Innocenzo, vencedor do Urso de Prata de melhor argumento no Festival de Berlim, que explora as tensões entre famílias frustradas numa zona residencial dos subúrbios de Roma; e de Às Coisas Que Nos Fazem Felizes (sessão de encerramento), o último de Gabriele Muccino, realizador do sucesso americano Em Busca da Felicidade, que traz um comovente melodrama centrado nas agruras da amizade entre quatro personagens ao longo de quatro décadas. Este é um daqueles filmes que apostam na boa nostalgia atravessada pelos momentos de sofrimento agudo inerentes ao ato de viver, e que comunica informalmente com o espectador (o falar para a câmara), arrastando-o num turbilhão de memórias individuais em sintonia com as reflexões da memória coletiva, desde a queda do Muro de Berlim ao 11 de Setembro..YouTubeyoutubeFQbzkdOrc4U.Destaques ainda para um thriller que junta Dustin Hoffman e o ator de A Grande Beleza, Toni Servillo - No Centro do Labirinto, de Donato Carrisi -, e nas sessões especiais o documentário O Pecado, do russo Andrei Konchalovsky, sobre o pintor e escultor Miguel Ângelo..Desta vez sem a possibilidade de celebrar o cinema através da gastronomia italiana, como era apanágio das edições anteriores, o prato forte da 13.ª Festa é mesmo a retrospetiva integral da obra de Federico Fellini neste ano do seu centenário. Um espantoso trajeto, a percorrer na Cinemateca, que passa não só pelos títulos mais icónicos como A Doce Vida, Oito e Meio e Amarcord, mas também por raríssimos e imprescindíveis pseudodocumentários televisivos como Entrevista (1987), íntima evocação dos estúdios romanos Cinecittà, e Os Clowns (1970), a doce e melancólica incursão de Fellini na tenda de circo da sua infância, que é um dos mais belos filmes feitos sobre palhaços, já na altura, artistas em vias de extinção que tocavam a sua trompete para uma plateia vazia. Finalmente, para ouvir falar da influência do cineasta italiano, temos Wes Anderson no documentário-entrevista de homenagem Fantastic Mr. Fellini, de Francesco Zippel. O brinde a um dos maiores mestres da cinematografia mundial faz-se, como deve ser, no grande ecrã.