Quando no último fim de semana Benjamin Netanyahu anunciou a vontade de anexar território na Cisjordânia, isso nem sequer foi um escândalo em Ramallah. Eram os últimos dias de campanha eleitoral, os discursos acirravam-se e a promessa não só servia para cativar o eleitorado mais radical da direita, em ascensão em Israel, como confirmava perante os palestinianos algo que toda a gente já sabia: negociar uma solução pacífica estará, por agora, fora de questão..Carlos Pereira tinha chegado uma semana antes, mas percebeu imediatamente como era difícil a tarefa que o aguardava. Tem 47 anos, cresceu em Coimbra, é tenente-coronel da GNR. Veio como mentor: vai treinar as forças especiais da polícia palestiniana para agirem corretamente quando a missão a desempenhar for o controlo das massas. Está, para todos os efeitos, sentado num barril de pólvora..Pereira é o quarto oficial português a integrar o EUPOL COPPS, a missão de segurança civil da União Europeia (UE) para os territórios palestinianos. Fundada em 2016, a organização trabalha sobretudo no apoio e formação dos agentes e na consolidação do sistema de justiça da Palestina. Desde os acordos de Oslo, em 1993, a Autoridade Palestiniana administra a segurança numa parte do território. Na verdade, é um sistema tripartido - a Palestina tem zonas em que a segurança é administrada totalmente, outras totalmente pelos israelitas e também regiões com competências mistas.."Até há duas semanas estávamos bastante descansados, a situação na Palestina estava controlada", dizia na noite de quarta-feira ao DN o italiano Vicenzo Coppola, chefe das dez missões da UE espalhadas pelo mundo, do Mali à Líbia, do Kosovo ao Iraque. "Mas o facto de Israel ter cobrado uma parte dos impostos dos palestinianos criou uma circunstância de subfinanciamento. E, se Netanyahu mantiver o poder e cumprir a promessa de anexação, o potencial de explosão nas ruas é enorme - e a capacidade de controlo reduzida.".O chefe das polícias europeias explica as coisas assim: "Nas próximas semanas, não é nada difícil que um protesto de rua escale para uma nova Intifada.".Carlos Pereira está consciente de tudo isto, e tem um plano traçado para conter o que conseguir. "É muito importante reduzir o potencial letal que as ações policiais podem ter quando quiserem controlar as multidões. "Gás pimenta em vez de balas, olhar para os focos de instabilidade e controlá-los antes que descambem - aqui, uma multidão pôr-se em fuga é normalmente sinal de que alguém sacou de uma pistola, mas, se se juntar em círculo, o mais provável é que tenha havido quem puxasse de uma faca..A Carlos Pereira não falta experiência, participou pela GNR em várias missões internacionais. Foi o representante português da European Gendarmerie Force, onde a partir de Itália projetava missões internacionais de polícia para a UE e a NATO. Montou o quartel para a Guarda portuguesa na Bósnia e Herzegovina e esteve em Espanha como oficial de ligação da Guardia Civil, onde coordenava com Espanha operações e investigações entre os dois países. Em Portugal, teve postos de comando em Castelo Branco e no Algarve, mas também liderou uma equipa de análise de informação em Lisboa..Mas foi provavelmente no Iraque que viveu o maior desafio. Pelo menos até agora. Chegou em 2003, no alvor da guerra, e nos primeiros dias no território teve de lidar com o pior episódio da sua carreira: um grupo de jornalistas que viajavam à boleia da GNR ser atacado. Maria João Ruela, da SIC, seria então ferida com um tiro, e Carlos Raleiras, da TSF, passaria 72 horas raptado. "Foi terrível, simplesmente terrível.".Os meses seguintes passou-os quase todos em Baçorá, e não foram muito melhores. "Eu era responsável pela segurança de um quartel que era bombardeado todos os dias." Tentava minimizar perigos, antecipar ataques. "Também preparava missões no exterior, acautelava a segurança dos que iam para o terreno, então ia primeiro, ver as manhas que podiam ir aparecendo. E estabelecer um plano para que não acontecessem.".Acredita que os seus dias em Ramallah sejam difíceis, mas apesar de tudo não difíceis como esses. "Agora, por enquanto, circulo livre." É com esses movimentos abertos que vai passar as próximas semanas a viajar pelas esquadras, ensinar quando agir e quando ter calma. "Mas isto é a Palestina", admite. Ainda que não haja aqui qualquer guerra declarada, há uma batalha para manter a ordem pública. E essa é capaz de não ser menos difícil do que vencer no Iraque..*o jornalista viajou ao abrigo da bolsa de reportagem da EUPOL, da União Europeia