O híper hype das armas hipersónicas
Nas instalações da NASA na ilha Wallops, na Virgínia, a Marinha e o Exército dos Estados Unidos realizaram no início da semana uma série de testes de medição hipersónicos. Concebidos para recolher dados e realizar experiências hipersónicas de parceiros do Departamento de Defesa no desenvolvimento de armas avançadas, os testes terão sido bem-sucedidos. Na quinta-feira, porém, a mais de 5800 quilómetros de distância por via aérea, na ilha Kodiak, no Alasca, uma experiência realizada para testar um veículo planador hipersónico fracassou depois de o foguete utilizado para acelerar o projétil a velocidades hipersónicas ter falhado.
As autoridades indicaram que iriam iniciar uma inspeção para compreender a causa da falha do propulsor. Este revés junta-se a outro, sofrido em abril, quando um míssil hipersónico AGM-183A não se separou de um bombardeiro B-52, embora pelo meio tenham efetuado um bem-sucedido teste, em setembro. Antes destas notícias, soube-se que a China tinha testado, em agosto, um veículo planador hipersónico a partir de órbita e de que no início do mês a Rússia havia lançado pela primeira vez o Tsirkon, um míssil hipersónico, a partir de um submarino a 40 metros de profundidade. Por fim, na semana anterior, a Coreia do Norte também havia lançado o seu míssil hipersónico.
Que febre é esta pelos mísseis hipersónicos? O que apresenta de novo? Prefigura-se uma nova corrida ao armamento? De cada vez que o ex-presidente Donald Trump anunciava esta arma, chamava-a de "hidrossónica", mas aqui não há água. O que está em causa é a velocidade, que atinge pelo menos cinco vezes a velocidade do som, ou cerca de 6180 quilómetros por hora, combinada com a manobrabilidade, e, portanto, capacidade para ultrapassar as linhas de defesa.
Mark Lewis, diretor de Investigação e Engenharia para a Modernização da Defesa do Pentágono, explicou em conferência de imprensa, no ano passado, que as experiências sobre o campo hipersónico foram iniciadas no final dos anos 40, sendo que "por volta da mesma altura" os russos começaram também as suas investigações. "Nós vemo-los essencialmente a construir sobre o seu legado da Guerra Fria", disse. Já a China "é uma história um pouco diferente", porque "chegou um pouco atrasada ao jogo, mas fizeram grandes investimentos". Só que, sustenta Lewis, aproveitaram a pesquisa norte-americana. "Eu gosto de dizer que nós fizemos os seus trabalhos de casa. O hipersónico é um campo basicamente inventado neste país. Fizemos a pesquisa básica, desenvolvemos os conceitos, fizemos as experiências fundamentais. Publicámos extensivamente, e eles leram os nossos artigos."
Já sobre a Coreia do Norte nada se supunha sobre o seu programa de armas hipersónicas, pelo que a notícia do primeiro lançamento foi recebida com ceticismo. Dias depois, durante uma feira de armamento em Pyongyang, onde Kim Jong-un justificou a sua estratégia de defesa por os Estados Unidos serem "hostis", foram mostradas fotografias do Hwasong-8. "É muito difícil dizer publicamente se o míssil hipersónico é legítimo ou como é que funciona", disse ao The Washington Post o perito em segurança nuclear do Massachusetts Institute of Technology Vipin Narang, que aponta para as semelhanças do veículo planador norte-coreano com o chinês DF-17. "As imagens divulgadas são o que a Coreia do Norte quer que vejamos." Para realizar testes desta tecnologia é necessário túneis de vento hipersónicos, instalações que até hoje se desconhecem na Coreia do Norte.
Se a Rússia leva um avanço no campo hipersónico, com o Tsirkon (lançado de fragatas ou de submarinos) a juntar-se ao Avangard (de plataformas de lançamento de mísseis balísticos), duas das seis armas estratégicas anunciadas por Vladimir Putin em 2018, a China terá realizado o feito de enviar um veículo hipersónico a partir de órbita. A informação avançada pelo Financial Times com base em várias fontes foi desmentida por Pequim. Caso as notícias se confirmem, será o primeiro país a testar um sistema de bombardeamento orbital armado com um veículo planador hipersónico.
A caminho do primeiro teste de um planador, o V-Max, está a França, que está a construir um túnel de vento para simulação de voos a Mach 30. Outros países que prosseguem a investigação hipersónica são a Índia, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Alemanha.
Os mísseis hipersónicos podem ser lançados por um foguete e depois prosseguir até um alvo através da atmosfera no veículo planador, ou ser lançados na atmosfera partindo de um avião - um míssil de cruzeiro hipersónico. Se nos atermos à questão da velocidade, o hipersónico não bate o míssil balístico. Os países já referidos têm no seu arsenal mísseis balísticos intercontinentais que atravessam os oceanos em meia hora. Por exemplo, o Minuteman III, dos Estados Unidos, atinge Mach 23, ou seja, mais de 28 mil quilómetros por hora.
Em termos simples, um míssil balístico sobe e mais tarde solta uma ogiva que cai na terra, desenhando uma trajetória previsível, e, apesar da velocidade, poderá ser barrado. Já o veículo planador hipersónico toma uma trajetória inferior e pode ser manobrado, tornando-o, em teoria, capaz de se esgueirar sob o radar.
É aqui que as opiniões se dividem: alguns analistas acreditam que os hipersónicos são o futuro do armamento, porque dão a quem os possui o potencial de atacar um adversário sem aviso prévio e sem defesa possível. Outros assinalam que, pelo facto de os mísseis hipersónicos poderem transportar ogivas nucleares ou convencionais sem que o adversário saiba qual, tal pode levar a uma resposta desproporcionada e aniquiladora por parte do atacado. Os norte-americanos são os únicos a declarar que não irão usar ogivas nucleares.
Quanto ao investimento na defesa, os especialistas norte-americanos dizem que só é possível proteger uma fração do território e que a atual arquitetura de comando e controlo seria incapaz de "processamento de dados com rapidez suficiente para responder e neutralizar uma ameaça hipersónica", como se lê no relatório do Congresso sobre o tema. Para os peritos da Chatham House, falando sobre a "ameaça russa", mas com um argumento que se estenderá aos outros países, "a tentativa de desenvolver e instalar sistemas semelhantes pode ser um desperdício. Em vez disso, pode ser mais prudente concentrar-se nas capacidades que perturbam e deterioram a infraestrutura militar - por exemplo, C4ISR (Comando, Controlo, Comunicações, Computadores, Informações, Vigilância e Reconhecimento) e outros sistemas de neutralização em cadeia -, que dão às novas armas esse potencial", lê-se numa análise sobre a tecnologia militar russa.
"Definitivamente, não é uma mudança de jogo, é uma corrida ao armamento. Em grande parte é para mostrar que qualquer arma que mais alguém possa desenvolver eles tê-la-ão primeiro", disse Cameron Tracy, perito em controlo de armamento da Universidade Stanford, à AFP. Para Tracy é crucial levar o hipersónico para as negociações de controlo de armas nucleares, ainda que a Coreia do Norte e a China não façam parte de quaisquer pactos. "O desenvolvimento destas armas, esta corrida ao armamento hipersónico, não é provavelmente a situação mais estável. Portanto, seria bom agir o mais rapidamente possível."
Para o investigador francês Joseph Henrotin, "não faz sentido olhar para a propagação de sistemas hipersónicos como o início de uma "hiperguerra" conduzida apenas a alta velocidade", embora "o caráter das futuras operações militares seja, sem dúvida, afetado por sistemas que revalorizam a surpresa, violentam os ciclos de tomada de decisões, desfocam as perceções e aumentam a liberdade de ação dos Estados", escreveu num texto publicado no IFRI.