O fogo em Monchique foi bem combatido?
Um pedido de audiência ao ministro da Administração Interna feito pela associação dos bombeiros profissionais, a propósito de um hipotético fracasso do combate ao incêndio na serra de Monchique, volta a colocar em causa a capacidade e a eficácia do sistema de combate aos fogos florestais.
No comunicado de segunda-feira, a direção da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais reclama ser "urgente saber porque voltamos a ter fogos com uma duração de mais de três dias, tanto mais que era conhecido há meses que a Serra de Monchique constitui uma zona de alto risco".
Ontem o alvo desse comunicado, o ministro Eduardo Cabrita, confrontado por jornalistas, recusou dar uma resposta aos bombeiros profissionais, preferindo fazer o ar de quem se sente ofendido para, na frase seguinte, tentar acabar com a questão através da clássica jogada da cartada moral: "este é o tempo do combate de pessoas que estão a pôr em risco a sua vida".
Enquanto chutava para canto os bombeiros profissionais, Eduardo Cabrita classificava como "notável" a resposta das entidades envolvidas nos combates aos incêndios dos últimos dias e destacava o nível de "grande competência técnica e de grande dedicação pessoal" de quem dirigia as operações.
Mas o ministro, numa aparente contradição a esse elogio tão sentido, anunciou logo a seguir a passagem da coordenação do combate ao incêndio de Monchique do comando regional da Proteção Civil em Faro para o comando nacional.
Vou ignorar a possibilidade, nada louca, de por detrás do comunicado dos bombeiros profissionais estar escondida uma qualquer intenção política em descredibilizar o Governo; uma eventual visão distorcida da realidade por interesses próprios desta classe profissional; um possível ajuste de contas por a reformulação do sistema de combates a fogos rurais não contemplar algum anseio deste corpo; um eventual sentimento resiliente de injustiça por reparar provocado pelas críticas aos bombeiros, voluntários e profissionais, vertidas nos relatórios da Comissão Independente que analisou os trágicos acontecimentos de junho do ano passado em Pedrógão Grande e, depois, em outubro, no distrito de Viseu e em Oliveira do Hospital, entre outras dezenas de locais.
Vou ignorar todas as plausíveis teorias da conspiração. Porquê? Por causa desta frase que os bombeiros escreveram: "A reorganização que o governo implementou no combate e as medidas de prevenção devem ser avaliadas, porque assistimos a um incêndio na Serra de Monchique que envolve mais de um milhar de operacionais, duas centenas de veículos, 13 meios aéreos e um número considerável de máquinas de arrasto... e ainda não está controlado".
Eu pouco ou nada sei sobre combate a incêndios, mas é suposto os representantes dos bombeiros profissionais saberem bastante do assunto.
É difícil acreditar que os bombeiros profissionais matem o que resta da sua credibilidade pública só para retirarem efeito político num assunto que emociona de luto os portugueses.
Tenho de admitir que os bombeiros profissionais não se arriscariam a ser publicamente acusados (talvez mesmo na Justiça) de extrema irresponsabilidade, capaz de provocar a perturbação da paz pública, ao lançarem para a rua um alarme deste tipo, num assunto desta natureza, que contabiliza na memória recente do país mais de 100 mortes horríveis.
Vejo-me, portanto, obrigado a acreditar que as dúvidas lançadas pelos bombeiros profissionais têm algum tipo de sustentação; tenho de achar, apesar das temperaturas do ar superiores a 45 graus celsius e de rajadas de vento assassinas, que houve uma altura, nos últimos cinco dias, em que o incêndio de Monchique podia ter sido extinto.
Não me basta ver um ministro contente por não haver mortos. Preciso de um ministro que me explique, cabalmente, depois de tudo o que foi feito durante o ano para preparar o território para esta época, se houve ou não erros na operação de combate ao incêndio em Monchique e se estão desde já a ser tomadas medidas de curto prazo para, no resto deste ano de fogos florestais, essas falhas, se existiram, não se possam repetir.
O ano passado houve muita gente, no dia 17 de junho, que gritou não ser nesse dia tempo de fazer perguntas incómodas por respeito aos 66 mortos pelo incêndio de Pedrógão Grande.
Em 15 de outubro, perplexos com a repetição incompreensível do falhanço nacional nesta guerra ao fogo, pasmados pela incapacidade do Estado em corrigir procedimentos básicos de prevenção e combate a incêndios, os portugueses que não queriam fazer perguntas e os outros que queriam respostas imediatas tiveram mais 53 mortos para chorar...
Pode ser injusto para quem está no terreno ou para quem define políticas mas, neste assunto de vida ou de morte, não podemos parar de fazer perguntas nem de exigir respostas imediatas: vai durar anos até este trauma coletivo nos passar... se passar.