O dia em que o Papa leu uma capa do DN de 1947

Francisco deu uma entrevista à Renascença. E recebeu lembranças: uma cópia da 1ª página do DN que contava a vinda a Portugal da equipa do San Lorenzo de Almagro, de que o Papa é sócio.
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"O sonho de cada vaticanista é entrevistar o papa." A odisseia da entrevista de Aura Miguel ao Sumo Pontífice, que os ouvintes da Rádio Renascença podem ouvir hoje (às 09.00 com dobragem e às 19.00 na versão original, em espanhol), começa em janeiro, num voo entre Roma e Colombo (Sri Lanka). "Quando chegou a minha vez disse-lhe: "Santo Padre, sabe o que é que eu gostava mesmo muito, muito?" E ele pergunta: "O quê?" "Que me desse uma entrevista!"" Aura Miguel sugeriu então que a mesma acontecesse por ocasião do consistório, em fevereiro, no qual D. Manuel Clemente foi ordenado cardeal. "Ah!", foi a resposta do Papa, que, de seguida, disse à jornalista para escrever a um dos seus secretários. "Foi o que fiz e nunca tive resposta", recorda a vaticanista.

Seis meses depois, novo voo, desta vez rumo a Sarajevo. O Vaticano já havia confirmado a visita de Francisco a Portugal em 2017, por ocasião do centenário das aparições de Fátima. O Chefe da Igreja Católica faz a ronda de conversas informais com os jornalistas que viajavam a bordo do avião papal. Aura Miguel volta a tentar a sua sorte. "Estou em falta para consigo!", diz o Papa, recordando a conversa que haviam tido, seis meses antes. "Fiquei totalmente sem reação", relembra a jornalista da Rádio Renascença ao DN. Com indicações de Francisco para voltar a contactar os seus assessores, Aura Miguel começa de imediato a preparação mental para aquela que é a entrevista mais desejada de qualquer vaticanista. "Resolvi escrever-lhe uma carta, através do secretário particular dele, agradecendo-lhe por ele ter a memória tão viva e dizendo que estava disponível quando ele quisesse, mas sugeria como oportunidade uma semana antes da visita ao Vaticano dos bispos portugueses." Carta enviada e, novamente, silêncio do outro lado.

Em julho, ainda sem qualquer confirmação, Aura Miguel volta a embarcar no avião papal em direção a Quito, Equador. "Levei comigo no bolso, just in case, uma cópia da carta que tinha enviado para ver se conseguia dar-lha em mão", relembra a jornalista. É aí que o inesperado acontece. O Papa, depois de muito procurar, tira um envelope da batina. "O Papa estende-me o envelope e diz "isto é para si". Naquele instante pensei que ele se teria enganado. Para perceber, esta era a minha viagem número 83 com um papa. Os papas não dão envelopes, ponto. Nós, quando muito, é que damos envelopes ao papa. Que um papa dê envelopes a um jornalista, nunca tinha visto." "Señora Aura Miguel", estava escrito no sobrescrito. Lá dentro, dois santinhos e ainda a carta que Aura Miguel havia enviado ao Papa. "Com a mesma letrinha pequenina do envelope, estava escrito "8 de setembro, 11.30". E ele preocupadíssimo, pegou-me na mão e disse-me "veja bem se lhe dá jeito essa data". A preocupação dele era que se não me desse jeito a mim, Aura Miguel, ele, Papa Francisco, mudaria a data! É muito definidor da sua extraordinária humanidade. É inimaginável", conta Aura Miguel. O encontro aconteceria um dia depois da visita ad Limina dos bispos portugueses à Santa Sé.

Papa recebeu DN de 1947

A conversa com Jorge Mario Bergoglio deveria durar apenas 30 minutos, mas acabou por durar uma hora. "A determinada altura ele próprio olha para o relógio, assim de uma maneira muito ostensiva. Pensei "ele agora vai acabar e eu ainda tenho tantas perguntas". Ainda foi o dobro do tempo que me tinham dado", conta a jornalista.

Aura Miguel encontrou-se com o Santo Padre na Casa de Santa Marta, morada oficial do Papa Francisco. No final, houve oportunidade para entregar uma prenda muito especial, cujo significado Aura Miguel desvendou ao DN. "O meu pai tem 83 anos e lembra-se, quando era adolescente, em 1947, de o San Lorenzo de Almagro, o clube do Papa Francisco, vir a Portugal fazer dois jogos amigáveis." O périplo do San Lorenzo por terras lusas incluiu dois jogos, um no Porto e outro em Lisboa, que resultaram em duas opíparas vitórias. "Fizemos uma pesquisa em vários jornais e levei uma pastinha com um fac-símile das páginas. Claro que o Papa Francisco adorou! Ficou com uma cara derretida a olhar para o resultado!" Uma das primeiras páginas que Aura Miguel levou ao Santo Padre foi a do Diário de Notícias, como é possível ver na imagem que aqui reproduzimos. A Renascença ofereceu uma contribuição monetária para a ajuda aos refugiados em Portugal e "dois livros, um sobre os 75 anos sobre a Rádio Renascença e outro sobre os santuários nacionais", conta a jornalista. Francisco recebeu também uma garrafa de vinho do Porto Ferreirinha de 1917, ano das aparições de Fátima.

"Preparar uma entrevista ao Papa é um desafio porque até ao próprio momento estavam em aberto vários assuntos. No domingo anterior, por exemplo, foi quando ele fez o apelo aos refugiados", explica Aura Miguel, acrescentando: "O Papa pareceu-me bastante preocupado. Aliás, quando ele entrou, achei-o um bocadinho abatido e cansado." Sendo um dos líderes mundiais mais mediáticos, Aura Miguel quis saber como é que Francisco lida com essa popularidade. "Ele disse-me que Pedro traiu de uma maneira vergonhosa e que o fizeram papa a seguir. Ele, com os pecados que tem, espera ajudar. É muito bonito."

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