Estava o secretário de Estado americano, John Quincy Adams, a discutir com o embaixador britânico, notando que estes reivindicavam tudo o que era território no mundo, "reivindicam a Índia, reivindicam África", quando Stratford Canning acrescentou, irónico, "talvez um pedaço de Lua". Irritado, Adams respondeu: "Nunca ouvi que os britânicos reclamassem em exclusivo qualquer parte da Lua; mas não existe um ponto neste nosso globo habitado que possa dizer que não reclamem.".O episódio data de 1818, quando a Lua estava ainda (tecnologicamente) demasiado distante para alguém reclamar a posse, mesmo o poderoso Império Britânico. Mas curiosamente foi Adams, mais tarde presidente, quem primeiro promoveu nos Estados Unidos o ensino da astronomia, incentivando à construção de telescópios por todo o país. A paixão pelo estudo do céu ganhara-a quando era diplomata em São Petersburgo, de um amigo, o czar Alexandre I, outra ironia da história, pois um dia americanos e russos (transvestidos em soviéticos) seriam concorrentes na corrida ao espaço..Foi, aliás, um ano depois de o soviético Iuri Gagarine se ter tornado o primeiro homem no espaço, antecipando-se por umas semanas a Alan Sherpard, que John Fitzgerald Kennedy, num discurso em Houston em setembro de 1962, prometeu que até ao final da década um homem caminharia na Lua, um americano, claro, desta vez pioneiro. Por muitos milhões e milhões de dólares que o projeto Apollo exigisse, o compromisso estava assumido. A América não ficaria para trás. "Nenhuma nação que espera ser líder das outras nações poderá perder a corrida espacial. Mas porquê a Lua, perguntam alguns? Porquê este objetivo? Também podem perguntar porquê subir à montanha mais alta? Porquê voar sobre o Atlântico? Nós decidimos ir à Lua. Nós decidimos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis", proclamou Kennedy à nação. E os americanos entusiasmaram-se..Lyndon Johnson, que sucedeu a JFK quando este foi assassinado em 1963, e Richard Nixon, eleito em 1968, mantiveram a promessa. Não era uma questão de prioridades dos democratas ou dos republicanos, mas sim uma verdadeira causa nacional e a NASA continuou a ser contemplada com generosidade no orçamento, permitindo a alunagem de 20 de julho de 1969, que emocionou o mundo, mas muito em especial os americanos.."Tinha 8 anos quando a Apollo 11 chegou à Lua. Toda a minha família se juntou numa pequena sala da nossa casa na University Street, em Eugene, Oregon, para assistir à alunagem. Éramos nove, todos juntos à volta de uma pequena televisão a preto e branco e, como era um dos mais novos, consegui um bom lugar à frente. Nunca me vou esquecer do meu pai e do meu avô a comentarem repetidamente que nunca pensaram chegar a ver isto nas suas vidas. Lembro-me de estar admirado com a coragem de Neil Armstrong. Contar esta história, mesmo 50 anos depois, ainda evoca em mim um sentimento de incrível orgulho nos Estados Unidos e naquilo que podemos alcançar", relembra George Glass, embaixador americano em Portugal desde o início de 2017..Deste lado do Atlântico, também quem tinha televisão teve de a partilhar nesse dia. A curiosidade era total. Criança na época, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Manuel Heitor recorda-se bem desse momento e das expectativas geradas, muitas vezes até superadas: "Em julho de 1969, o entusiasmo familiar em frente a um pequeno ecrã de televisão levava a admitir que tudo seria possível a partir dessa altura. Afinal não havia limites à ciência e à capacidade humana! Tudo ia ser diferente...e hoje, passados 50 anos, sabemos que a exploração do espaço abriu novos horizontes para a nossa imaginação, mas também facilitou muitos benefícios para a nossa qualidade de vida. Dos detetores de incêndios, hoje tão vulgarizados e absolutamente essenciais, aos sistemas de posicionamento por satélite que usamos a todo o minuto através dos nossos telemóveis, ou às telecomunicações que nos permitem estar sempre online, tudo envolve esse fantástico universo de sistemas, dispositivos e, sobretudo, ideias testadas e desenvolvidas através de tecnologias espaciais.".Otimista, Manuel Heitor acrescenta que "os sistemas espaciais e as suas aplicações são hoje um criador potencial de mais e melhores empregos, da agricultura à segurança, passando pela ciência e pelas telecomunicações e a mobilidade urbana. Porque não há limites à ciência e ao conhecimento, temos sempre de aprender mais e colaborar internacionalmente para sabermos aproveitar melhor as oportunidades que continuarão a emergir através da exploração do espaço e da observação da Terra"..Mais sucinta foi logo no dia da pioneira alunagem a reação de Almada Negreiros. "A poesia está de parabéns", respondeu o artista ao DN de 21 de julho. Toda a primeira página do jornal foi dedicada à epopeia, além de inúmeras páginas interiores. As reticências ideológicas no Portugal salazarista à celebração do feito soviético do Sputnik, em 1957, ou de Iuri Gagarine em 1961, desta vez não faziam sentido, pois eram os aliados americanos da NATO a tomar a dianteira na corrida espacial, quase um prenúncio de como a Guerra Fria seria ganha duas décadas depois..Um pedaço de rocha lunar recolhido por Neil Armstrong e Buzz Aldrin (o piloto Michael Collins, terceiro elemento da Apollo 11, não chegou a sair da nave) foi exposto logo em dezembro desse ano no Centro Cultural Americano, em Lisboa, tendo recebido a visita do presidente Américo Tomás. Depois, esteve acessível ao público no Palácio Foz..Quatro anos depois, os Estados Unidos ofereceram a Portugal um fragmento lunar, com uma mensagem do presidente Nixon a salientar a amizade entre os dois países. Cerca de uma centena de aliados dos Estados Unidos receberam oferta semelhante. O pedaço português foi trazido pelo astronauta James Lovell, que foi quatro vezes ao espaço, duas delas à Lua mas sem pisar o satélite natural da Terra. Ao todo só 12 homens, todos americanos, chegaram a caminhar na Lua, e desde 1972 a Lua deixou de receber a visita de humanos, agora só sondas, como a chinesa que chegou lá há poucos meses.."Como se sabe, o verdadeiro motor da intenção americana de colocar um homem na Lua era a competição política com a União Soviética. No entanto, a generalidade da comunidade científica via o projeto como um caminho para o desenvolvimento científico e tecnológico, quer nos meios de colocar máquinas e instrumentos em ambientes muito diferentes dos existentes na Terra quer para aprofundamento do conhecimento da constituição atual do solo lunar", sustenta o astrónomo Máximo Ferreira..A oferta de pedaços de Lua servia sobretudo a fins de promoção da América, mas a curiosidade pelo material extraterrestre revelou-se imensa. E seguiram-se alguns roubos, pelo que ainda hoje surgem ofertas na internet de pedras lunares para venda, na maior parte dos casos falsas. Também o pedaço trazido para Portugal desapareceu em 1985, como foi noticiado pelo DN e como conta agora Máximo Ferreira: "Numa exposição evocativa das viagens tripuladas à Lua - produzida no Planetário de Lisboa e inaugurada com a presença do astronauta James Lovell - foi incorporada uma pequena rocha lunar trazida da Lua pela missão Apollo 17, cedida pelos Estados Unidos e que, foi roubada. Na ocasião, talvez não tivesse sido convenientemente conduzido o processo que poderia alimentar esperanças de a recuperar.".A perda é sobretudo simbólica, até porque existe também um pedaço de lua na Sociedade de Geografia de Lisboa. Como explica o astrónomo Máximo Ferreira, "aparentemente, aquela amostra era como que um pedacinho de pedra-pomes das que encontramos em muitos locais da Terra. Quanto à constituição, existem regiões da Lua onde as características do solo são semelhantes às terrestres mas foram localizadas outras onde as composições não são iguais, factos que levaram a ajustar teorias sobre a origem da Lua"..As viagens tripuladas à Lua, passado meio século, voltam a estar nos planos das potências. Para Máximo Ferreira existe alguma lógica nisso do ponto de vista científico: "Julgo que, antes de se pensar em viagens tripuladas a Marte, ainda haverá muito a investigar e preparar sobre as capacidades humanas - físicas e psicológicas - para voos espaciais de longa duração. Talvez por isso existam intenções de, com viagens à Lua, preparar a superação das dificuldades que a "invasão de Marte" implica.".Mas a geopolítica também se faz sentir no espaço e é preciso não esquecer que foi o projeto Guerra das Estrelas, que permitiria a partir do espaço destruir qualquer míssil nuclear soviético, que resolveu de vez a Guerra Fria nos anos 1980, algo que nem a Guerra da Coreia, nem a do Vietname, nem a do Afeganistão, tinham conseguido em Terra. E se antes era Estados Unidos versus União Soviética, a nova disputa entre superpotências será entre os Estados Unidos e a China, com os seus taikonautas (o primeiro foi Yang Lìwei, em 2003). Não é por acaso que, embora sem a qualidade retórica de Kennedy, Trump anunciou já que quer americanos de novo na Lua, com um reforço de 1,6 mil milhões de dólares do orçamento da NASA, que é já superior a 21 mil milhões. O sucessor do projeto Apollo será o Ártemis, irmã do deus grego e deusa da Lua, com voo de teste marcado para 2020, outro para 2022 e finalmente o Ártemis 3 a alunar em 2024. Sim, será uma mulher a pisar a Lua desta vez, uma americana, mesmo que não se saiba se vai lá para dizer que a América é grande de novo, para reivindicar algo ou só para impedir que outros reivindiquem.