"O dia-a-dia é uma incerteza, mas espero que as escolas não voltem a fechar"
Na semana em que o novo ano letivo começou, na segunda quinzena de setembro, a especialista em psicologia e presidente da delegação do sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Raquel Raimundo, testemunhou "a alegria dos miúdos em encontrarem-se uns com os outros". "Foi muito tempo", diz, "houve jovens que estiveram seis meses sem interagir com os pares".
"Os custos de entramos em confinamento não são só económicos", começa por alertar, sem querer menosprezar as implicações financeiras. No que ao ensino diz respeito, a distância veio "acentuar as desigualdades no acesso à aprendizagem", quando "as crianças também aprendem muito na relação com os outros".
As autoridades de saúde e o governo reconhecem estes fatores e, por isso, as indicações são para que o encerramento de um estabelecimento de ensino aconteça em último caso, depois de esgotadas as hipóteses de isolamento de uma ou mais turmas que possam ter estado em contacto com um caso positivo de covid-19. Apesar dos surtos que se têm verificado, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, referiu-se, em conferência de imprensa, a uma "situação controlada".
Raquel Raimundo confessa que espera que "as escolas não voltem a fechar", pelo menos, "todas ao mesmo tempo, a nível nacional". "Se houve uma coisa que esta pandemia nos veio mostrar é que a escola é fundamental, não só como espaço de aprendizagem, mas como espaço de relacionamento. Não há nada que substitua a relação em presença", aponta a psicóloga. De acordo com um estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho, publicado em agosto, 65% dos jovens consideram ter aprendido menos durante a pandemia, por causa do ensino à distância.
Apesar disto, a psicóloga refere que "a maioria das crianças está a conseguir lidar e vai continuar a conseguir lidar de forma eficaz com esta pandemia. É um momento de incerteza, mas não é o único pelo qual passaram na vida". Mais preocupada está com "uma minoria" que pode começar a apresentar sintomas de perturbação psicológica. Tais como uma tristeza continuada ao longo do tempo, perturbação no sono ou na alimentação, e, no caso das crianças mais novas, um exagero de queixas, como uma falsa dor de barriga, pode ser um "sinal de mal-estar dentro delas", enumera a especialista.
Citaçãocitacao "A maioria das crianças está a conseguir lidar e vai continuar a conseguir lidar de forma eficaz com esta pandemia."
"Haver alguns sintomas de ansiedade é normal. Vivemos de facto uma altura de inconstância, aqui a diferença é a intensidade com que estes sintomas se manifestam", continua Raquel Raimundo. Outras atitudes que podem despertar alertas são os receios irracionais em relação à própria pandemia: "estar sempre, sempre, sempre a pôr desinfetante nas mãos, não querer estar perto dos colegas".
O importante, aconselha a psicóloga, é que os professores, os psicólogos escolares e principalmente os pais estejam atentos e disponíveis para falar sobre o que se está a passar. "É fundamental que os adultos passem a ideia de que temos de ir vivendo um dia de cada vez, que nem tudo está dentro do nosso controlo. Eles não controlam, por exemplo, se um colega vai adoecer, se a escola vai ter de fechar, se algumas turmas vão ter de ir para casa: nada disso depende deles. O dia-a-dia é uma incerteza, mas espero que as escolas não voltem a fechar", continua a presidente da delegação do sul da ordem. "Portanto, as crianças e os jovens têm de agir no que é do seu controlo: cumprir as medidas sanitárias e evitar estigmatizar um colega que possa contrair covid; distância física não é distância social e, por isso, é bom que eles se mantenham em contacto, através do telefone ou do computador."
"Se calhar não foi mau termos passado pelo confinamento, porque neste momento os jovens sabem o que têm a perder se voltarem todos para casa. E, nem que seja por isso, há mais vontade de cumprir as medidas sanitárias", acrescenta a psicóloga.
Sobre a possibilidade de este tempo poder ser também encarado como uma oportunidade para modernizar o ensino, Raquel Raimundo admite que possa de facto ser "um aspeto positivo da pandemia". "Os professores passaram a utilizar as novas tecnologias de uma forma mais acentuada." O que não coloca em causa a importância do regresso às salas de aulas presenciais. Isso não suscita à especialista qualquer dúvida do ponto de vista da saúde mental e da educação.
"Se todos tínhamos algumas dúvidas sobre como é que ia ser quando as crianças e os jovens voltassem para as escolas, acho que bastou para os pais ver como é que os filhos estavam na primeira semana de aulas", diz Raquel Raimundo. "Mesmo os miúdos com mais dificuldades de relacionamento vinham tão felizes que foi uma forma de nos mostrar a todos que este foi o passo certo."