De fato escuro e cabeção, olhos fechados, as mãos cruzadas junto aos lábios e uma aparência pálida, como descreve a jornalista do Libération, o arcebispo de Lyon, cardeal Philippe Barbarin, sentou-se na segunda-feira no banco dos réus, no Tribunal Criminal daquela cidade francesa, para sacudir qualquer responsabilidade no alegado encobrimento de agressões sexuais a menores de 15 anos..Barbarin terá confidenciado que "precisava de silêncio e orações". Ou talvez um pouco mais do que isso: em tribunal, no primeiro dia de julgamento, Barbarin disse que só ali estava "por respeito à justiça e às vítimas", depois de recentemente o prelado ter dito que "só" tinha "um juiz que é o Senhor"..À justiça dos homens, o cardeal - que durante o conclave que escolheu Francisco como sucessor de Bento XVI se deslocava em Roma de bicicleta - falou durante sete minutos para se defender da acusação de não ter denunciado os crimes do padre Bernard Preynat, que foi acusado de ter abusado de mais de 60 escuteiros, entre 1970 e 1980, factos que seriam do conhecimento de Barbarin.."Ouvir todos esses homens fez-me tomar consciência das consequências desses atos vergonhosos e aterradores", admitiu perante a juíza Catherine Vernay. "Digo-o com humildade: nunca escondi ou encobri factos que estão em total contradição com o que, na minha vida, sou testemunha", defendeu-se..Em 23 de novembro de de 2014, contou o arcebispo, Alexander, o antigo escuteiro que tinha denunciado quatro meses antes junto da diocese os atos de Preynat, reuniu-se com Philippe Barbarin. "Ele disse-me", explicou o cardeal, "que para ele os factos estavam prescritos e culpou-se por não ter dado seguimento a esta história". Barbarin argumentou que encorajou Alexander a procurar outras vítimas e que o apoiava num processo judicial..É esta a linha de defesa do cardeal ciclista: como estavam prescritos os factos, cabia a Alexander alertar a justiça. A juíza procurou saber se Barbarin teve conhecimento dos crimes de Preynat, quando chegou à diocese em setembro de 2002, segundo o relato do Libération. O cardeal limitou-se a responder que nada desafinou na festa: "Fui à sua paróquia no dia 14 de setembro, mas tudo aconteceu sem notas erradas.".Barbarin recusa que tenha consultado à época o registo do padre, nem que tenha sido alertado para os atos pedófilos de Preynat. Mais tarde terá ouvido rumores - como umas cem pessoas terão ouvido. "Havia muita gente que sabia desses rumores.".O caso que tem abalado a Igreja Católica em França, mais ainda quando coloca em julgamento uma das figuras mais poderosas do episcopado francês, assemelha-se a outros casos idênticos noutros países: bispos confiaram na palavra de padres e religiosos, e perante a denúncia dos seus atos criminosos limitaram-se a gerir os casos de forma administrativa, o que já mereceu as críticas do Papa Francisco. Também Barbarin o fez: "Confiei no meu antecessor, que era um homem notável, o cardeal Billé", disse, referindo-se às decisões (não) tomadas antes de chegar à diocese em 2002..Numa entrevista ao jornal católico La Croix, a 10 de fevereiro de 2016, o cardeal disse que tinha tido conhecimento dos comportamentos desse padre "por volta de 2007-2008", através de terceiros, e que conheceu uma das vítimas em 2014..Em 31 de março de 2010, novo erro de avaliação, quando ponderou a promoção de Bernard Preynat. O padre pedófilo garantiu-lhe que não tinha praticado nenhum delito desde 1991. "Fui criticado por ter acreditado nele. É uma crítica muito vigorosa que me foi feita." Talvez nas orações de Barbarin tenha faltado o ato de contrição.