Há quem tenha visto a ausência do PSD nas comemorações do 1.º de Dezembro como apenas mais um fait divers político. Um assunto nada relevante comparado com a incompetência mostrada pelo governo no assunto "administração da Caixa", um tema incomparavelmente menos importante do que a forma arrogante como alguns gestores que se julgam predestinados (sim, isto é dirigido a António Domingues e à sua equipa) olham para a lei e para o poder político, ou uma discussão menos merecedora de debate do que a maneira como o Bloco de Esquerda desprezou o representante de um país democrático com o qual temos laços fortíssimos e consegue na mesma semana enaltecer um ditador. Não duvido, também, de que haja quem pense que se devia gastar muito mais tinta a analisar o primeiro congresso do PCP em que esse partido apoia uma solução de governo, depois da normalização da nossa democracia, do que o desprezo com que os dirigentes do PSD trataram a data da Restauração da Independência de Portugal..Infelizmente, a ausência do PSD das comemorações do Dia da Restauração tem um significado que transcende todos os anteriores acontecimentos. É uma falha gravíssima, uma atitude que envergonha quem a cometeu, mas também quem votou no PSD, quem já tenha votado e todos os portugueses..É chover no molhado dizer que o PSD é um pilar fundamental da nossa democracia. É a esse partido que se devem em grande parte as grandes conquistas do pós-25 de Abril. O Estado social, o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, o caminho europeu, as revisões constitucionais que consolidaram a democracia liberal, as privatizações em setores onde o Estado não devia estar e outras que mudaram para muito melhor o nosso país. Umas foram de sua iniciativa, outras mereceram o apoio decisivo dos então social-democratas. No mesmo sentido, apesar de não governar, o PSD é o maior partido português, o que mais deputados tem na Assembleia da República..Algo está profundamente errado quando um partido com esta responsabilidade esquece ou despreza algo de vital para a comunidade: a memória, o nosso passado comum. O 1.º de Dezembro não é uma data qualquer na história de Portugal. Não se comemora uma mudança de regime ou de sistema político ou o nascimento de um santo ou outra qualquer data importante. Dias, acontecimentos, efemérides que, claro está, devem também ser lembrados e comemorados porque são parte da nossa história, do nosso passado comum. O 1.º de Dezembro é muito mais importante. Comemora-se a restauração da independência nacional. Uma data em que voltamos a tomar o nosso destino nas mãos. Em que, juntos, decidimos arriscar a nossa vida e a dos nossos filhos para sermos donos do nosso futuro. Não é possível conceber uma data na nossa história que tenha mais relevância, mais significado para aquilo que somos enquanto povo..É bom lembrar que quando o anterior governo decidiu acabar com alguns feriados já tinha ficado a sensação de que existiam sinais de uma grave falha de perceção do papel vital da memória na vida de uma comunidade. Na altura, justificou-se com a necessidade de aumentos de produtividade com a comparação do número de feriados do nosso país em relação a outros. Como se fosse legítimo trocar a nossa dignidade e a nossa história por patacos. Como se a história de um outro país qualquer fosse argumento para deitarmos fora a nossa. Disseram os anteriores governantes na altura que não seria por não ser feriado que se deixaria de comemorar as datas importantes. A ausência das cerimónias de quinta-feira deixou claro que não era verdade..Não há maior dever de um representante do povo do que o de preservar a nossa herança como povo. Muitos dos problemas que enfrentamos enquanto comunidade prendem-se, aliás, com a falta de memória e do que ela significa para manter um povo unido nos seus desígnios. Numa época em que tantos dos valores que reputamos de essenciais estão a ser postos em causa e esquecidos, o Estado e quem o representa têm o papel fundamental na sua preservação. Há que investir na memória, na recordação do que nos une e não do que nos divide, no que nos fez manter juntos, no que é importante para o nosso destino comum. O PSD tem um papel nesse aspeto vital e, muito simplesmente, ignorou-o..Pode concordar-se ou não com a anterior governação, achar-se ou não que a oposição que o PSD está a fazer é competente e séria, que o abandono da social-democracia faz sentido ou não. O que não se pode admitir é o esquecimento de valores básicos, é o desprezo por datas formadoras da nossa personalidade como povo. Pôr uma bandeirinha ao peito não faz de ninguém patriota, muito pelo contrário, pelos vistos..O que os dirigentes do PSD fizeram ao não estar presentes nas comemorações do 1.º de Dezembro foi preferir fazer uma birrinha politiqueira a respeitar o passado do seu país, a memória de um povo, do seu povo. Não consigo imaginar maior falta de sentido de Estado, maior falta de patriotismo, maior ausência de conhecimento sobre valores fundamentais, maior ignorância sobre o que une uma comunidade e o que lhe dá sentido. Uma mancha vergonhosa na história do partido.