A Colômbia é uma exceção, com dois séculos de democracia, tantos como os de nação independente, na América Latina?Fernando Cepeda: Sim. A Colômbia é um país muito diferente dos restantes da América Latina. Em muitos aspetos, desde a continuidade da democracia até à sua tradição jurídica, à sua tradição civilista, à sua tradição eleitoral, etc. Há diferenças muito notórias e isso é importante de reafirmar..Essas características da Colômbia foram importantes para algo tão recente como o processo de paz com as FARC?F.C.: Claro. Um observador externo pode ficar surpreendido que as próprias guerrilhas acabem por aceitar as ordens do poder judicial. As FARC, no final do processo, simplesmente disseram aceitar o que dizia a Constituição. É incrível. Isto quando se supunha que a sua rebeldia era contra o sistema..Considera que este processo de paz do governo do presidente Juan Manuel Santos e agora continuado com o presidente Ivan Duque com as FARC foi possível porque a ação militar do Estado enfraqueceu primeiro a guerrilha?Andrés Molano: Sem dúvida, mas não apenas por isso a que chama de "ação militar". Houve um grande consenso nacional em volta da necessidade de enfrentar de maneira decisiva a ameaça que faziam à sociedade várias organizações armadas ilegais: as autodefesas ilegais, em primeiro lugar, e depois as FARC. O que houve foi uma resposta do Estado mas com o apoio do conjunto da sociedade e isso alterou a lógica do confronto armado e criou as condições para que Santos pudesse negociar com a guerrilha em Havana e chegasse ao acordo final..O combate ao narcotráfico também foi uma consequência paralela dessas negociações ou é tudo parte do mesmo pacote? A.M.: O narcotráfico tem um papel muito importante no agravamento da problemática da segurança na Colômbia. Primeiro como narcoterrorismo dos cartéis da droga e depois devido à relação cada vez mais intensa entre o narcotráfico e as organizações armadas de carácter guerrilheiro, como as próprias FARC. Nessa medida, o combate ao narcotráfico é parte da equação na busca de melhores condições de segurança no país e, por isso, para o acordo com as FARC ser sustentável é necessário reforçar a luta contra o narcotráfico depois do crescimento que as plantações ilegais tiveram nos últimos anos..O processo de paz é irreversível? F.C.: Em geral, o processo em si é irreversível. Mas as características legais do processo, os instrumentos legais que se adaptaram tanto a nível constitucional como administrativo, em alguns casos são reversíveis. Porque de outra forma, o consenso que foi quebrado no acordo continuaria a marcar diferenças profundas na opinião pública colombiana, que torna muito difícil a tarefa de governar..Mas quando se fala de algumas coisas que podem mudar, significa originalidade da parte do governo? Falaram por exemplo de apoios a guerrilheiros que se prolongaram no tempo. Então o Estado tem de ser flexível para manter a dinâmica de paz? A.M.: A maior parte dos processos de paz, de desmobilização e desarmamento, arrancam de uma maneira e vão evoluindo de forma a enfrentar os desafios próprios da implementação. Nesse sentido pode haver ajustes e modificações derivados das necessidades de implementação e também das condições políticas e sociais nas quais se baseia a implementação, que no caso do acordo com as FARC é de longo prazo devido à complexidade do que foi acordado e da magnitude dos compromissos que foram assumidos em virtude desse acordo..Não o preocupa as dissidências das FARC que ameaçam com um regresso à luta? A.M.: O que é muito interessante neste processo é que atualmente há 13 mil ex-combatentes das FARC em processo de reintegração económica, política e social. Os grupos que não se juntaram ao processo são minoritários, os que abandonaram também..Estamos a falar de centenas de milhares? A.M.: Algumas centenas, não muito mais. O esforço tem-se centrado em dar resposta ao compromisso que quem está dentro do processo e por isso o governo prolongou algumas das suas obrigações no tempo. E há um dado: 78% dos ex-combatentes que estão em reintegração estão otimistas em relação ao futuro do processo e isso é importante..O regime de Nicolas Maduro na Venezuela influencia o processo de paz na Colômbia? F.C.: A Venezuela foi decisiva para que o acordo se pudesse realizar, decisiva para que as conversações se pudessem iniciar, decisiva durante as conversações. Ou seja, desempenhou um papel positivo durante as negociações. Depois de assinado o acordo, porém, produziu-se uma confrontação como nunca antes houve entre a Colômbia e a Venezuela, que complica muito as relações colombiano-venezuelanas em todas as áreas..Da Venezuela, da sua situação difícil, vêm outros problemas, como a chegada de migrantes e a ausência de um parceiro comercial que seria óbvio. Mas a economia colombiana continua a crescer a bom ritmo, a uma média de 4% nos últimos dezanos. Até que ponto é que a Colômbia pode continuar a desenvolver-se, mesmo com toda esta instabilidade no vizinho? A.M.: Esse é o maior desafio que a Colômbia enfrenta. A situação na Venezuela afeta a segurança na Colômbia, por exemplo na medida em que hoje o ELN é uma organização terrorista vinculada com o crime organizado e que opera transnacionalmente em território venezuelano e colombiano. A situação na Venezuela tem repercussões na Colômbia pelo fluxo migratório, que é um dos mais graves do mundo e num país que não está em situação de guerra. A Colômbia recebeu 1,6 milhões de migrantes vindos da Venezuela e o número pode duplicar nos próximos tempos, e isso implica um esforço enorme, não só do Estado colombiano mas também da sociedade e das comunidades recetoras, que até agora acolheram de maneira solidária a migração da Venezuela..A proximidade cultural, linguística e laços históricos facilitam... A.M.: Tem facilitado até agora e também porque há migrantes que têm laços familiares com a Colômbia. Mas é preciso perceber que o esforço que o país está a fazer para acolher humanitariamente a migração vinda da Venezuela não tem precedente na América Latina..Não se conseguem imaginar as consequências a longo prazo? A.M.: As consequências são, para já, orçamentais, devido aos recursos que o governo nacional vai destinar, e também os governos locais, para acudir a população migrante. É também uma oportunidade porque a migração traz uma renovação demográfica grande para o país, porque os migrantes podem ter uma vocação empreendedora e juntar-se ao empreendedorismo colombiano para dinamizar ainda mais a economia, mas isso supõe um desafio em matéria de incorporação económica e social..A Colômbia conta com o aliado Estados Unidos para qualquer crise mais grave que possa haver com a Venezuela? A.M.: A abordagem da Colômbia ao tema da Venezuela foi sempre muito multilateral. Inclui não só os Estados Unidos, mas também um conjunto muito amplo de Estados latino-americanos, o chamado Grupo de Lima, e a Colômbia tem privilegiado, até agora, a resposta multilateral em defesa do regime democrático interamericano. Assim, não se trata de uma resposta solitária da Colômbia, porque a Colômbia, que é o país mais afetado pela crise na Venezuela, tem procurado apoiar regionalmente os esforços dos venezuelanos para recuperar a sua democracia..Hoje em dia não há relações entre o regime de Maduro e a Colômbia? F.C.: Nenhum tipo de relação, o que é deplorável e que dificulta a forma como se lida com uma situação que é muito perigosa para ambos os países. Nunca a Colômbia teve uma ameaça tão grande à sua segurança como a que vem hoje da Venezuela..Como é que pode concretizar isso? F.C.: Os grupos de dissidência das FARC ou o ELN, estão protegidos na Venezuela e não se lhes pode fazer nada. O maior tráfico de droga faz-se via Venezuela. Há uma cumplicidade da Venezuela com os maiores fatores de desestabilização na Colômbia..O reconhecimento de Juan Guaidó pelo Grupo de Lima como presidente venezuelano, também por Estados Unidos e União Europeia, foi precipitado? F.C.: Foi uma estratégia para tentar que o regime democrático possa voltar à Venezuela. Mas não é claro que a estratégia seja eficaz..Qual é a importância de Cuba na manutenção do regime de Maduro? F.C.: Máxima! A Venezuela dificilmente sobreviveria aos problemas que tem sem a participação cubana, que vai muito além de uma influência normal. Cuba é essencial à segurança da Venezuela, Cuba é essencial à subsistência do governo de Maduro, Cuba é essencial para debilitar os movimentos de oposição. E a Venezuela é importantíssima para Cuba. A sobrevivência de Cuba está ligada à sobrevivência do regime bolivariano..Estamos a falar sobretudo do petróleo? F.C.: Não só. É uma aliança vital e estratégica tanto para Cuba como para a Venezuela..Nas últimas semanas vários movimentos sociais eclodiram na América Latina, alguns com a mudança do regime, como na Bolívia, outros de forma surpreendente no Chile, a abalar o governo. Também há protestos na rua na Colômbia. O que se passa na Colômbia é parte de um fenómeno geral ou tem uma explicação própria? A.M.: A expressão pode ser semelhante, no sentido em que se trata de mobilizações de cidadãos de importante envergadura, protagonizadas sobretudo por jovens urbanos. Mas os detonadores, a causa originária, as agendas, variam de país para país. E há algo em comum e que é fundamental para entender politicamente: é que estão vinculadas a um certo clima emocional que tem incerteza, expectativa, frustração e, inclusive, esperança também frente a grandes perguntas que estão a ser postas pelas sociedades latino-americanas hoje em dia. Mas seria um erro grande considerar que todas estas mobilizações são idênticas ou obedecem ao mesmo fator ou têm as mesmas aspirações..Estas frustrações na Colômbia, como se explicam quando a democracia está estável, quando há um processo de paz que traz esperança e quando a economia vai tão bem? F.C: Eu digo que o consenso político foi rompido pelo desacordo a respeito do conteúdo do processo de paz. Não sobre o tema da paz, mas sobre o conteúdo do acordo. Esse consenso rompido gera um mal-estar que penetra em todos os temas e aí há motivações e incentivos para protestar e mostrar desagrado e descontentamento. Há um desencanto e esse desencanto mostra também não só as consequências da ruptura do consenso político mas também a crise da representatividade política. Que não é só um tema da Colômbia, é um tema do mundo..Quando olha para os jovens da Colômbia, jovens que não pertencem às classes abastadas: eles têm um horizonte de futuro nesta Colômbia com este crescimento económico, com este processo de paz? A.M.: Os horizontes de futuro aumentaram nos últimos anos para muitas camadas da população. Mas a pergunta que hoje têm as sociedades, e não só a colombiana, é se esses horizontes são sustentáveis. E os jovens têm perguntas e expectativas e parte do que estão a exigir à sociedade e ao governo são respostas e estratégias para que o que se conseguiu conquistar até agora não se perca e que se lhe possa dar uma projeção de futuro, que é o futuro não só dos jovens mas da economia que tem vindo a crescer e da funcionalidade das instituições, que na Colômbia têm uma longa tradição democrática.