A memória é turva quando chega a hora de recordar o momento exato em que terá decidido ser professora. "Muito cedo", tem a certeza. Cristina Simões, 46 anos, natural de Tondela, cresceu rodeada dos irmãos mais novos, primos e "filhos de alguns vizinhos, cujos pais tinham de passar o dia na agricultura", tendo tomado conta de todos eles. O que para a maioria seria visto como um fardo, para ela era o fervilhar de uma missão de vida que brotou era ela ainda uma aluna da escola primária, altura em percebeu que a Educação Especial deveria ser o seu caminho. Cristina estava disposta a marcar a diferença na vida dos mais desprotegidos, através da sala de aula, e isso valeu-lhe agora um lugar entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize, um prémio internacional que define o melhor professor do ano a nível mundial. É o único nome português na lista para aquele que é conhecido como o Nobel da Educação.."Quando tento fazer um regresso à minha infância e perceber o porquê, lembro-me de que na minha turma do 1.º ciclo tinha uma colega com dificuldades intelectuais. Na altura, era tratada de uma forma diferente. Era muito grande, completamente desfasada da nossa idade e isso era motivo suficiente para ser ridicularizada por todos naqueles tempos. Lembro-me de ela usar umas orelhas de burro e toda a gente andar atrás dela enquanto eu tentava defendê-la", conta ao DN. Uma experiência que definiria a carreira de quase 30 anos desta professora que adota na sua sala de aula um método inovador para todos os alunos que dependem da Educação Especial. "Tive o privilégio de ter na minha sala de aula alguém com deficiência", não hesita em dizer..A escala da qualidade de vida.Para se fazer a diferença na Educação Especial não há outra forma senão "estar de corpo e alma", com "constante dedicação aos alunos e às suas famílias, e ainda aos outros professores (do ensino regular) que lidam com eles". "Estou em crer que a grande maioria dos meus colegas estão neste grupo de recrutamento porque têm um grande sentido de missão", diz Cristina Simões, em entrevista ao DN. Na sala desta professora, a missão passa por trabalhar o aluno como um cidadão completo e o mais autónomo possível, mas sempre em pé de igualdade com todos os outros..Para isso, Cristina faz-se guiar por uma "prática inovadora": aquilo a que chama "escala da qualidade de vida". Durante anos, dedicou-se a adaptar uma escala inglesa sobre a qualidade de vida para adultos com deficiência ao contexto português. "Esta primeira escala já foi estudada e validade", mas agora trabalha sobre a mesma escala a nível da juventude. O que é que esta escala traz à educação no país? "Permite que as escolas não olhem o aluno num só aspeto, mas como ser multifacetado e que tem vários aspetos da vida que se influenciam de forma recíproca", explica. Ou seja, contraria o trabalho tradicional das escolas, presas a "um paradigma de assistencialismo, de proteção", olhando estes alunos como diferentes. "Sei bem que isto acontece sem maldade nenhuma, mas acontece", desabafa..A primeira ideia que tem de sair do seu trabalho, diz, "é a de que estes alunos são pessoas como nós, que devem ter direito a um direito quando crescerem, casarem, se quiserem, constituir família". Todos os jovens que se cruzam com a professora Cristina podem contar em "ir a várias disciplinas e participar nas mesmas aprendizagens essenciais dos colegas da turma", embora com um apoio diferente, através da construção de materiais diferenciados. "Se falarmos de rochas", por exemplo - um conteúdo da disciplina de Ciências do 5.º ano -, "não faria sentido mandar pintar um desenho quando na realidade aqueles alunos podem perceber o que são rochas, se as casas são feitas de rochas, saber de que cor são e quanto pesam", diz. "Os alunos não estão só na sala de aula por estarem, estão lá para aprender, dentro das suas potencialidades.".A professora Cristina quer provar que "é possível qualquer ser humano aprender, ao seu ritmo". Um trabalho que não se esgota na sala de aula: quando o toque de saída soa na escola, é hora de "envolvê-los na comunidade", "ensiná-los a cozinhar, reciclar, costurar, guardar alimentos no frigorífico" ou, por outro lado, acompanhá-los ao supermercado e aos Correios. Mais do que dar-lhes uma base de conhecimentos científicos sólida, "temos de os preparar para o futuro", remata..O vencedor é conhecido a 12 de outubro.Cristina Simões foi selecionada entre mais de 12 mil indicações e inscrições de 140 países. Mas não é a primeira vez que a abordagem de aprendizagem desta professora dá nas vistas..Cristina Simões já venceu a 1.ª edição do Prémio de Investigação Científica Dr.ª Maria Lutegarda, com o projeto A Qualidade de Vida de Crianças e Jovens com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental: Contributo para a Educação Inclusiva. Uma distinção que conta com o alto patrocínio da Presidência da República. Um trabalho que também já lhe tinha valido um lugar entre os finalistas da edição portuguesa do Global Teacher Prize, em 2018..Concorre agora num palco maior, que partilha com professores representantes de 37 nações. Dão rosto a pequenas vilas no mundo ou a grandes metrópoles, defendem uma educação inclusiva e diferenciadora, inspirando alunos e comunidades inteiras. O professor ou professora vencedor será conhecido no dia 12 de outubro de 2020, numa cerimónia com lugar no Museu de História Natural, em Londres. O premiado receberá um milhão de dólares, para continua a fazer a diferença na comunidade educativa.