No Alentejo há um morto e na vizinha Extremadura há 460 óbitos. O que une e separa as duas regiões?

As características demográficas aproximam o Alentejo com a vizinha Estremadura espanhola, mas as duas regiões vivem realidades diferentes em relação à incidência do novo coronavírus.
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São só precisos cerca de 10 minutos de carro para percorrer os 16 quilómetros de distância entre o concelho de Elvas (com 23 mil habitantes), no Alentejo, e a cidade de Badajoz (os registos mais recentes de 2016 apontavam para cerca de 150 mil habitantes), na Estremadura espanhola. Uma proximidade apontada pelo El Mundo na análise que faz às duas regiões, que, embora tenham características demográficas semelhantes, apresentam realidades bem diferentes em relação à pandemia de covid-19. O Alentejo regista uma morte e na Estremadura verificam-se 460 vítimas mortais devido ao novo coronavírus.

Diz o jornal espanhol que, na teoria, a Estremadura estaria mais preparada para responder ao surto do novo coronavírus. Afinal, tem 13 hospitais contra os cinco situados no Alentejo e 130 centros de saúde, sendo que existe um número significativo de médicos desta região que trabalha do lado de cá da fronteira, faz notar o diário. É recordado, também, que até 2012, as mulheres que residiam no Alentejo podiam recorrer ao Hospital Materno-Infantil de Badajoz.

O Alentejo é o território da Península Ibérica mais parecido com a Estremadura, "tanto nas paisagens agrárias", como nas fracas estruturas urbanas, refere o professor de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade da Extremadura, Julián Mora Aliseda. O "sistema territorial" não explica, no entanto, o comportamento do novo coronavírus, refere Mora Aliseda ao El Mundo.

As duas regiões também se aproximam pela caracterização demográfica, sendo que o envelhecimento da população é um dos denominadores comuns. O Alentejo tem 31 551 quilómetros quadrados e 759 mil habitantes enquanto a Estremadura é um território com 41 634 quilómetros quadrados e 1.063.000 habitantes.

Mas há mais indicadores que unem estas duas regiões que partilham os rios Tejo e Guadiana.

Em relação à dispersão geográfica, o Alentejo tem 24 habitantes por quilómetro quadrado e na Estremadura o número situa-se nos 25,5 habitantes, detalha o jornal na comparação que faz aos dois territórios, que mantêm uma "estreita colaboração a nível económico, social, cultural, universitária" e até ao nível da saúde.

Tantas semelhanças entre duas regiões, mas com realidades bem distintas quanto à incidência do novo coronavírus. Do outro lado da fronteira, há quase 3 mil casos de infeção enquanto o Alentejo regista 218 pessoas diagnosticadas com covid-19.

O isolamento no Alentejo ajudou

A decisão do Governo português de fechar escolas, serviços e de decretar o estado de emergência, quando ainda o país não tinha registado nenhuma morte, é a explicação para diferença que existe nos números da pandemia, registados no Alentejo e na Estremadura, considera o presidente da Câmara Municipal de Elvas, Nuno Mocinha.

Ouvido pelo jornal espanhol, o autarca, eleito pelo PS, destaca o sucesso das medidas de confinamento para "quebrar a cadeia de transmissão do vírus". "A população não só aceitou como cumpriu escrupulosamente".

Nuno Mocinha fala ainda na dispersão geográfica, que "é muito grande" na região e que no contexto de pandemia tornou-se numa vantagem.

O isolamento foi, aliás, apontado por Nuno Sousa, presidente da faculdade de Medicina da Universidade do Minho, como uma das causas para justificar a razão pela qual o Alentejo é a região de Portugal continental com menos casos de covid-19.

"Na origem disto, acho que há três fatores: o isolamento social, a baixa densidade populacional e a menor mobilidade. É uma região do país onde a pirâmide etária é composta por pessoas mais idosas, há menos mobilidade e contacto social e de facto as cadeias de transmissão não tiveram um impacto tão grande", explicou Nuno Sousa ao DN.

O presidente da câmara de Elvas indicou ainda que Moura representa a maior incidência do novo vírus no Alentejo, com 54 pessoas infetadas. Portalegre, Elvas e Reguengos de Monsaraz reportaram cinco casos cada um. Perante este cenário, os serviços das unidades de saúde não ficaram sobrecarregados. "Só um doente na zona de Elvas necessitou de cuidados intensivos, tendo sido transferido para Portalegre, referiu o autarca alentejano.

Nuno Mocinha considera que em Espanha existiu um sentimento de "descontrolo" perante a pandemia que em Portugal não existiu, sobretudo em relação à população idosa.

"Aqui, os profissionais de saúde trabalharam durante uma semana e depois na outra seguinte ficavam em casa. E faziam o teste antes de voltar para o hospital", destaca ainda o autarca português.

"Os portugueses anteciparam-se ao problema"

A antecipação foi a chave para que não existisse um aumento exponencial de casos e de mortes em Portugal, como aconteceu em outros países da Europa, diz Alexandre Castanho, professor universitário de Planeamento Estratégico. "Os portugueses anteciparam-se ao problema ao ver o que estava a acontecer em Espanha e em Itália, aprenderam com o que tinha acontecido [nos outros países] porque sabiam que mais tarde ou mais cedo o novo vírus iria chegar ao país e colocaram em prática medidas de urgência que mostraram-se efetivas, como o encerramento das fronteiras", disse.

O especialista considera que, em Portugal, "não existiu aquela sensação de falta de proteção nos profissionais de saúde, como aconteceu em Espanha".

O presidente da câmara de Badajoz reconhece que neste lado da fronteira, as autoridades conseguiram responder com mais eficácia ao surto do novo coronavírus. "O que está demonstrado é que este não é um problema de ideologia, mas sim de gestão, e eles fizeram isso infinitamente melhor que nós", disse Francisco Javier Fragoso, eleito pelo PP.

A pandemia de covid-19 já fez 25 428 mortes em Espanha, país que, tal como Portugal, inicia esta segunda-feira a abertura parcial do pequeno comércio. De acordo com o Ministério da Saúde espanhol, há 356 novos casos positivos, elevando para 218.011 o total de infetados.

Em Portugal, nas últimas 24 horas, morreram mais 20 pessoas (um aumento de 1,9% em relação a ontem) e foram confirmados mais 242 casos de covid-19 (mais 0,96%). Segundo o boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS), desta segunda-feira (2 de maio), há agora no país 25524 infetados, 1712 recuperados e 1063 vítimas mortais.

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