O futebol não é só golos e troféus, também é lesões, recaídas, frustrações e até desilusão. Que o diga Nélson Agra, que esteve 539 longos dias (ano e meio) afastado dos relvados devido a uma hérnia discal. Um problema cada vez mais comum entre a comunidade desportiva, mas que no caso dele demorou a ser resolvido, por entre recaídas, o medo de voltar a ser operado e os problemas com o seguro. O jogador do Varzim chegou a pensar que não voltaria a calçar as chuteiras e a pisar um relvado..Nélson sabe os dias de cor. "Quem esqueceria este mais de ano e meio sem jogar futebol?", questiona como quem espera aprovação. Começou por sentir "um desconforto muito grande" durante um treino, mas, longe de pensar que era um problema sério, desvalorizou, sempre tinha tido problemas na coluna e dores nas costas. Como a situação persistia falou com o médico. Reduziu a carga nos treinos, mas o desconforto evoluiu para uma situação de dor. Tanto que deixou de poder treinar normalmente. Parou durante duas semanas e não sentiu melhoras. À terceira semana foi a um especialista. Depois a outro e mais outro... Durante três meses andou de especialista em especialista, na esperança de ouvir que "era possível evitar a operação". Mas não era....A dura realidade tomou então conta dos pensamentos do jogador do Varzim quando recebeu o diagnóstico: uma hérnia discal a necessitar de operação. "Encarei a operação da melhor forma porque pensei que era a solução para o meu problema, pensei que ia ficar bem", confessou ao DN, recordando que na mesma altura também William Carvalho (Bétis) foi operado a um problema idêntico. Depois de tentar o tratamento conservador, ainda fez duas infiltrações na esperança de reverter o cenário cirúrgico, mas acabou por ser operado no dia 15 de novembro de 2019, no Hospital de Santa Maria, no Porto, pelo ortopedista Pedro Varandas..Foi uma cirurgia invasiva. A cicatriz nem dá para contar a história e medir o nível de sofrimento. A recuperação começou bem, mas passado algum tempo teve uma recaída. Tinha sido operado ao lado direito e começou a ter dores no lado esquerdo: "Voltei ao início do processo, às consultas com os especialistas, repeti os exames, mas desta vez não acusaram nada. Os médicos disseram que podia ser uma dor reflexiva.".Nesta fase colocou o "futebol um bocado de parte" e só pensava "em ficar bem". Queria mesmo era recuperar, depois pensava no futebol. "Quer dizer... cheguei a pensar o pior. Houve dias em que pensei que nunca mais voltava a pisar um relvado quanto mais jogar e fazer 90 minutos", confessou ao DN..Durante meses o estado natural de Nélson era "um misto de angústia, frustração e dor física e mental". Até ficar sentado sem fazer nada lhe causava dor. Sem poder fazer nada para ocupar o tempo além dos tratamentos e do descanso sagrado para uma boa recuperação, os pensamentos fugiram-lhe muitas vezes. "Comecei a pensar o que seria de mim se tivesse de acabar a carreira, mesmo a jogar e sem ter problemas eu já pensava em ficar ligado ao futebol no pós-carreira, por isso era muito difícil para mim pensar num futuro sem futebol", confessou, revelando que já começou a tirar o curso de treinador..Durante muitos e longos meses o relvado deu lugar à piscina, ao ginásio, ao jardim ou à sala de casa. Só depois começou a treinar com bola. Quando regressou aos treinos o futebol parou por causa da pandemia e Nélson viu a evolução física sofrer um baque. Ele pensou que ia ser bom, porque ia recuperar tempo face aos colegas, mas não. Ele estava numa fase em que "precisava do treino com chuteiras e relvado e por vezes nem tratamento conseguia fazer devido às restrições colocadas pela covid-19"..Quando o governo permitiu o treino individual ao ar livre ele voltou ao treino específico na Prime Neo Performance & Rehab, em Braga, com o preparador Rui Filipe, com o objetivo de fazer reeducação muscular e promover a integração estrutural de uma forma mais equilibrada..Tal como o futebol, voltou em junho. Sentiu-se bem, mas o regresso ao jogo ainda era pura ilusão: "Quando comecei a levar mais carga nos treinos, voltei a ter uma recaída, mas dessa vez recuperei depressa e passado um mês voltei a jogar.".Entretanto já tinham passado 539 dias desde o último encontro, por sinal, na última jornada da época 2018-19. Nélson Agra voltou a jogar no dia 7 de novembro de 2020, frente ao Académico de Viseu: "Foi um dia de muita ansiedade. As sensações foram boas, senti-me bem fisicamente. Foi um alívio quando o médico disse ao treinador que eu estava apto clinicamente e depois quando o treinador me disse que me ia chamar. Nem quero pensar que podia não voltar a fazer aquilo que mais gosto, que é jogar futebol.".Foi titular e jogou os 90 minutos. Os primeiros minutos "foram de receio", pois "não sabia como o corpo ia reagir". Afinal só tinha feito 45 minutos na pré-época durante mais de ano e meio. Desde então que se "sente bem" e agradece à família, à namorada, aos amigos, aos médicos e ao clube. Todos foram essenciais na recuperação, cada um à sua maneira, claro. Olhando para trás admite que houve muitos momentos em que estava só ele e os seus pensamentos e que tentava não pensar muito na lesão e ocupar-se com outros assuntos, mas "não era fácil"..E, pior, havia outras preocupações e problemas com que lidar. "O seguro recusou o caso, não pagou nada e muito dinheiro tive de pagar do meu bolso durante ano e meio de tratamentos e recuperação", denunciou o jogador, explicando que pensou estar protegido pelo contrato de seguro coletivo que os atletas assinam no início da época com a Liga Portugal. Mas não: "O seguro alegou que era uma lesão de desgaste do dia a dia e não uma consequência da minha profissão, ignorando que o meu dia-a-dia era jogar futebol. E, pior, não tinha como provar que a lesão tinha sido provocada pelos treinos e jogos.".O DN contactou a Liga Portugal e o Sindicato de Jogadores para esclarecer se este tipo de lesão faz ou não parte do contrato de seguro que os jogadores e os clubes assinam no início da época, mas ambos se furtaram a dar explicações..Nélson ficou a depender dele próprio e do clube, que lhe continuou a pagar o ordenado religiosamente: "O Varzim não falhou com nada. Manteve o contrato e pagou-me o ordenado durante os 539 dias que não pôde contar comigo. Se fosse outro clube se calhar fugia ao compromisso... Só posso agradecer.".Mesmo assim ele ainda teve de contar com a ajuda financeira dos pais durante os tratamentos. "Foi estranho, uma sensação de impotência, seres jogador profissional e não ganhares o suficiente para uma emergência. Se ficou alguma coisa desta experiência foi que há coisas mais importantes que o futebol: a saúde e a família.".Agora sente-se "razoavelmente bem". Tem 30 anos, mas está em final de contrato e "livre para aceitar propostas". Ele só espera que os "interessados olhem para o desempenho em campo e não para o recente historial clínico"..Os atletas apresentam um risco mais elevado de sofrer uma lesão de um disco como consequência direta da sua atividade física. Desportos como o futebol exercem muita pressão sobre a coluna, exigindo absorção dos impactos, torções e outros movimentos violentos. Embora toda a coluna seja utilizada durante a prática de um desporto, estima-se que 5% a 10% das lesões se localizem na região lombar..William Carvalho (Bétis), Diego Costa (sem clube), Buffon (Juventus), Higuaín (Inter Miami), D"Alessandro (Nacional Uruguai) são alguns dos jogadores de futebol ainda no ativo que já superaram problemas no disco. Os tempos de recuperação diferem de caso para caso. No caso de William, passados três meses estava de novo a jogar.