A polémica lançada há dois meses por uma resolução do Parlamento Europeu (PE) que equiparou o nazismo e o comunismo vai chegar nesta sexta-feira à Assembleia da República. De um lado da barricada estarão o CDS, a Iniciativa Liberal e o Chega, que apresentam três votos a saudar o documento aprovado pelos eurodeputados, do outro lado está o PCP, que não poupa nas palavras de condenação ao documento de Bruxelas. No meio, o PS avança também com uma proposta que condena os "regimes totalitários" do século XX, sem nunca referir o comunismo. Os cinco textos (que representam uma tomada de posição política, sem mais consequências) vão a votação ao final da manhã de hoje..A Iniciativa Liberal, um dos partidos recém-eleitos para a Assembleia da República, foi o primeiro a apresentar uma proposta sobre este tema - naquele que é também o primeiro voto que o deputado único João Cotrim Figueiredo apresenta nesta legislatura - na forma de uma saudação ao Parlamento Europeu, por reafirmar a "condenação dos crimes dos regimes fascista e comunista como forma de resistência contra todas as formas de extremismo coletivista que ameaçam a democracia liberal"..Seguiu-se o voto de congratulação do CDS, que se associa ao texto aprovado pelos eurodeputados, reiterando a "condenação de todos os regimes totalitários, desde logo os de inspiração fascista, nazi e comunista" e manifestando "o seu mais profundo respeito por todas as suas vítimas"..Já o Chega, de André Ventura, diz que a resolução do PE apenas peca por "tardia", e que vem "repor a mais elementar justiça histórica", chamando a "atenção sobre os riscos que a multiplicação de partidos e movimentos de matriz neocomunista comporta para a Democracia e para o Estado de Direito um pouco por todo o mundo mas, também e sobretudo, em Portugal"..À esquerda, o voto do PCP é de "condenação e protesto" contra uma resolução "anticomunista e de falsificação histórica" que "só pode merecer a preocupação e indignação dos democratas". Para o PCP, que repete as duras críticas que os comunistas dirigiram, logo em setembro, ao documento, esta iniciativa do PE "pretende generalizar a repressão dos comunistas e de outros democratas, como já acontece em países da União Europeia, onde a par da reabilitação do fascismo e da glorificação dos seus colaboradores, do fomento da xenofobia e do racismo e da promoção de forças de extrema-direita e fascistas se interditam partidos comunistas e se perseguem antifascistas"..O PS, por seu lado, prefere destacar a importância de políticas de preservação da memória, tentando um meio caminho entre as posições anteriores. "Ao tentar um consenso alargado, num texto curto, em torno da condenação de todos os atos de agressão, da prática de crimes contra a humanidade e de violações de direitos humanos perpetrados por regimes totalitários ao longo do século XX, a resolução não conseguiu evitar alguma simplificação perante um tema de enorme complexidade e sensibilidade", diz o texto socialista. Da resolução aprovada em Bruxelas, o PS cita a "preocupação com a crescente aceitação de ideologias radicais e o retorno ao fascismo, ao racismo, à xenofobia e a outras formas de intolerância na União Europeia". E reafirma a "condenação de todos os regimes totalitários e a importância da valorização da memória para o futuro da Europa", sem nenhuma referência específica ao comunismo..O que diz a resolução aprovada pelo Parlamento Europeu?.Para retomar a origem desta polémica é preciso recuar ao dia 19 de setembro. Nessa data, com 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a "Importância da memória europeia para o futuro da Europa". Se o título não parece dar muita margem para discordância, o mesmo não se pode dizer do texto, que reabriu uma velha dissensão entre a esquerda e a direita em torno da história do século XX.."Os regimes nazi e comunista são responsáveis por massacres, pelo genocídio, por deportações, pela perda de vidas humanas e pela privação da liberdade no século XX numa escala nunca vista na história da humanidade", diz a resolução aprovada pelos eurodeputados, defendendo que "a evocação das vítimas dos regimes totalitários, bem como o reconhecimento e a tomada de consciência do legado europeu de crimes cometidos por regimes comunistas, pelos nazis e por outras ditaduras são de importância crucial para a unidade da Europa e dos seus povos", assim como "para a construção de uma Europa capaz de resistir às ameaças externas modernas"..A resolução acaba a condenar "veementemente os atos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações em massa dos direitos humanos perpetrados pelos regimes nazi e comunista e por outros regimes totalitários"..O texto foi aprovado pelos eurodeputados portugueses do PS, PSD, CDS e PAN. PCP e Bloco de Esquerda votaram contra. O grupo parlamentar da Esquerda Unitária (a que pertencem os dois partidos) emitiu, aliás, um comunicado condenando "fortemente as tentativas de usar o 80.º aniversário do início da Segunda Guerra Mundial como desculpa para disputas políticas fúteis e revisionismo histórico". .Logo no mesmo dia, o PCP emitiu também um comunicado com duríssimas críticas à iniciativa aprovada pelo PE - uma "grave e abjeta resolução que constitui mais uma deplorável peça na estratégia de revisionismo histórico promovida pela União Europeia". "O texto promove as mais reacionárias conceções e falsificações da história contemporânea, numa deplorável tentativa de equiparar fascismo e comunismo, minimizando e justificando os crimes do nazifascismo", acusam os comunistas, defendendo que o objetivo passa por ocultar as "coniventes responsabilidades das grandes potências capitalistas - como o Reino Unido ou a França -, que abriram caminho ao início da Segunda Guerra Mundial na esperança de empurrar as hordas nazis contra a URSS, como efetivamente veio a verificar-se".."A resolução adotada não só apaga o conluio dos grandes monopólios alemães com Hitler, como procura apagar o contributo decisivo dos comunistas e da União Soviética para a derrota do nazifascismo e para a libertação dos povos do jugo colonial após a Segunda Guerra Mundial", argumenta ainda o PCP, que defende que a resolução pretende "abrir caminho para intensificar e generalizar a perseguição e proibição de partidos comunistas"..O Partido Comunista da Grécia (KKE) reagiu em termos semelhantes: "O Parlamento Europeu mostrou ser o porta-estandarte do anticomunismo, que é a ideologia oficial da União Europeia.".Preocupações e saudações: partidos apresentam 29 votos.Se até agora a Assembleia da República votou apenas questões de organização interna e votos de pesar, nesta sexta-feira as votações já decorrem em pleno e logo com uma lista de 18 páginas para votar. Na esmagadora maioria, trata-se de votos de congratulação ou condenação, que totalizam 29 votos. Além da resolução do Parlamento Europeu, que motiva cinco iniciativas diferentes, a atual situação no Chile dá origem também a cinco votos diferentes, a Bolívia motiva três, enquanto a agressão aos bombeiros voluntários de Borba é matéria para declarações escritas de seis partidos..Uma profusão de votos que já começou a merecer críticas. "Além de um de voto de pesar, amanhã há 27 votos (de saudação, preocupação, condenação...) no guião. A maior parte é redigida para não serem aprovados, limitando-se a criar notícias para os nichos. Isto apenas descredibiliza e banaliza os votos na Assembleia da República", escreveu no Twitter o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro..Na última legislatura, este tornou-se um cenário habitual, mas com a figura dos projetos de resolução (que são também uma tomada de posição política e uma recomendação ao governo, mas sem natureza vinculativa), o que levou o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, a pedir uma reflexão aos partidos no sentido de evitar a multiplicação de textos que se verificava então.