O cinema está em mudança e poucos são os nomes da primeira divisão de Hollywood que podem hoje dizer não estarem atentos ou preocupados com os novos modelos de produção e distribuição digital dos novos filmes. Plataformas de streaming como a Netflix, e outras, vieram alterar as regras do jogo. Um filme que hoje se produza pode logo à partida nunca chegar ao tradicional ecrã de cinema, registando, contudo, milhões de espectadores. Realizadores como Woody Allen tiveram de se socorrer de novas marcas de produção como a Amazon para garantir o dinheiro necessário para os seus filmes. O drama Roma, do premiado realizador Alfonso Cuarón, terá uma breve passagem pelas salas para poder concorrer a prémios de cinema, mas onde vai dar que falar é na Netflix..A mais recente transferência da primeira divisão de Hollywood que passou trabalhar num filme exclusivo para plataformas de streaming é a Sandra Bullock. Ela vem confirmar que a Netflix é uma marca a ter em conta quando se fala no futuro do cinema e do audiovisual e que os novos criadores e atores estão atentos. Em entrevista exclusiva, a atriz já premiada com um Óscar, e que é também produtora bem-sucedida, vê com agrado estes novos modelos de produção e distribuição: "É uma nova realidade. Não vejo tanta diferença no modelo de produção. Este filme foi feito como se tratasse de uma longa-metragem que estava a ser rodada para uma sala de cinema tradicional. No processo de rodagem não pensamos na forma como ele vai chegar ao público. Estamos a falar de valores de produção equiparados aos custos de cinema normal. Acho que os novos meios de ver cinema fazem que as pessoas optem por não sair de casa para ver este tipo de filmes e determinados géneros. É uma grande mudança de paradigma. Sair de casa, na sociedade atual, implica uma certa logística: se tens família, afazeres, um trabalho exigente que te tira tempo etc., nem sempre se tem disponibilidade para ir a uma sala de cinema. Hoje é sempre a correr, há uma grande falta de tempo para se ir ao cinema, que já não é visto como antigamente, como um certo ritual de sociedade..Veja o trailler aqui.A pergunta é obrigatória e todos os que estão envolvidos no processo já a fizeram e tiveram múltiplas e variadas respostas. Mas estas mudanças, e a transição de modelos, não põem em risco o cinema tradicional? Num futuro próximo acho que há lugar para estes dois meios de distribuição coabitarem no universo da produção audiovisual. O cinema tem uma magia própria que uma sala preserva, mas com as tecnologias, as novas formas de ver através de meios aparelhos muito funcionais. Estou a falar de tablets, televisões de grande definição e tamanho... Acho que este novo meio de distribuição digital também ganhou o seu espaço e vai continuara a ganhar mais público. Na verdade, os estúdios têm vindo a deixar de fazer alguns géneros de produções, que as novas plataformas agarram e arriscam mais na maneira de fazê-las chegar ao público..Mas a magia de ver um filme num e noutro meio é diferente! Podemos dizer que não é mesma magia... é uma magia diferente. Há tanto de magia em ver um filme numa sala junto com outras pessoas, como há um certo encanto diferente em assistir a um filme destes em casa, seja na tua TV ou no tablet, numa forma mais emocional e particular. No fundo exprimes os sentimentos e as reações de forma mais pessoal sem público em redor. Podes gritar ou assustares-te como não reagirias se estivesses com outras pessoas numa sala de cinema. Hoje há mais opções porque no essencial o sentimento e a reação ao ver um filme é o mesmo, ou pode ser o mesmo para cada espectador..Com uma longa e bem-sucedida carreira também como produtora, é natural que esteja atenta a estes novos formatos. Está disponível e com vontade de produzir filmes para estas novas plataformas? Eu primeiro sou atriz, isso é o meu trabalho. Mas como produtora, a minha opção principal é sempre fazer os filmes em que acredito. Aí posso dizer que sempre estive preparada para os novos meios de distribuição. Este é o futuro, está-se a filmar muito mais para os canais de streaming num género de filmes que já não se fazia. Um produtor quando investe é para ter resultados e poder fazer aquilo em que realmente acredita, independentemente do género, e este novo meio é mais uma forma de mostrar ao público esse trabalho. Por aí não vejo as coisas como um parente pobre ou alguém que diga "eu não faço filmes para este ou aquele meio". Este é um dos caminhos de futuro. Confesso que não acho também que o cinema tradicional, sempre visto numa sala com público, venha a acabar, mas vale a pena considerar as novas formas de ver..Esta nova produção, Bird Box, é um thriller psicológico com estreia mundial anunciada na plataforma Netflix a 21 de dezembro. No mesmo dia e na mesma altura, o filme estará disponível em todo o mundo digital. É a adaptação de um livro de Josh Malerman, publicado em 2014, uma história de ficção num thriller emocional, retrata um mundo distópico em que a população vive num estranho pesadelo, dominados por uma misteriosa loucura que se apodera dos que veem levando-os ao suicídio. A solução de sobrevivência é andar sempre de olhos vendados. Com a atriz está um grupo de excelentes atores que partilham o ecrã com ela, entre eles um sempre seguro John Malkovich e também Sarah Paulson.. Bullock é a protagonista, desempenho credível de alguém que tenta desesperadamente sobreviver nesse cenário pós-apocalíptico. O medo não se vê e é comandado por uma força misteriosa que incita a uma loucura homicida. A regra para fugir a esse drama é não ver, por isso as personagens andam de olhos vendados. Foi fácil trabalhar assim, dado que uma boa parte do trabalho de um ator é falar com os olhos? Não é fácil no sentido de ser um pouco frustrante não teres o olhar como elemento essencial do teu exercício de representação. Claro que também é difícil não poderes ver, estares com uma venda em grande parte das cenas, mas o trabalho de ator é feito de desafios constantes..Os olhos dizem tudo e na imagem ajudam a segurar os desempenhos certo? Claro. Com os olhos um ator dá credibilidade ao seu desempenho. Eu lembro-me de que nesta rodagem, nas cenas mais difíceis em que eu estava com os olhos vendados, sentia-me mal, era desconfortável no que tinha de fazer e respeitar todas as marcações. Essa tensão também dava intensidade à interpretação. Mas foram três meses duros de rodagem..Como se pode classificar o filme? Não é só um thriller de ficção tradicional. Foi essa particularidade de assustar, mas levar a pensar também que me agradou no argumento e no resultado final do filme. Eu gosto do facto de ter dois filmes num. Tu tens aqui um thriller psicológico de conceito próximo dos filmes popcorn da atualidade que vais ver para te assustares e com choques emocionais fortes nas surpresas ao virar da cena. Mas nesse género mais simples, assustas-te e depois esqueces tudo o que lá se passou. Por outro lado, gosto deste conceito que guarda alguma complexidade na trama, que te suscita questões como o que é uma família, o que é uma mãe e a relação que ela cria com os que lhe são próximos. No fundo questiona o que é a humanidade em tempo de crise. Normalmente os filmes que levantam essas questões são produções mais pequenas para um público mais reduzido, então se consegues combinar todos esses elementos numa viagem intrigante de uma história só, para mim, até como espectadora, é muito excitante..Podemos dizer que há no argumento uma mensagem de esperança? Sim, sim. Nós precisamos de esperança, não uma esperança fake mas uma esperança de gente boa, pessoas que se preocupam em entreajuda. Precisamos cada vez mais disso..É curioso ouvi-la num filme com estas características acabada de sair de uma comédia blockbuster. É das poucas atrizes que conseguem fazer um bom equilíbrio da carreira, tocando sempre variados géneros do drama, ação e comédia... Eu acho que nós atores gostamos de poder fazer de seguida algo muito diferente daquilo que acabamos de fazer. Eu pelo menos sou assim. Se fiz uma comédia, prefiro entrar de seguida num filme mais intenso, um drama. O mesmo acontece quando participo no elenco de um drama ou de um filme com mais ação, aí procuramos logo uma comédia ligeira que nos divirta também. Eu tenho tido muita sorte nesse balanceamento da carreira. Tenho colegas que têm uma etiqueta colada ao drama ou à comédia... nem sempre conseguem descolar. Tenho tido sorte nas escolhas. Quando faço comédia luto depois para arranjar um bom drama para logo a seguir ficar com vontade de regressar à comédia. Talvez seja o que vou fazer de seguida... ainda não sei.. Sandra Bullock demonstra sempre grande inteligência e grande capacidade para a gestão da carreira. Já não fatura os 20 milhões de outros tempos em que era conhecida como "a namoradinha da América" mas também não se queixa: ."Se fizesse os filmes para simplesmente ganhar dinheiro, não teria deitado fora alguns projetos que me teriam dado a ganhar muitos milhões de dólares, tudo grandes produções. Sinceramente, não trabalho por dinheiro. Também gosto de fazer pequenos filmes, projetos independentes, porque ganho muito dinheiro e tenho o suficiente para ter uma vida boa."