Conhecem-se e admiram-se há anos, são fãs do trabalho uns dos outros, mas, "por qualquer razão" que lhes escapa, nunca Carlão nem os Beatbombers tinham trabalhado juntos. A primeira oportunidade surgiu no início do ano, quando o antigo vocalista dos Da Weasel deu voz, em dueto com Marisa Liz (dos Amor Electro), ao single A Noite, de Stereossauro, uma das metades dos Beatbombers, a dupla que mantém há anos com o também dj e produtor DJ Ride - com a qual já se sagraram por duas vezes campeões mundiais de scratch e turntablism, uma das mais virtuosas técnicas de dj.."Essa colaboração correu muito bem, tanto musical como pessoalmente e ficámos com vontade de fazer mais coisas juntos", recorda Carlão ao DN, numa conversa via telemóvel, em que também participaram Stereossauro e DJ Ride. "O Stereossauro mandou-me alguns beats, o Ride juntou-se pouco tempo depois e começámos a fazer coisas à distância"..O lançamento do dito single, no início de fevereiro, coincidiu quase com a chegada da pandemia a Portugal. Poucas semanas depois, o país entrava em estado de emergência, com a população quase toda confinada em casa, tal como os protagonistas desta história, que, com os espetáculos cancelados, aproveitaram o tempo livre para fazer um EP, "sem qualquer expectativas e só mesmo pelo gozo" de trabalharem juntos. ."Passámos a estar em contacto quase todos os dias e a música começou a tomar forma de um modo muito natural", sublinha Carlão. Aliás, como salienta DJ Ride, só se juntaram pela primeira vez "há poucos dias, para as fotos de promoção do disco", todo feito via internet. "Foi um bocado toca e foge, esse encontro. Soube a pouco, falta-nos conviver uns com os outros, porque a música também é isso", desabafa Stereossauro. "Até estávamos de máscara e tudo", lembra Carlão..O trabalho à distância não é novidade para nenhum dos três, em especial para os Beatbombers, habituados a colaborar com produtores do mundo inteiro via internet. "Fizemos uma primeira música e e ficámos com vontade de fazer mais, foi tão simples quanto isso", assim explica Stereossauro o método de trabalho do trio. "Não sentimos aquela pressão de estar a fazer um álbum, em que as músicas têm de ter toda uma coerência. Foi mais naquela do logo se vê", corrobora Carlão. "Nem sequer há um conceito por trás, apenas trocámos algumas ideias e correu tudo muito bem", diz por seu turno DJ Ride..O resultado é um EP de 5 faixas, ainda sem título e com edição prevista para o início de setembro, cujo primeiro cartão-de-visita é Aviões, um tema que começa com a frase "meu mano, não passam aviões em Campolide e de repente Almada ficou tão distante", escolhido como single por ter, segundo Stereossauro, uma letra mais atual. "Era o single mais óbvio, porque fala daquilo que passámos nestes últimos meses, mas depois há uma mais rap e outra assim quase a merecer bolinha vermelha. E apesar de todas terem um comum uma sonoridade mais crua e densa, gosto de pensar neste disco como uma espécie de jam session feita à distância", acrescenta por sua vez DJ Ride..As letras, todas escritas por Carlão, surgiram com base nos beats que a dupla lhe ia enviando. "Escolhi os mais atmosféricos e cinematográficos. Não sendo um disco triste ou muito em baixo, também não é luminoso, tem densidade. São beats que sugerem imagens e eu gosto muito de trabalhar com base nisso", refere o vocalista..Mas a escolha dos beats foi tudo menos inocente, como reconhece Stereossauro: "Houve uma escolha de vários tipos diferentes de música, de momentos mais orquestrais à eletrónica mais densa, mas sempre pensada na voz e no imaginário do Carlão, de quem somos fãs há muito muito tempo. Conhecemos muito bem o seu trabalho, que abrange áreas tão diversas como o rap, o punk ou a spoken word". Carlão sorri com o elogio e aproveita para provocar o amigo: "e por isso é que às vezes troco as voltas ao pessoal". Mas foi precisamente "essa imprevisibilidade de Carlão" que "tornou o processo muito mais desafiante", como assinala, mais uma vez, Stereossauro. "Sabemos que com ele podemos abrir o leque, porque é um artista que de saltar entre muitos quintais e isso torna este tipo de trabalho muito mais emocionante". Entretanto querem voltar a juntar-se de novo, mas desta vez num palco, para mostrar ao vivo todas as músicas, embora, por agora, pouco mais possam fazer, além de "continuar à espera, a ver o que acontece".