"Não há política ambiental sem envolver os cidadãos"

No livro, "Em Portugal: Ambientes de Mudança", Luísa Schmidt reúne 25 anos de artigos publicados no Expresso. É uma visão global que mostra avanços e recuos, e muitas hesitações. Ao DN, a socióloga fala também do futuro
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O seu mais recente livro retrata 25 anos de ambiente em Portugal. O ambiente está ganho?

O ambiente conquistou espaço na opinião pública e há bons exemplos de políticas que avançaram. Mas podíamos ter sido muito mais rápidos se tivéssemos aproveitado bem as oportunidades e os fundos. Há muito ainda a fazer, não está tudo ganho. A afirmação das questões ambientais é uma luta diária.

O que não está ganho?

A conservação da natureza, as áreas protegidas e tudo o que tem que ver com a biodiversidade. Têm sido muito menosprezadas, e um passo que nunca se deu foi envolver as populações que vivem nas áreas protegidas. A política de conservação da natureza é muito mal gerida e em 2008 deixou, inclusivamente, de haver diretores nos parques, para passar a haver diretores regionais. Mas podia haver apoios, por exemplo, para as pessoas que vivem nessas áreas recorrerem a subsídios europeus para uma agricultura mais sustentável, ou para atividades como o turismo da natureza ou o birdwatching.

Os portugueses têm essa tradição de birdwatching, ou do turismo da natureza?

Não, e isso tem que ver com o facto de a nossa ruralidade se ter prolongado no tempo. No final dos anos de 1960, Portugal era uma espécie de museu rural da Europa. Não tinha havido verdadeira industrialização e 40% da população ativa ainda trabalhava na agricultura no início dos anos 1970 - hoje são 4% -, quando os outros países europeus já tinham entrado na sociedade de consumo. Portanto, ser rural era ser pobre, e um indicador de desenvolvimento era acabar com isso, o que levou a que não se valorizasse a natureza. Depois podia-se ter criado uma cultura moderna da natureza, mas nunca se fez. As gerações mais novas já têm mais sensibilidade mas, mesmo assim, não se consegue dar o salto, há aqui um défice cultural em relação ao valor da biodiversidade.

Que outras áreas do ambiente ficaram para trás?

O litoral. Houve os Planos de Ordenamento da Orla Costeira, que ordenaram o acesso às praias, mas nos últimos anos não houve visão estratégica, deixou-se construir de forma desordenada na faixa costeira e isso é um problema, por causa da erosão e da subida do nível do mar. Não podemos manter uma costa totalmente artificializada porque não há dinheiro para isso.

Houve áreas em que as coisas correram bem?

Na água, a partir de certa altura, conseguiu-se avançar bastante. Hoje temos uma cobertura global do país com água canalizada potável. Houve imenso dinheiro europeu, com muitos investimentos perdidos e imensos erros pelo meio, mas conseguiu-se. Um momento importante foi a transposição da diretiva-quadro da água, através da lei da água, em que houve a visão holística das bacias hidrográficas, o que permitiu melhorar a qualidade dos rios. Em 2011, com o fim das ARH [administrações de recursos hídricos] autónomas, quando Assunção Cristas estava no ministério, o sistema baseado no princípio poluidor pagador perdeu a eficácia e a dinâmica que estava ganhar. Mas o Estado não gastou menos.

Houve outras áreas que pioraram nessa altura?

Sim. Foi um momento muito negativo para o ambiente, com a junção daquele megaministério da agricultura, mar e ambiente, em que o ambiente ficou subsumido e dependente de pessoas que não tinham nenhuma ligação a essa área. Como foi um erro, também, juntar o ICN [Instituto da Conservação da Natureza] com as florestas. Foi mau para ambas. Devia desfazer-se esse erro.

O ambiente foi sempre o parente pobre na política?

Teve altos e baixos. O grande salto deu-se com a adesão à União Europeia, e com figuras como Ribeiro Telles e Carlos Pimenta. A adesão à UE obrigou-nos a adotar leis específicas, que não tínhamos, e Carlos Pimenta fez aprovar a lei de bases do ambiente. Mas as leis nunca foram muito debatidas e criou-se o hábito de não as cumprir, porque elas não foram discutidas e incorporadas pelas pessoas.

Como socióloga do ambiente, como vê todos esses altos e baixos?

Ao mesmo tempo que a UE trouxe as diretivas ambientais e nos obrigou a adotar uma série de leis para a água, o ar, o ruído, os resíduos, Portugal entrou em força na sociedade de consumo. Mudámos em 10 anos o que outros países mudaram em 30 e, nos indicadores ambientais, tudo piorou nessa época. Depois tivemos a crise, uma ressaca da sociedade de consumo. Fizemos um inquérito e vemos que o ambiente ganhou mais força. As pessoas deixaram de ter tanto dinheiro para consumir e valorizam agora mais os espaços públicos. Estamos num momento muito interessante. As próprias autarquias estão mais atentas às questões ambientais e das alterações climáticas, com a criação de espaços verdes, hortas urbanas e ciclovias.

Inclui 25 anos de artigos no seu livro. Quando reuniu tudo, surpreendeu-se com alguma coisa?

Surpreendi-me com a atualidade de alguns artigos que escrevi no início dos anos de 1990. Não tanto nos que se relacionam com o ar, água e resíduos, porque aí houve boas evoluções, mas sim nas florestas e conservação da natureza, em que se andou muito pouco.

O que a preocupa mais, quando olha para o futuro?

Era ótimo ter uma política renovada para as áreas protegidas e a conservação da natureza, voltar a uma política de proximidade relativamente à água, com o regresso das administrações de recursos hídricos com autonomia e dinâmica, e deveríamos investir a sério na adaptação e mitigação das alterações climáticas, com a energia solar, a eficiência energética e transportes eficientes. Ao nível ibérico devíamos colaborar mais com Espanha, para não termos surpresas, por exemplo em Almaraz, com a possibilidade de se construir ali um aterro de resíduos nucleares, a poucos quilómetros de Castelo Branco. Era importante também continuar a investir na monitorização e integração de dados. Com as novas tecnologias, podíamos ter informação muito mais atualizada e integrada, que apoiaria as decisões e levaria os cidadãos a estar mais informados. Quando são chamadas a isso, as pessoas participam e querem estar envolvidas nas soluções. Mas tem de haver vontade política nesse sentido. Não se consegue levar nenhuma política ambiental para a frente se os cidadãos não participarem.

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