Astérix é o best-seller da banda desenhada: cinco milhões de álbuns impressos, 50 mil dos quais em Portugal, chegam hoje aos leitores de todo o mundo. No nosso país costumam liderar a tabela de vendas e na próxima semana já terá atingido o topo pela certa, pois a nova história traz um grande apelo de renovação: uma jovem protagonista..É a primeira vez que há uma mulher, neste caso uma adolescente, a liderar a história. Já tinham existido personagens femininas principais mas nunca uma protagonista com tanto relevo como os heróis que os criadores da série transformaram em fundamentais. Desta vez, Adrenalina ganha um papel que subalterniza Astérix e Obélix. Afinal, o álbum chama-se A Filha de Vercingétorix!.Que é parecida com a ativista ambiental Greta Thunberg, apesar de os autores considerarem que não passa de uma coincidência. Quando revelaram a capa na semana passada foi impossível não comparar o rosto de Adrenalina ao de Greta Thunberg. Foi de propósito? Ferri diz: "Aconteceu por acaso, aliás estas coincidências vão-se repetindo, pois quando saiu o álbum anterior havia a questão da Catalunha e todos comentaram que não era casual. Mas não o fizemos de propósito. Quanto à semelhança de Adrenalina com Greta, também se existe é por acaso. Conrad acrescenta: "Ela tem 15 anos, é ousada, mas não nos inspirámos em ninguém.".Como ambos os autores têm filhas, questiona-se se foram elas a inspiração afinal? Conrad aceita que isso tenha acontecido e Ferri diz: "Sim, e também pensámos nas filhas célebres, como a de Mitterrand, Mazarine. Mas no início o nosso interesse não era a filha mas o próprio Vercingétorix, no entanto era muito complexo porque é uma figura histórica mítica e difícil. Era mais fácil ter a filha como protagonista." Negam que o movimento #Me Too tenha influenciado este projeto, mesmo que Ferri tenha pensado: "Há uma parte que se passa na vigia do barco e a personagem diz uma frase sobre os marinheiros que deixam filhos em cada porto. Tivemos a tentação de fazer um jogo de palavras com esse movimento mas evitámos, porque iria parecer artificial.".O único jogo de palavras que passou foi um trocadilho com as FARC, numa provocação muito política, das maiores que Astérix tem nos seus livros. "Tive vontade de meter as FARC no livro porque a sigla desse movimento guerrilheiro dava uma boa piada: Frente Arverne de Rejichtênchia Checreta [há muitos ches na história]. Mas a comparação fica pelo nome, porque em Astérix a resistência é aos romanos e a Adrenalina", considera..Este é o quarto álbum de autoria dos herdeiros de Goscinny e Uderzo. O argumentista Jean-Yves Ferri e o desenhador Didier Conrad, que já dominam a técnica de replicar o herói mais importante do universo da banda desenhada, conseguiram "imitar" os seus "pais" e nem se nota que o Astérix atual é igual aos melhores da dupla fundadora. "Ao quarto álbum já é mais fácil", diz Ferri. "A cada álbum ficamos mais próximo do que eles fizeram", diz Conrad. "Estamos cada vez mais à vontade com esta herança", confessam ambos..Em entrevista ao DN, Ferri garante que a preocupação de Uderzo, o único membro vivo da dupla, é cada vez menor: "No primeiro álbum, Uderzo vigiava a elaboração; agora apenas nos desejou boa sorte", refere Ferri. Além do novo álbum, também saiu em França uma moeda de dois euros comemorativa do aniversário de Astérix: "Ninguém acredita que seja uma moeda verdadeira com a efígie de Astérix", garantem os dois, que não conseguiram uma sequer, tal foi a rapidez com que desapareceram no mercado..Conrad garante que desta vez foi mais simples encontrar a história, enquanto Ferri revela que um membro dos coletes amarelos já lhe perguntou quando são incluídos num dos álbuns: "Em França, quando há alguém que resiste é sempre comparado a Astérix." Presentes nesta nova aventuram continuam a estar os habitantes da irredutível aldeia gaulesa, com a novidade de aparecerem os filhos do peixeiro e do ferreiro como amigos de Adrenalina. Não faltam os azarados piratas, nem imagens sépias com a presença de Vercingétorix que estava no primeiro álbum..Os dois autores continuam separados pelo oceano Atlântico, pois Conrad vive em Austin e Ferri em Paris, nada que os impeça de criar mais uma aventura de Astérix, como afirmam na entrevista..Acabados de chegar da Feira do Livro de Frankfurt, Ferri e Conrad estão cansados da maratona promocional em que estão envolvidos. Pergunta-se se a promoção de cada novo álbum lhes dá mais trabalho do que escrevê-lo e desenhá-lo? Ferri considera que "já fizemos a nossa parte ao entregar o livro e queremos é descansar um pouco", depois da ida à Bélgica, à Polónia, à Espanha, entre outros países. O fim da digressão é na cidade de Clermont-Ferrand, o país dos Arvernes que aparecem no álbum, terra natal do verdadeiro Vercingétorix..Quanto ao destaque de Adrenalina nesta história, Conrad garante que a intenção é "querer renovar a série Astérix e esta foi a melhor forma de o fazer. Astérix já tem personagens femininas muito fortes mas Adrenalina era aquilo com que poderíamos inovar bastante". Ferri garante que a editora não pediu uma história diferente para comemorar os 60 anos da série: "Não houve qualquer premeditação e quando começámos a trabalhar na preparação do álbum ninguém se lembrou do aniversário. O que foi melhor ainda, porque esta mudança ligeira que a protagonista traz e outras em várias páginas aconteceu mesmo por acaso.".O aparecimento de duas novas personagens jovens, dois rapazes que se dão com a protagonista, não é para piscar o olho aos leitores mais jovens. Para Conrad, "tem apenas que ver com a necessidade da história e não com uma estratégia comercial. Nós não sabemos quem é o nosso público, é muito abstrato o universo de leitores de Astérix e, com o número de álbuns que são impressos - cinco milhões -, não deve haver muitos mais leitores a conquistar. Não sabemos se as novas gerações se interessam pelo Astérix ou se só os pais. Certo é que não existem rivais a Astérix na banda desenhada atual, portanto nem há muita alternativa a heróis que correspondam ao estilo Astérix. É a banda desenhada familiar, que o pai, a mãe e os filhos leem. Até os intelectuais. Não sabemos a quem o livro toca porque não há sondagens". Não deixa de dizer: "Os nossos colegas ficam um pouco invejosos, até dizem que Obélix está muito gordo!".Falando de concorrência, pergunta-se se só Tintim seria capaz de a fazer: "Hergé não quis que o continuassem. Não quer que a obra tenha outra voz, mas parece que essa indicação do autor não vai ser respeitada e que irá existir um novo Tintim. O que não vai ser fácil de fazer porque cada álbum do Tintim tem muita intriga e um cenário que é preciso ser bem definido. Tintim é muito datado."