No chão da fábrica da Renova em Torres Novas ensaia-se e faz-se arte para "surpreender e marcar". Assim o diz, e espera, Paulo Pereira da Silva, CEO da empresa que encomendou ao maestro Martim Sousa Tavares (ver entrevista ao lado) a curadoria de um bailado que no final do ano será mostrado ao público em vídeo..O objetivo? "Gostava que fosse uma obra de arte. E que a Renova pudesse ficar ligada à criação de algo com muita qualidade. Penso que não é muito vulgar encomendar um bailado", explica Pereira da Silva..O físico de formação que há anos, ao assistir a um espetáculo do Cirque du Soleil, teve a ideia de criar papel higiénico colorido, que hoje tem o cognome de "papel mais sexy do planeta",explica como aconteceu. Foi em março de 2020, durante o primeiro confinamento da pandemia trazida pela covid-19, num momento em que marcas e instituições se uniram, através da plataforma Portugal Entra em Cena com o intuito de apoiar o setor cultural. "Falei com a ministra da Cultura e achei que seria uma boa altura para a empresa montar uma ideia e desafiar artistas ajudando-os", diz..Daí nasceu a vontade de pedir propostas para uma coreografia e uma partitura original para um bailado de 20 minutos com um único constrangimento: que se chamasse Renova, "que veio de um poema e não tem nada que ver com a marca ou com a fábrica", apressa-se a explicar Paulo Pereira da Silva.."De 19 projetos apresentados, foi feita uma shortlist de seis e depois foram escolhidos três e não apenas um, como estava anteriormente previsto, com a ajuda do Martim Sousa Tavares." Três duplas com videoballet com a música original de Edward Ayres d"Abreu, Carlos Zíngaro e Nuno da Rocha, coreografias de Fernando Duarte, Paula Pinto e Margarida Belo Costa. A curadoria de Martim Sousa Tavares foi "quase um mero acaso". "Um dia estava na Brotéria [a casa da cultura dos jesuítas portugueses situada no lisboeta Bairro Alto], ouvi o Martim Sousa Tavares falar com outra pessoa e gostei de o ouvir. Mais tarde lembrei-me de o contactar para saber se ele estaria disponível para este projeto. Foi logo alguém em quem tive muita confiança para o projeto." Confessa que, de propósito, não tem seguido o que está a ser feito por estes dias na fábrica. "O pouco a que assisti gostei muito e quando isso acontece fico ansioso e prefiro ver o resultado final. Estou a ficar muito surpreendido com a qualidade do que está a ser feito.".A ligação da marca à arte tem estado presente ao longo dos últimos anos, conta Pereira da Silva: "Fazemo-lo de uma forma sui generis não tanto na forma de adquirir arte, mas sim encomendando trabalhos a artistas para certas intervenções." A fotografia e o vídeo são um dos exemplos. Internamente chamam-lhe renova art commissions e consistem quase sempre em dar uma ideia com constrangimentos a um artista e depois dar-lhe toda a liberdade para que, com o seu talento, "possa resolver a questão". "É muito interessante para nós porque, para além do projeto artístico, podemos usar isso na comunicação. Agora o caso é diferente, decidimos escolher a música e o bailado, o que não é algo tão evidente como o que temos feito". Recorda o projeto feito há alguns anos com o então diretor artístico do teatro de Torres Novas, Tiago Guedes, com bailarinos, mas para uma sessão fotográfica, ou quando depois, em vídeo, misturaram corpos de bailarinos com modelos "que curiosamente têm uma relação com o corpo bastante diferente", explica. "Desses projetos ficou na retina que um dia poderíamos dar um passo maior, sobretudo na área da música." Os passos, em forma de bailado, estão a ser dados na fábrica da Renova. O resultado será conhecido no final do ano.. Escolhido para unir e correlacionar os artistas e as peças produzidas, o maestro Martim Sousa Tavares tem em mãos a produção de um objeto artístico que espera "venha a causar uma inveja positiva noutras marcas"..Qual o seu papel, propriamente dito, na curadoria deste projeto? O projeto nasce da plataforma Portugal Entra em Cena para tentar recuperar algum do volume de trabalho que se perdeu com a pandemia e a ideia foi a de ligar o mundo empresarial aos artistas numa plataforma em que as empresas podiam fazer pedidos para propostas. A Renova pediu a criação de um bailado com música e coreografia originais a partir do termo renova e de tudo o que isso significa. E as respostas foram às dezenas e foi nessa fase que eu entrei. A Renova, na sua intenção estética, visionária e criativa precisa de algum know how para perceber o que é um bailado e como se organiza, até porque entenderam apoiar três propostas. E entro com a qualidade de curador para relacionar os diferentes compositores, coreógrafos e saber o que cada um necessita. Sempre foi objetivo gravar o bailado na fábrica da Renova? Na altura chegou a pensar-se que poderia ser um espetáculo que podia ir para os palcos e circular pelos teatros. Mas percebeu-se que não seria a melhor ideia. Os teatros estão com muita programação por recuperar dos últimos dois anos de pandemia e seria até infantil da nossa parte acreditar que conseguiríamos uma digressão nacional com este espetáculo. Assim, o mais inteligente, e até mais interessante, foi fazer disto um projeto filmado, uma videodança, fazendo um tríptico de bailados para ter lugar no espaço da fábrica da Renova. Os artistas adoram e as pessoas não estão habituadas a ir a esses espaços industriais, do cimento, do barulho, das muitas cores, dos rolos gigantes. Foi muito inspirador. As três duplas ficaram muito contentes com isso. E também foi parte do meu trabalho ir afinando conclusões e chegando a este modelo para que a Renova nunca saísse do ponto de compreensão total do que se está a passar. Eles [Renova]têm muita experiência com artes plásticas e menos com artes temporais como a música e a dança. O meu trabalho é ajudar no sentido conceptual, mas também em coisas práticas de logística, contratuais, etc. Depois é necessário escolher um realizador para o filme, que também vai ter um making off. Como vai ser dado a conhecer, depois de concluído? No final vai nascer um projeto que ainda não sabemos como vai ser dado a conhecer, se em salas de cinema, se na televisão, se disponibilizado online ou em festivais. Tem uma grande vantagem de não ter língua, não precisar de legendagem ou dobragem. A experiência vale em qualquer parte do mundo. O meu trabalho ficará completo apenas quando tudo isto chegar às pessoas..Citaçãocitacao"Se calhar daqui a 30 anos ninguém se lembra do tipo de produto que a marca X, Y, Z tinha no mercado em determinada altura, mas sim deste tipo de objeto artístico que vai perdurar.". E em que fase está agora o projeto? Estamos em fase de rodagem e depois vamos analisar o que temos para pensar um público para isto. Mas o mais importante é que o ato criativo está a ser consumado agora e que daqui a uns meses será concluído por parte do realizador. Depois entramos na parte final de colocação no mercado, sendo que não tem fins lucrativos - é um mecenato puro e duro. Acho que é muito inspirador, espero eu, para outras empresas, de uma forma de estar do mundo empresarial. E qual a expectativa de aceitação do resultado final? Há dois canais diferentes de gestão da própria expectativa. Um é o da fruição do objeto artístico que vai chegar às pessoas. Independentemente de estarmos ligados ao projeto ou não, espero que o resultado final seja algo bonito e inusitado. Espero que em sentido estético seja uma experiência positiva independentemente de ser visto pelo CEO da Renova ou por alguém que nem sequer saiba o que é a Renova. A segunda expectativa - apesar de este projeto não ser um blockbuster, embora não seja propriamente um nicho recôndito, mas não é a novela das oito - é tentar perceber se gera interesse no público, mas também saber se vai criar uma inveja positiva noutras empresas. Isto pode ser uma forma muito elegante de mostrar que as marcas estão por cima dos problemas mundanos do dia-a-dia. Se calhar é algo que vai ficar. Se calhar daqui a 30 anos ninguém se lembra do tipo de produto que a marca X, Y, Z tinha no mercado em determinada altura, mas sim deste tipo de objeto artístico que vai perdurar. Tenho a expectativa de que isto crie um lastro.