Myron vai a Fátima agradecer ter a filha e os netos a salvo em Portugal
Pouco faltava para as 15.00 desta terça-feira quando Myron Fedoriv chegou a Lisboa com a filha, Miroslava, e os netos Zakharij e Jakiv, após 30 horas de viagem. No total, o ucraniano passou 60 horas na estrada para ir buscar a família, que vivia na Ucrânia de onde emigrara há duas décadas. "Vamos a Fátima para agradecer por termos agora mais calma, por a família estar aqui junto de nós", conta, já depois da viagem, o motorista do Grupo BEL - cujo proprietário é Marco Galinha, acionista principal do Global Media Group, ao qual pertence o DN, e que ajudou Myron a cumprir o resgate.
"Vamos a Fátima pedir ajuda para todos os que ainda estão lá, porque isto é muito mau. Tenho medo que esta guerra fique pior do que a de 1939-1945. Não sei como é que vai acabar", desabafa.
Myron saiu de Lisboa na sexta-feira para ir resgatar a filha e os netos da guerra na Ucrânia. Para trás, ficou o genro, impedido de sair do país pela lei que obriga os ucranianos entre os 18 e os 60 anos a garantirem a defesa da pátria. O reencontro da família teve lugar em Pilsen, na República Checa, onde Miroslava e os filhos chegaram depois de terem estado 29 horas dentro de um autocarro, 20 das quais a caminho da fronteira com a Polónia.
"O autocarro tinha lugar para 60 pessoas e eram 100. Quase não havia ar, não se podia ir à casa de banho. Quem bebia água, usava a garrafa para urinar. Não se podia abrir portas ou janelas, porque podia entrar alguém e matá-los. A minha filha estava muito triste, muito stressada", conta Myron, repetindo o relato das horas de terror da filha. "Quando vi a Miroslava, ela já não conseguia andar. Chegámos ao hotel, descansámos um bocadinho, tomámos o pequeno-almoço e arrancámos. Chegámos agora."
A viagem de regresso a Portugal demorou 30 horas, sem grandes paragens para descanso. O objetivo era mesmo Portugal, chegarem sãos e salvos. "Dormi uma vez 20 minutos numa estação de serviço em França. Da República Checa até à Alemanha passou rápido, mas França é muito grande. Já era de noite, vinha um bocadinho cansado, parámos na estação de serviço, bebi café, descansei um pouco. Eu gosto de conduzir, sou motorista já há muitos anos, e para mim chegam 20 minutos para descansar e passar um pouco de água pela cara. Depois voltámos a parar já em Espanha para descansar um bocadinho, e pronto. Foram 30 horas para Pilsen e 30 horas para cá."
Ter já a filha e os netos com ele e a mulher à espera em casa, em Portugal, não tornou a segunda etapa da viagem mais tranquila para Myron Fedoriv. A angústia no coração mantém-se. "Ainda vinha stressado, temos família na Ucrânia. O marido da Miroslava está lá, a minha irmã, muitas pessoas; quando parávamos e víamos as notícias, uma bomba aqui ou ali..." A emoção transparece na voz do ucraniano, há 22 anos em Portugal. "Uma pessoa fica contente por estar aqui, a minha filha e os meus netos são a minha vida, mas temos lá família..."
Agora em Lisboa, seguem-se novos desafios. "Vamos esperar que isto melhore, que a guerra acabe. Se a guerra acabar, a minha filha diz que regressa. Para mim era melhor que ficassem aqui. Eu já tenho 56 anos e estou cá há quase metade", explica Myron. "Mas ficar também vai ser difícil. Onde moramos só tem um quarto e uma sala pequenina. Eu e a minha mulher vamos dormir no sofá, eles os três vão para o quarto e ficam na cama. Mas viver assim não dá. Ela já esteve cá três vezes de férias, mas férias são duas semanas. Agora não sei como vai ser."
Pelo meio é preciso arranjar roupas para Miroslava e os filhos, documentação para os três. Quanto à escola dos miúdos, Myron diz que podem estudar em Portugal - existem escolas ucranianas em Lisboa e no Estoril. Mas de uma coisa Myron está certo: "Amanhã [hoje] vou à missa. Aqui em Portugal temos igrejas, eu vou a Cascais, onde há missa ao domingo e à quarta-feira."
O grande apoio de Myron Fedoriv nesta viagem foi Marco Galinha, presidente do Conselho de Administração do Grupo BEL e do Global Media Group (ao qual o DN pertence). "O Myron, neste caso particular, além de estar aqui no grupo, é meu motorista pessoal, é alguém que eu conheço há 18 anos, e é impossível não estar ao lado dele. Eu conheço a história da família, soube quando lhe nasceram os netos, sei das dificuldades que teve, todos os problemas que enfrentou", diz Marco Galinha ao DN.
"Eu não estou aqui a discutir política, mas não havia qualquer possibilidade de não estar ao lado destas pessoas. Nós disponibilizámos de imediato um carro, a nossa tecnologia de segurança, acompanhámos o Myron ao milímetro para ter a certeza de que não lhes faltava nada, pusemos ao seu dispor tudo quanto ele precisava para fazer esta recuperação da família o mais rápido possível, porque também temíamos o pior. Isto pode ter um fim trágico."
Marco Galinha tem também uma relação pessoal com o conflito: a família da sua mulher é de origem russa, embora sejam cidadãos austríacos. "A minha família está completamente contra as guerras, a 100%, não há sequer 99%, são 100% contra a guerra", afirma o CEO do Grupo BEL. "Houve erros grosseiros em tudo isto, e esses erros grosseiros trouxeram-nos onde estamos hoje. Estas famílias, sejam ucranianos sejam de onde forem, são humanos... E os russos não representam a liderança [de Moscovo], é preciso perceber isso."
"A partir da altura que se invade um país, a minha opinião pessoal é que se perde toda e qualquer razão. É uma situação muito triste e que me preocupa muito", conclui Marco Galinha.