Multiplicam-se acusações de violação contra ex-diretor da agência de modelos Elite
Depois de anos de silêncio, mais de uma dúzia de mulheres esperam que os seus testemunhos angustiantes convençam os procuradores do Ministério Público francês a perseguir um nome forte da indústria da moda francesa, acusado de abusar de modelos jovens com impunidade ao longo de dezenas de anos.
"Isso assombrou-me durante 20 anos", disse Lisa Brinkworth, ex-jornalista da BBC, à AFP sobre o seu encontro com Gerald Marie, o ex-diretor da agência de modelos Elite na Europa.
Brinkworth é uma das várias mulheres que se reuniram com investigadores da brigada de proteção de menores da polícia francesa na semana passada, e outras mulheres devem fazê-lo nos próximos dias.
O inquérito contra Gerald Marie foi aberto em setembro de 2020, após queixas apresentadas sobre alegadas violações e abusos sexuais entre 1980 e 1998, incluindo de menores.
Agora, estas mulheres esperam que os seus relatos levem a acusações criminais, especialmente se estimularem as vítimas mais recentes a também se manifestarem. "Só acho que agora é a hora certa. Ele foi intocável por muito, muito tempo", disse Brinkworth.
Na época das alegadas ofensas, a Elite Models tinha lançado a carreira vários dos nomes mais conhecidos das passerelles, incluindo Naomi Campbell, Cindy Crawford e a ex-esposa de Gerald Marie, a supermodelo Linda Evangelista.
Brinkworth conheceu o ex-diretor da Elite Europa em 1998, quando trabalhava como modelo para uma reportagem sobre o financeiro americano Jeffrey Epstein, que se suicidou em 2019, na prisão, numa altura em que enfrentava também várias acusações de tráfico sexual de menores.
A jornalista também estava a investigar Jean-Luc Brunel, um agente de modelos francês e associado de Epstein, que foi acusado de violação de jovens menores de 15 anos, bem como de assédio, em dezembro passado.
"Fiquei espantada com o número de mulheres que faziam acusações contra Gerald Marie", disse a britânica.
Durante um jantar num clube de Milão com o ex-executivo da agência Elite, este propôs-lhe uma noite de sexo e ofereceu-lhe dinheiro para a tentar convencer, antes de tentar prendê-la a uma cadeira e apalpá-la.
"Eu estava absolutamente impotente para fazer qualquer coisa, dizia 'não, não, não' e ele simplesmente continuava", lembrou.
Mas, embora Brinkworth tenha conseguido filmar grande parte do incidente, a jornalista diz que foi impedida de apresentar as imagens devido a um acordo entre a BBC e a Elite em 2001, após um processo por difamação.
Ebba Karlsson, uma ex-modelo da Elite da Suécia que também falou com os investigadores na semana passada, disse que Gerald Marie rapidamente a dissuadiu de qualquer aspiração a uma carreira glamorosa como rosto do mundo da moda.
Karlsson contou que, numa reunião com o ex-diretor da Elite Europa, este mostrou fotos de várias modelos da agência, perguntando-lhe se ela sabia como ficaram famosas, ao mesmo tempo que colocava uma mão sobre a sua perna.
"Ele disse: 'Bem, para ser capaz de ser tão famosa, você tem que dar algo de si mesma'", contou Ebba, acrescentando que Gerald então colocou a mão sobre o seu vestido para a assediar.
"Eu senti-me como se alguém tivesse cortado a minha cabeça. O meu poder simplesmente desapareceu. Eu não tinha poder. Congelei", disse.
Fontes próximas à investigação disseram à AFP que pelo menos cinco outras ex-modelos falarão com os investigadores esta semana, enquanto cerca de uma dúzia de outras fizeram alegações de abuso semelhantes, mas permanecem relutantes em apresentar denúncias formais.
Gerald Marie também enfrenta uma queixa criminal apresentada em Nova Iorque no mês passado por Carre Sutton, uma ex-modelo da Elite, acusando-o de agressão sexual em série desde os 17 anos. Sutton, conhecida como Carrie Otis durante sua carreira de modelo, deve dar uma conferência de imprensa em Paris na terça-feira.
O ex-executivo da Elite negou quaisquer atos ilícitos, mas ainda não foi questionado pela polícia sobre as acusações, disse a sua advogada Celine Bekerman à AFP. "Ele está a reservar eventuais declarações para as autoridades competentes".
Mas Karlsson, Brinkworth e outras esperam que o grande número de mulheres que ganharam coragem para denunciar estes casos de assédio e abuso sexual, na sequência do movimento MeToo, seja aqui também um fator suficientemente forte para levar os procuradores a fazer seguir o processo. "Temos advogados e somos poderosas e quanto mais somos, mais poder temos", acredita Ebba Karlsson.
"Se ele não for condenado por esses crimes, pelo menos estamos a emitir alertas que podem criar mais consciência sobre como funciona a indústria da moda."