Multidão desafia Lukashenko: "Toma chá, é oferta de Putin"
Mais uma multidão de manifestantes inundou no domingo a capital, tendo incitado o homem forte Alexander Lukashenko a abandonar o poder, e desafiado a ameaça de prisão perante um destacamento maciço de forças da ordem.
Estima-se que mais de 100.000 pessoas tenham saído às ruas de Minsk nos últimos três fins de semana e, segundo os jornalistas da AFP no local, a afluência terá sido ainda maior no domingo.
Soldados, canhões de água, camiões e veículos blindados foram enviados para o centro da cidade, mas manifestantes de todos os quadrantes - de pais com filhos a estudantes e até padres - reuniram-se numa manifestação de desafio à autoridade.
O grupo de direitos humanos Viasna disse que pelo menos 150 pessoas tinham sido detidas na capital e noutras cidades, embora o ambiente tenha sido festivo, com música e dança.
Muitos empunharam bandeiras e cartazes vermelhos e brancos, a bandeira criada em 1917 e usada durante os meses de independência antes de a Bielorrússia se tornar numa república soviética. "Apesar da chuva e da pressão das autoridades, apesar da repressão, muito mais pessoas apareceram em Minsk do que no domingo passado", disse aos repórteres Maria Kolesnikova, figura da oposição. "Estou convencida de que os protestos vão continuar até ganharmos", afirmou.
Na véspera, uma manifestação só de mulheres reuniu cerca de mil pessoas. Pela primeira vez, bandeiras arco-íris, do movimento LGBT, foram empunhadas, no que é visto como um sinal de que o movimento da oposição está a ganhar força.
"As pessoas da comunidade LGBT estão a apelar à liberdade. Estamos cansados de viver numa ditadura onde simplesmente não existimos", disse Associated Press uma das manifestantes, Anna Bredova.
A homossexualidade não é crime desde 1994, mas a estigmatização é forte e as autoridades não permitem o registo legal de nenhuma organização LGBT; o casamento entre pessoas do mesmo sexo é proibido, como na vizinha Rússia.
Manifestações com uma participação sem precedentes eclodiram depois de Lukashenko, que governou o ex-Estado Soviético durante 26 anos, ter reivindicado a reeleição com 80 por cento dos votos em 9 de agosto.
A rival da oposição Svetlana Tikhanovskaya diz ter sido a vencedora de uma votação sem observadores internacionais. Sob pressão das autoridades, Tikhanovskaya deixou a Bielorrússia e refugiou-se na Lituânia.
Em resposta, as forças de segurança de Lukashenko, continuaram a repressão (tinham, por exemplo, detido o marido de Tikhanovskaya, que era candidato às eleições) e detiveram milhares de manifestantes, muitos dos quais acusaram a polícia de espancamentos e tortura. Um número indeterminado de pessoas morreu durante a repressão.
Os bielorrussos têm vindo a manifestar-se em todo o país há quase um mês, embora o movimento de protesto não tenha um líder claro, uma vez que muitos ativistas estão encarcerados ou foram forçados a sair do país.
No domingo, os manifestantes marcharam em direção à residência de Lukashenko no Palácio da Independência, onde entoaram "Tribunal" e "Quanto lhe estão a pagar?".
Alguns participantes fizeram piqueniques improvisados perto de cordões de segurança e canhões de água perto do Palácio da Independência.
Um manifestante exibiu um retrato do líder da oposição russa Alexei Navalny, que a Alemanha diz ter sido envenenado com o agente nervoso Novichok.
"Por favor, vive!", lia-se no cartaz, referindo-se ao principal opositor do presidente Vladimir Putin. Navalny tem estado em coma nas últimas duas semanas, com os seus assistentes a suspeitar que bebeu uma chávena de chá envenenado na Sibéria. "Sasha, toma um pouco de chá. É oferta de Putin", cantaram alguns manifestantes, referindo-se a Lukashenko pelo seu diminutivo.
Lukashenko foi notícia esta semana quando afirmou que as suas forças de segurança tinham intercetado chamadas alemãs que provavam que o envenenamento da Navalny tinha sido uma falsificação. A televisão estatal bielorrussa transmitiu a "interceção" em que um Mike em Varsóvia e um Nick em Berlim discutiram os materiais da Navalny e chamaram Lukashenko de "osso duro de roer".
Nas ruas não há quem acredite e muitos dizem que continuarão a tomar as ruas até Lukashenko desistir. "Lukashenko tem de retirar-se", disse Nikolai Dyatlov, um manifestante de 32 anos. "Porque é que a nossa presidente legitimamente eleita está a viver noutro país", perguntou, referindo-se a Tikhanovskaya.
Outra manifestante, Anastasia Bazarevich, de 40 anos, disse que os protestos não se limitam à capital. "Metade da aldeia onde vive a minha avó sai e protesta todas as noites".
A Rússia disse que responderá a quaisquer tentativas ocidentais de "influenciar a situação" e Putin levantou a possibilidade de enviar apoio militar, alegando o acordo de União supranacional entre ambos os países.
Putin tem feito questão de concretizar a união da Rússia com a Bielorrússia, e Moscovo tem acompanhado as suas recentes ofertas de ajuda militar com apelos a uma integração mais estreita.
Lukashenko excluiu no passado a unificação total e procurou jogar Moscovo contra o Ocidente, mas as suas opções são agora limitadas. Na quinta-feira, Lukashenko recebeu o primeiro-ministro russo Mikhail Mishustin e disse que os dois países tinham conseguido chegar a acordo sobre questões que "não podiam acordar mais cedo".
O líder disse que planeava " pôr todos os pontos nos i" com Putin em Moscovo nas próximas semanas.