Mulheres na Ciência distingue doenças raras, cancro, adição e Estuário do Tejo
As ciências da vida são a área principal das quatro investigações distinguidas com o Prémio Mulheres na Ciência 2021, hoje divulgado. Procuram dar resposta às questões: Como tratar os cancros da mama menos comuns? Como é que a divisão celular pode tornar o cérebro mais pequeno? Quais são os neurónios que estão na origem de comportamentos aditivos? A estes, junta-se um quarto na área da ecologia ambiental: Como é que os arrozais e as aves aquáticas podem conviver no Estuário do Tejo sem se prejudicarem mutuamente?
Sandra Tavares, Carina Cunha, Sara Carvalhal e Edna Correia são as cientistas distinguidas com 15 mil euros cada. Foram selecionadas, entre 72 candidatas, por um júri presidido por Alexandre Quintanilha e juntam-se às 57 investigadoras galardoadas em Portugal desde 2004, ano em que o país passou a participar. Em todo o mundo, 3900 cientistas receberam o Prémio Mulheres na Ciência 2021.
É atribuído pela L"Oréal, que se juntou à Unesco em 1988 para criar este prémio. Distingue o sexo feminino porque é o grupo alvo da multinacional e para promover a igualdade de género na ciência. Na UE, apenas um terço dos investigadores (32,8%) são mulheres. Estão bem representadas nas instituições de ensino superior (55,9%) e mal nas empresas. Em Portugal, há mais investigadoras ( 43,3%), mas a distribuição por setores é mais desigual: 61,1 % no setor governamental/estatal; 49,8 % nas instituições do ensino superior e 28,5 % nas empresas privadas. E apenas 27,2 % estão em quadros de direção de instituições de ensino superior 27,2%, contra 31% na UE.
É o terceiro grande prémio da investigadora, para continuar a investigação do cancro triplo-negativo, na área que trabalhou num pós-doc na Holanda, com investigadores de outros países. Uma carreira em que subiu as várias escadas para a constituição de um grupo de investigação próprio, o ponto em que se encontra. Espera que o prémio da L"Oréal ajude.
"Estes prémios fazem a diferença, ainda por cima este é internacional. A Ciência, mesmo depois da pandemia, não é uma prioridade do Estado, logo, tem que ser uma prioridade da sociedade. São distinguidas todos os anos quatro mulheres jovens e, se não fosse o carimbo da L"Oréal no CV, muito dificilmente iríamos conseguir ser avaliadas em termos internacionais", defende a investigadora.
O cancro da mama-triplo negativo é o menos comum mas mais agressivo. Afeta 13 em cada 100 mil mulheres por ano, em todo o mundo, e representa 15% da incidência de cancros de mama invasivos.
Ao contrário dos outros subtipos, não tem presentes os recetores hormonais usuais - estrogénio, testosterona e HER -- e que são usados para definir a terapêutica. "O tipo mais comum do cancro da mama, e que tem um prognóstico muito bom, é tratado com inibidores de estrogénio, só que neste caso não vale a pena este tratamento porque o recetor não está lá. E quanto mais se souber sobre estes tipos de cancro, mais instrumentos temos para o combater. A ideia é usar o que existe de uma forma mais inteligente para que os pacientes sobrevivam em melhores condições, porque os tratamentos de quimioterapia são muito debilitantes. Tratar melhor com menos efeitos secundários", explica Sandra Tavares.
Através da simulação de pequenos tumores em laboratório, avalia os mecanismos moleculares que desencadeiam a expansão acelerada do tumor (metásteses) para identificar as proteínas envolvidas e combater esse processo.
Doutoramento, pós-doc nos EUA, especializada em neurociência, docente, está a constituir o seu grupo de investigação. "Este prémio mostra o mérito do trabalho que temos desenvolvido. Fui a premiada, mas este é um trabalho de equipa e dá-nos visibilidade", diz a cientista, que já recebeu outros prémios.
Estuda os circuitos do cérebro envolvidos em repostas a estímulos, que podem ser naturais ou químicos, como as drogas. "O objetivo é perceber se existe um perfil, que tanto pode ser genético como funcional, que permita distinguir quais são os neurónios que respondem a estímulos naturais, e que devem ser preservados, e como se diferenciam daqueles que respondem aos estímulos não naturais como drogas de abuso. E usá-los como alvo para modelarmos os comportamentos relacionados com a adição, para utilizar como terapias", explica Carina Cunha.
Identificando esses neurónios, é possível "reverter o fenótipo de adição" causado pela exposição às drogas. "Os indivíduos que têm respostas de adição fazem de tudo para obter a substância de abuso, o que se deve ao facto de haver uma desregulação do circuito do cérebro que torna aquela substância tão valorizada; tudo o resto, como a comida, não tem valor", sublinha. São neurónios envolvidos nesse processo os alvos de tratamento e não o cérebro como um todo.
Acaba de formar oficialmente o seu grupo de investigação, depois de um pós-doc em Portugal. Também desenvolveu investigação na Escócia e em Espanha, país em que teve o primeiro contacto com as doenças raras. Entende que o prémio foi fundamental para concretizar o objetivo de qualquer cientista: ter a sua equipa. O trabalho em rede permite-lhe ter acesso a uma amostra importante de células de pacientes com doenças raras, o que não aconteceria se ficasse por Portugal. Por exemplo, trabalha numa doença onde são conhecidos 23 casos no mundo e têm oito linhas de pacientes no laboratório.
O objetivo da investigação premiada é perceber qual é a influência da divisão das células na formação de cérebros mais pequenos do que o esperado. "Estou a olhar para as doenças raras como um todo e aquelas que têm em comum a microcefalia (cérebro pequeno), para tentar perceber se há algo em comum. As alterações na maquinaria que controla a divisão celular podem causar síndromes e muitos têm em comum a microcefalia. Porque é que existe esta associação não é muito claro e, para uma pessoa que estuda a mitose (divisão das células), é curioso verificar que proteínas são importantes para a divisão das células. Porque é que o cérebro é tão sensível a estas alterações, mais do que as outras células do corpo humano?", descreve.
Um tratamento ainda está difícil de alcançar. "Ainda sabemos tão pouco que este conhecimento pode abrir portas para perspetivas que nunca tínhamos previsto, como olhar para as doenças raras como um todo, perceber se existem mecanismos afetados em comum. Por exemplo, o processo de divisão celular também está muito alterado no cancro e há drogas do cancro que poderiam ser utilizadas nas doenças raras, mas ainda estamos muito longe disso".
É doutorada, estuda a dieta alimentar e os movimentos migratórios das aves. Encontra-se atualmente na Guiné-Bissau, onde tem desenvolvido investigação desde o início do doutoramento, que terminou em 2018. Estudara ecologia das aves e as suas interações com os ecossistemas costeiros, principalmente no Arquipélago dos Bijagós. Este prémio significa "reconhecimento, mas também um apoio e motivação para continuar a fazer investigação". E "aproxima o público geral dos investigadores", argumenta Edna Correia.
Na investigação no Estuário do Tejo, pretende estudar a difícil coabitação entre as aves aquáticas (como cegonhas, íbis ou patos)e a produção de arroz, até para avaliar os prejuízos, o que nunca foi feito. "Os produtores de arroz têm a perceção de que as aves têm impacto no retorno económico da produção, mas é preciso compreender e quantificar esse impacto. Calcular o potencial prejuízo causado pelas aves é um dos meus objetivos".
Pretende que a investigação contribua para solucionar aqueles dois conflitos de interesse. "A conservação da biodiversidade depende necessariamente da manutenção de zonas naturais e é muito importante garantir que não desapareçam. No entanto, uma vez que têm vindo a diminuir, muitas vezes pela expansão das áreas agrícolas, é necessário compreender se estas podem funcionar como habitat alternativo para as aves, desempenhando pelo menos parte das funções ecológicas das áreas naturais. Para isso, é crucial implementar medidas de gestão que garantam uma coexistência equilibrada entre as aves e os produtores de arroz".
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