Num memorando enviado pelo senador Ben Nighthorse Campbell ao presidente norte-americano, este conta que se encontrou com mulheres de líderes da oposição da Bielorrússia presos, mortos ou desaparecidos em circunstâncias misteriosas. "Eleições presidenciais livres e justas são um passo fundamental para que a Bielorrússia progrida e acabe com o seu isolamento autoimposto", lembrava o senador sobre o país liderado desde 1994 por Alexander Lukashenko. A missiva foi enviada a George W. Bush cerca de dois meses antes do 11 de Setembro, o que é revelador sobre a natureza do regime e a incapacidade da comunidade internacional em influenciar esta antiga república soviética..Na segunda-feira, a polícia ucraniana encontrou num parque de Kiev o corpo de Vitaly Shishov, jovem ativista desaparecido horas antes, e disse que, apesar de estar enforcado, iria investigar a hipótese de homicídio. Shishov dirigia a organização não governamental Casa da Bielorrússia na Ucrânia, cujo trabalho passava por ajudar outros como ele a fugirem do país natal..Membros da organização disseram que Shishov era seguido e foram avisados quer por ucranianos quer por bielorrussos que poderiam vir a sofrer represálias como o sequestro e inclusive a morte. Os seus companheiros não têm dúvidas em afirmar que se tratou de uma operação dos serviços de segurança, o KGB. A líder da oposição bielorrussa no exílio, Svetlana Tikhanovskaya afirmou que "os bielorrussos não estão seguros no exterior", no que foi secundada pelo presidente do Parlamento Europeu. David Sassoli declarou que "o facto de os ativistas bielorrussos estarem a ser perseguidos em países terceiros é uma grave escalada"..Twittertwitter1422509384849055746.Na capital ucraniana centenas de pessoas reuniram-se em frente da embaixada da Bielorrússia, tendo ouvido a companheira de Shishov apelar para uma revolta. "Não vamos conseguir nada com um processo pacífico. Larguem os cartazes e peguem em armas!", clamou..Por parte do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas leu-se uma mensagem mais ponderada. "Esperamos que as autoridades ucranianas conduzam uma investigação exaustiva, imparcial e eficaz sobre o que aconteceu e vejam se se tratou de um suicídio, se foi um assassínio comum ou se existe uma relação com o seu ativismo", disse a porta-voz da instituição, sem traçar uma ligação direta entre o regime de Lukashenko e a morte de Shishov..Maria Hurtado lembrou, todavia, que "a situação está a deteriorar-se claramente" e manifestou-se preocupada com a situação no país. "Vimo-lo na semana passada com a intimidação contra organizações da sociedade civil e contra jornalistas e a dissolução de dezenas de organizações da sociedade civil na Bielorrússia e o assédio a qualquer dissidência. Isto tem de acabar", disse Hurtado..O governo bielorrusso ordenou no dia 23 a dissolução de 47 organizações não governamentais e associações, em setores que vão da defesa dos direitos humanos ao jornalismo, como a delegação da associação de defesa de escritores PEN, a associação de jornalistas bielorrussos, ou uma escola de negócios em Minsk. Para Alexander Lukashenko, que na véspera anunciara que a "limpeza continua", as ONG são "bandidos" e "agentes estrangeiros"..Lukashenko foi reeleito pela quinta vez em agosto de 2020, mas ao movimento pacífico de contestação o regime autoritário respondeu com repressão e milhares de detenções. A repressão provocou um êxodo, com muitos bielorrussos a deixarem o país para a Ucrânia, onde os bielorrussos são a segunda maior minoria a seguir aos russos, bem como para os seus vizinhos bálticos Polónia e Lituânia..A morte de Shishov ocorreu depois do escândalo levantado pela atleta bielorrussa Krystsina Tsimanouskaya. A velocista disse que foi forçada a retirar-se dos Jogos Olímpicos de Tóquio por criticar a federação de atletismo, tendo a sua denúncia resultado numa ação em que o Comité Olímpico Internacional e as autoridades japonesas proporcionaram condições para que esta não regresse ao seu país, no qual temia pelo seu destino. A Polónia concedeu-lhe um visto humanitário..Atleta bielorrussa é a mais recente dissidente do regime de Lukashenko.O chefe do KGB, Ivan Tertel, queixa-se de que a Ucrânia, a Polónia e os estados Bálticos operam "centros de informação e operações psicológicas" apoiados pelos EUA para "isolar" Minsk. E perante as novas sanções europeias decorrentes da prisão do jornalista Protasevich, Lukashenko cumpriu a ameaça de permitir a entrada de traficantes de seres humanos e de traficantes de droga na Europa. A Lituânia, que antes detetava umas 70 pessoas a cruzar de forma ilegal a fronteira com a Bielorrússia, recebeu mais de 3000, quase todos oriundos do Iraque e da África subsaariana. "É um ataque híbrido orquestrado pelo regime de Lukashenko", denunciou o presidente lituano Gitanas Nauseda..O destino de alguns políticos e ativistas..Vitaly Shishov Aos 26 anos, dirigia uma ONG que ajudava os exilados, a Casa da Bielorrússia, na Ucrânia. Desapareceu quando foi correr e horas depois foi encontrado enforcado num parque..Vitold Ashurok Condenado, em janeiro, a cinco anos de prisão por participar nos protestos pós-eleitorais, morreu em maio, na prisão. Os familiares receberam o corpo com a cabeça ligada e foi-lhes dito que o ativista, de 50 anos, morrera de ataque cardíaco..Sergei Tsikhanovsky e Svetlana Tsikhanovskaya O marido, conhecido pelo ativismo nas redes sociais, viu a candidatura presidencial abortada após ter sido preso em maio do ano passado, ao que Svetlana decidiu concorrer e tornar-se na maior figura da oposição. Após as eleições de 9 de agosto, exilou-se na Lituânia..Viktor Babaryko Renunciou à administração de um banco para concorrer às eleições, mas viu a candidatura rejeitada. Depois foi preso e condenado a 14 anos de prisão por corrupção e evasão fiscal..Maria Kolesnikova A diretora da campanha de Babaryko juntou-se a Tsikhanovskaya e, depois do ato eleitoral, foi das vozes mais inconformadas. Está em prisão preventiva a aguardar julgamento..Krystsina Tsimanouskaya A atleta deveria ter participado nos Jogos Olímpicos, mas teve ordem para voltar para Minsk porque havia criticado a equipa técnica. Denunciou a situação e obteve visto humanitário da Polónia..Roman Protasevich Causou furor a forma como o regime bielorrusso prendeu este jornalista, de 26 anos, em maio, ao enviar um avião de caça intercetar um voo comercial que seguia da Grécia para a Lituânia..Andrei Sannikov Foi vice-MNE no início do regime de Lukashenko, mas demitiu-se e fundou uma associação de direitos humanos, Carta 97. Candidato em 2010, acabou preso e condenado. Perdoado em 2012, obteve asilo político em Inglaterra..Aleh Byabenin Diretor do site noticioso da Carta 97, fez parte da equipa de campanha de Sannikov. Foi encontrado em casa enforcado, três meses antes das eleições..Nikolai Statkevich Candidato às eleições de 2010, acabou preso e condenado a seis anos de prisão por liderar protestos. Voltou a ser preso em 2020, depois de mostrar apoio a Tsikhanosvky e à sua mulher..Anatoly Lebedko Foi um dos primeiros e mais vocais opositores de Lukashenko, tendo sofrido, além de penas de prisão, violência física..Aleksandr Milinkievic Ganhou a Lebedko as primárias do Congresso das Forças Democráticas, em 2006, para depois concorrer às presidenciais, onde obteve 6%, e a partir daí conta com várias detenções..cesar.avo@dn.pt