Morreu o dramaturgo e ator Sam Shepard
O dramaturgo, argumentista e ator norte-americano Sam Shepard morreu no domingo, dia 30, em sua casa, no Kentucky. Tinha 73 anos e escreveu mais de 40 peças de teatro, além de outros textos. Shepard morreu na sequência de complicações da esclerose lateral amiotrófica, doença de que sofria há vários anos.
Ganhou um Prémio Pulitzer para Drama, em 1979, pela sua peça Buried Child, e esteve nomeado para o Óscar de Melhor Ator Secundário pela sua interpretação do piloto Chuck Yeager em The Right Stuff (1983), realizado por Philip Kaufman.
Nascido a 5 de novembro de 1943, Samuel Shepard Rogers III começou por se dedicar à agricultura, como o seu pai, mas foi seduzido pelo mundo das artes (a música, as artes visuais, o teatro, a literatura) e deixou o Illinois para se estabelecer em Nova Iorque, trabalhando com companhias off-off Broadway, como por exemplo o Theatre Genesis. Cowboys, The Rock Garden e La turista, esta uma alegoria sobre a Guerra no Vietname, foram as primeiras peças de teatro que escreveu, na década de 1960. Entre 1966 e 1968 ganhou seis Obie Awards (que são os prémios do teatro off-Broadway). Estreou-se a escrever para o cinema em 1969 com Me and My Brother, filme de Robert Frank.
Um habitué do Chelsea Hotel, rapidamente se integrou na cena psicadélica Nova Iorque. Em 1969, a sua peça de ficção científica The Unseen Hand iria influenciar o espetáculo musical de Richard O'Brien The Rocky Horror Show.
Sam Shepard e Patti Smith conheceram-se na Village Gate, onde ele tocava bateria com a banda Holy Modal Rounders. Nessa altura, tinha 26 anos e já tinha escrito 20 peças, incluindo La Turista e The Unseen World. Shepard era casado com O-Lan Johnson (de quem se divorciou só em 1984), mas apaixonaram-se e passaram muito tempo juntos no Chelsea Hotel. Juntos escreveram e interpretaram Cowboy Mouth, uma peça de teatro e rock que se estreou no American Place Theatre a 29 de abril de 1971 (apenas um mês antes, ele tinha estado naquele mesmo palco com a mulher a fazer The Mad Dog Blues).
"Estávamos apenas a tentar falar de dois sonhadores que se encontraram mas que estavam destinados a ter um fim triste", contou Patti Smith nas suas memórias. "Era a verdadeira história de Sam e eu. Sabíamos que não poderíamos ficar juntos. Ele iria voltar para a sua mulher e eu continuaria a minha vida."
Em Shepard a arte imitava a vida, constantemente. Mas naquele momento foi demais para ele. Algumas semanas depois, abandonou o projeto para se juntar à banda, em Vermont. Depois disso, instalou-se com a mulher e o filho em Londres e só voltou aos Estados Unidos em 1975. "Não resultou porque o embrulho era demasiado emocional", explicaria mais tarde à sua biógrafa, Don Shewey. "Subitamente, percebi que não queria exibir-me daquela maneira, representando a minha vida em palco. Era como estar num aquário."
Outra das suas colaborações importante nesse período foi com Bob Dylan, tendo chegado a integrar a digressão Rolling Thunder Revue.
Em 1975, Sam Shepard foi nomeado dramaturgo residente no Magic Theatre, em São Francisco. É desse período a famosa "trilogia da família": Curse of the Starving Class (1976), Buried Child (1979) e True West (1980). Seguiram-se outras peças importantes, como Fool for love (1983) e A Lie of the Mind (1985). Sam Shepard mostrou uma América negra, onde a família não era um porto de abrigo.
Em Portugal, Loucos por Amor (Fool for Love) tem sido uma das suas peças mais representadas. Em 1990, João Lourenço encenou-a no Teatro Aberto, com Luísa Salgueiro, Virgílio Castelo, António Filipe e Rudolfo Neves. Em 2003 foi a vez de Ana Nave a encenar, no Teatro Nacional D. Maria II, com interpretações e Catarina Furtado, Marco Delgado, Pedro Laginha e Rui Morrisson.
A peça decorre num pequeno e claustrofóbico quarto de um motel na margem do deserto Mojave, onde se encontram May e Eddie, um casal enredado num amor louco mas difícil, entre mentiras e ódios. Sam Shepard escreveu Loucos por Amor pouco depois de se ter separado da sua mulher O-Lan e ter iniciado o seu relacionamento com a actriz Jessica Lange. Numa carta ao seu colaborador, Joe Chaikin, Shepard explicou que se tratava do "resultado de todo este sentimento tumultuoso por que tenho passado este último ano... é uma peça muito emocional e embaraçante mas ao mesmo tempo é necessário para mim testemunhá-lo".
Muitas das suas peças foram adaptadas ao cinema. Foi ele também que escreveu, com L.M- Kit Carson, o argumento de Paris, Texas, o filme de Wim Wenders (1984).
Shepard começou a sua carreira como ator em Dias do Paraíso (1978), de Terrence Malick, ao lado de Richard Gere e Brooke Adams:
[youtube:b03ammhkuxE]
Mas muitos se lembrarão dele em Ligações Quentes, de Robert Altman (1985) ou em Diário de uma Morte Anunciada, de Robert Allan Ackerman (1994). Recentemente, entrou em Bloodline, série de plataforma Netflix. Never here, filme de Camille Thoman exibido em junho passado no Festival de Cinema de Los Angeles, foi a mais recente participação de Sam Shepard em cinema.