Morreu Aida de Jesus, chef e uma das últimas falantes de patoá de Macau
Em criança, Aida de Jesus cresceu a ouvir português nas ruelas de Macau e a falar patoá com a avó em casa. Com a sua morte, aos 105 anos, desaparece uma das últimas falantes deste crioulo macaense que mistura português, cantonês, malaio, cingalês, mas também tem influências do inglês, tailandês, japonês e algumas línguas da Índia. Com o seu desaparecimento, restam apenas, segundo dados da UNESCO, cinco dezenas de falantes daquela que é conhecida como a "língua dos cristãos" ou a "língua doce de Macau", tornando-a numa língua ameaçada de extinção.
"Todos os meus amigos morreram, já ninguém fala comigo patoá", confessava Aida de Jesus ao jornal paquistanês Dawn em 2011. Na altura, a macaense ainda trabalhava no Riquexó, o restaurante da família, ajudando a servir feijão com arroz à brasileira, peixe cozido à portuguesa ou choi sum chineses. Segundo a família, morreu agora de causas naturais - um coração e pulmões fracos - no Centro Hospitalar Conde de São Januário, onde foi internada na segunda-feira.
A Dona Aida, como era simplesmente conhecida, era o que se pode chamar uma chef famosa. Pelo menos à escala de Macau - e também de Hong Kong. À sua cozinha de fusão aliava-se o sorriso acolhedor para receber o cliente no Riquexó, mesmo já centenária. "Diria que a cozinha macaense foi a primeira cozinha de fusão", explicou há uns anos à BBC Sonia Palmer, uma das filhas de Aida (tinha outra filha, Carolina, e um filho, Manuel António), hoje com 77 anos. Esta fusão, tal como o patoá, resultou dos casamentos dos portugueses com mulheres chinesas e de outras partes da Ásia. "As mulheres tentavam cozinhar os pratos que os maridos cresceram a apreciar em Portugal. Mas na altura em Macau não tinham os ingredientes necessários, por isso substituíam-nos por ingredientes asiáticos. Assim nasceu a cozinha de fusão."
E quando há quatro décadas abriu o Riquexó, a "madrinha da cozinha macaense", como também era conhecida Aida de Jesus, foi pioneira - antes disso este tipo de pratos era feito apenas em casa.
Resultados das deambulações pela Ásia dos portugueses naquele século XVI, o patoá foi classificado pela UNESCO em 2009 como língua "em perigo crítico" de extinção. Os especialistas garantem que em Macau só restam uma mão-cheia de falantes deste crioulo macaense, aos quais se juntam umas poucas dezenas de falantes espalhados pelo mundo através da diáspora.
Gonçalo Lobo Pinheiro conta ao DN como apesar de só ter estado com ela três vezes recorda Aida de Jesus como "uma pessoa de sorriso fácil, muito dócil. Gostava de conversar e tinha muito para conversar..." O fotógrafo sublinha o "privilégio" que foi "conhecer, fotografar e conversar com a Dona Aida de Jesus, como carinhosamente a chamavam" E garaante: "Era - e continua a ser - referência da comunidade e gastronomia macaenses".
Desde que o território foi devolvido por Portugal ao controlo da China, em 1999, e reforçou o seu estatuto de capital do jogo, o patoá perdeu ainda mais força. "Quando eu andava na escola, não gostavam que nós falássemos patoá porque achavam que não era português verdadeiro", explicou há dois anos Sonia Palmer, que vê o português como a sua língua materna.
O patoá nasceu no século XVI quando os portugueses começaram a desenvolver o comércio e casamentos mistos na região que é hoje Macau. Este crioulo foi encorajado como forma de criar mais falantes de português. Sem Dona Aida, fica ainda mais ameaçado.