A 26 de julho foi noticiado que o desembargador Hélio Lima, do Tribunal do Paraná, sul do Brasil, decidiu manter nas redes sociais uma publicação do jornalista norte-americano Glenn Greenwald a chamar Sergio Moro de "corrupto". A decisão passou quase despercebida na imprensa porque foi só mais uma de consecutivas derrotas recentes de Moro no palco em que um dia foi chamado de "herói" e chegou a "superministro": a justiça. Aos 50 anos, celebrados hoje, o lugar dele nas salas de tribunal deixou de ser o de juiz implacável e passou a ser o de réu comum. Resta-lhe o que sobra da carreira política..Acusado, como empresário, de sonegação, como juiz, de parcialidade e de lesar o Estado, e, como candidato, de fraude eleitoral, Moro vive hoje o reverso do sucesso alcançado em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff, quando foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do planeta. "Os brasileiros chamam-no de Super Moro, entoando o seu nome pelas ruas do Rio como se ele fosse uma estrela do futebol", escrevia a revista norte-americana naquele ano..Dias antes da decisão no Paraná, o juiz Dmitrios Varellis, de São Paulo, rejeitou um pedido de Moro para suspender um inquérito que corre contra ele e a mulher, Rosângela Moro, por fraude na transferência do domicílio eleitoral. O ex-juiz e a advogada fizeram a transferência para concorrerem nas eleições de outubro por São Paulo ao Congresso Nacional, usando como provas a morada de um hotel na maior cidade brasileira onde passaram algumas noites e consultorias prestadas remotamente a uma empresa paulistana..Noutro tribunal, Moro tornou-se réu, em abril, de uma ação popular movida por deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) na justiça do Distrito Federal. Os parlamentares pedem que o ex-juiz seja condenado a ressarcir os cofres públicos por prejuízos causados à petrolífera estatal Petrobras pela sua atuação na Lava Jato. Argumentam que o outrora juiz teve "condutas atentatórias ao património público e à moralidade administrativa", cometendo "excessos e abusos" que produziram "um cenário de desarranjo económico de altíssimo custo social" ao Brasil..A ação surge na sequência da revelação, através de um hacker, de troca de mensagens de Moro com procuradores daquela operação, onde o juiz orientava o Ministério Público, aconselhava a acusação e encobria eventuais envolvidos. E após a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, de junho de 2021, de declarar Moro parcial no caso do triplex do Guarujá, cujo alvo era o antigo presidente Lula da Silva, do PT. O caso tornou Lula inelegível e abriu caminho à vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2018, de quem Moro se tornaria "superministro" da Justiça e da Segurança até sair do governo, em choque frontal com o atual presidente, em abril de 2020..Depois dessa saída, Moro foi contratado pela consultora norte-americana Alvarez & Marsal, da qual recebeu 3,7 milhões de reais [cerca de 700 mil euros] num ano para, entre outras atribuições, ajudar na recuperação judicial da mesma construtora, a Odebrecht, que condenou na Lava-Jato. Entretanto, em fevereiro deste ano, o procurador Lucas Furtado, ligado ao Tribunal de Contas, pediu o bloqueio de bens de Moro por sonegação de impostos em relação aos pagamentos recebidos da Alvarez & Marsal..Fora da política, portanto, o futuro não é risonho para Moro, segundo Vinícius Vieira, cientista político da Fundação Armando Álvares Penteado. "Ele teria a opção de fazer um instituto mas já há muitos centros de estudo respeitados na área da criminalidade, por isso dificilmente teria projeção, na área jurídica, ao usar os expedientes que usou na Lava Jato, tornou-se um pária nessa comunidade, não só entre juristas à esquerda, e do ponto de vista académico não seria bem visto como professor, depois de juristas sérios detetarem erros de lógica e até de português na sua tese". "Em resumo, resta-lhe recolher ao Paraná e ser aquilo que muitos inimigos lhe vaticinavam, um juiz de paróquia", conclui..A política, aonde chegou a jurar jamais se aventurar e acabaria por entrar em 2018 pela mão de Bolsonaro, de cujo governo saiu acusando o presidente de interferir em benefício próprio na polícia federal, é, pois, a única opção..Mas também aí cometeu erros em série. "A aliança com Bolsonaro foi um erro, se ele tivesse sido candidato a presidente em 2018 talvez fosse eleito", afirma Vinicius Vieira. "Ele perdeu o comboio da história ao ser arrastado pelo tanque de Bolsonaro e atropelado por esse tanque, já que Bolsonaro, com muito mais seguidores do que Moro, mesmo perdendo a eleição, continuará a ser o principal polo da direita, ou extrema-direita, brasileira"..Voltado do período como consultor nos Estados Unidos, retomou a carreira política a meio de 2021 com a filiação ao Podemos e o anúncio da pré-candidatura à presidência da República. Numa sucessão de passos em falso, entretanto, o ex-ministro de Bolsonaro saiu do pequeno Podemos, que tinha a seus pés, para o mais forte União Brasil, que acabaria por lhe vetar os desejos presidenciais. Tentou então chegar ao Congresso via São Paulo, objetivo vetado pela justiça, para acabar como candidato a Senador no Paraná, o estado onde nasceu há exatos 50 anos.."Sem a magistratura e ameaçado de processos, ele agora precisa de imunidade parlamentar", diz Vieira. "Tem boas oportunidades de ser eleito mas como político de nicho, um nicho de direita preocupado com a corrupção e a lei e ordem, sem pensar nas condições socioeconómicas que levam as pessoas ao crime"..Mas, caso seja eleito, Moro partilhará a bancada do União Brasil, por exemplo, com Fernando Bezerra e Fernando Bezerra Filho, ambos acusados de receber subornos de construtoras envolvidas na Lava Jato, Arthur Maia, outro alvo da operação, Danielle Cunha, filha de Eduardo Cunha, ex-deputado cuja ação se tornou sinónimo de corrupção, ou Anthony Garotinho, político do Rio de Janeiro preso quatro vezes na carreira..dnot@dn.pt