Mísseis caem em Lviv quando Biden dizia na Polónia que Putin não pode seguir no poder

Presidente norte-americano alertou a Rússia para o risco de entrar "um único centímetro em território da NATO" e avisou que esta batalha será longa.
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Poucos minutos depois de o presidente dos EUA, Joe Biden, começar o seu longo discurso em Varsóvia, voltaram a ouvir-se explosões em Lviv. Foi o segundo ataque do dia contra esta cidade no oeste da Ucrânia, a 80 km da fronteira com a Polónia, que foi poupada no primeiro mês de guerra e se tornou num porto seguro para 400 mil deslocados. Na capital polaca, Biden disse que o mundo tem que se preparar para uma longa batalha, avisou a Rússia para o risco de entrar "um único centímetro em território da NATO" e alegou que Vladimir Putin "não pode continuar no poder".

No final da visita de dois dias à Polónia, na qual se encontrou com soldados dos EUA e visitou refugiados ucranianos, Biden fez um discurso no Castelo Real de Varsóvia para uma plateia de cerca de mil pessoas onde lembrou a longa luta contra o comunismo na Guerra Fria. "Emergimos novamente na grande batalha pela liberdade, uma batalha entre a democracia e a autocracia, entre liberdade e repressão", referiu. "Nesta batalha, precisamos de estar lúcidos. Esta batalha não vai ser ganha em dias ou em meses. Temos que nos fortalecer para a longa luta pela frente", acrescentou.

Biden disse ainda que os argumentos de Putin referentes à necessidade de "desnazificar" a Ucrânia são "obscenos" - lembrando que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é judeu e alguns dos seus familiares morreram no Holocausto. O presidente norte-americano repetiu a ideia de que a invasão serviu para unir o Ocidente, lembrando que nesse aspeto esta guerra já é um "fracasso estratégico" para a Rússia. Dirigindo-se aos ucranianos disse: "Estamos com vocês". E aos russos afirmou: "Vocês não são o nosso inimigo".

Sobre a NATO, Biden lembrou que os EUA estão comprometidos com a proteção dos aliados e avisou Putin para que não pense em entrar no território da Aliança Atlântica. Reiterando que a Ucrânia não é membro da NATO, deixou claro que "as forças norte-americanas não estão na Europa para entrar em confronto com as forças russas", mas estão "para defender os aliados da NATO".

No final do seu discurso de quase 30 minutos, Biden pareceu sair do guião pré-preparado. "Por amor de Deus, este homem não pode continuar no poder", disse. A Casa Branca defendeu depois que o presidente não estava a apelar a uma mudança de regime em Moscovo, alegando que estava apenas a dizer que Putin "não pode exercer o seu poder sobre os vizinhos na região". Ainda assim, as declarações não ficaram sem resposta do Kremlin. "Isto não é algo que possa ser decidido por Biden. Só pode ser a escolha do povo da Federação Russa", disse o porta-voz Dmitry Peskov.

Já antes o Kremlin tinha respondido a outra tirada de Biden. Depois de ter chamado Putin de "criminoso de guerra" e de "ditador assassino", o presidente dos EUA apelidou o homólogo russo de "carniceiro" durante um encontro com refugiados. O porta-voz respondeu, citado pela agência TASS, que tais comentários reduzem as perspetivas de restabelecimento dos laços entre os dois países.

Antes de discursar, Biden esteve reunido com o chefe da diplomacia ucraniana, Dmitro Kuleba, e com o titular da Defesa, Oleksiy Reznikov, prometendo-lhes o "apoio continuo" dos EUA em matéria "humanitária, de segurança e economia". Washington prometeu mais cem milhões de dólares em ajuda, enquanto o Canadá e a União Europeia anunciaram planos para uma recolha de fundos para ajudar os refugiados, que culminará numa conferência de doadores a 9 de abril. Na Polónia, Biden admitiu não ter a certeza de que a Rússia tenha mudado de estratégia na Ucrânia. Na véspera, as autoridades russas indicaram que a primeira fase das operações estava terminada e que Moscovo ia concentrar os esforços na libertação do Donbass.

Quando Biden já discursava, os mísseis russos voltaram a cair em Lviv. A cidade, onde estão muitos jornalistas e diplomatas ocidentais, tem sido poupada aos ataques. No dia 18 de março, mísseis atingiram uma fábrica que repara aviões próximo do aeroporto da cidade, mas a situação tinha estado normalmente calma. Até ontem.

Num primeiro ataque, os mísseis atingiram um depósito de combustível e causaram ferimentos em pelo cinco pessoas. Depois de um segundo ataque, o presidente da câmara de Lviv, Andriy Sadovyi, disse haver "danos significativos nas infraestruturas", mas não houve vítimas. Em nenhum dos ataques foram atingidos edifícios residenciais, como já ocorreu noutras cidades ucranianas. A região de Lviv acolhe atualmente cerca de 400 mil deslocados internos, segundo os dados oficiais.

O governador da região de Kiev, Oleksandr Pavlyuk, disse entretanto que as forças russas assumiram o controlo de Slavutych, uma localidade onde vivem os trabalhadores da central nuclear de Chernobyl (palco em 1986 do maior acidente nuclear do mundo). Os habitantes da cidade saíram à rua em protesto, tendo os russos libertado o presidente da câmara, Yuri Fomichev. "Fui libertado. Tudo está bem, dentro do possível quando se está sob ocupação", disse à AFP.

O ex-presidente russo, Dmitry Medvedev, deu uma entrevista à agência estatal RIA Novosti, brandindo a ameaça nuclear. Lembrou que a Rússia é uma potência com o maior número de armas nucleares estratégicas no planeta. "Naturalmente, ninguém está a ameaçar ninguém (...) há umas semanas, as forças de dissuasão nuclear foram postas em alerta máximo. Foi uma mensagem simples para que qualquer país que tente interferir com a política externa russa saiba o que esperar", disse Medvedev.

O vice-presidente do Conselho de Segurança lembrou depois as quatro circunstâncias em que o país pode recorrer às armas nucleares. "Primeiro é o lançamento de mísseis nucleares balísticos para atacar o território russo. Segundo é o uso de armas nucleares ou outras armas de destruição em massa por um adversário contra o território russo ou os seus aliados. O terceiro tem a ver com um ataque contra infraestruturas críticas que resultam na paralisação das nossas forças de dissuasão nuclear. E finalmente, a quarta, é quando um ato de agressão é cometido contra a Federação Russa ou os seus aliados - seja com armas nucleares ou convencionais - que ameaça a própria existência do estado", referiu.

Dias antes, o porta-voz do Kremlin tinha recusado numa entrevista à CNN descartar o uso de armas nucleares, alegando que "se houver uma ameaça existencial ao nosso país, então podem ser usadas". As declarações de Peskov foram consideradas "perigosas" e criticadas pelos EUA. "Não é a forma em que uma potência nuclear responsável deve atuar", disse o porta-voz do Pentágono, John Kirby.

susana.f.salvador@dn.pt

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