Militares continuam sem saber porque não foram alertados pelo MP e pela PJ

Informação de que a PJ sabia do assalto em preparação foi dada em Tancos, numa reunião em que o Presidente da República exigiu ver esclarecida essa questão.
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As Forças Armadas continuam a desconhecer, um ano após o furto aos paióis de Tancos, porque não foram avisadas pelo Ministério Público (MP) nem pela Polícia Judiciária (PJ) que se previa um assalto a quartéis num raio de 60 quilómetros em torno de Leiria.

Isso foi afirmado por diferentes fontes militares ouvidas nesta semana pelo DN, tanto no ativo como já fora das fileiras.

A informação de que o MP e a PJ sabiam antecipadamente do que se preparava foi transmitida a 4 de julho de 2017, numa reunião em Tancos que juntou responsáveis políticos, militares e policiais - e na qual o Presidente da República exigiu que esse ponto fosse esclarecido, asseguraram as fontes.

Nessa reunião, cinco dias após o Exército ter divulgado a ocorrência do caso, participaram o Presidente da República, o ministro da Defesa, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), o comandante do Exército e os diretores da PJ e da PJ Militar (PJM).

Quem revelou nessa reunião que a PJ sabia estar em preparação um assalto a instalações militares, num raio de 60 quilómetros de Leiria e não informou as Forças Armadas, foi o diretor da PJM - o que levou o diretor nacional da PJ a dizer que desconhecia e iria averiguar, contaram as fontes.

Note-se que esse facto foi abordado semanas depois no Parlamento pelo deputado Carlos Costa Neves (PSD), como sendo algo que se falava mas "ninguém confirma nem ninguém desmente".

Ora, esse é precisamente um dos aspetos relacionados com o furto de Tancos que Marcelo Rebelo de Sousa exige ver esclarecido perante os portugueses - e disse-o nessa reunião. Esse pormenor, como o DN então noticiou, "deixou possesso" o então CEMGFA, general Pina Monteiro.

Mais de um ano após os acontecimentos, assinalado com nova mensagem presidencial a exigir o esclarecimento dos factos, altas patentes no ativo e fora das fileiras ouvidos nos últimos dias pelo DN garantiram que até hoje desconhecem o porquê de o MP e a PJ terem optado por não os informar.

Daí haver fontes militares a questionar porque é que quem pede cabeças e assunção de responsabilidades militares e na Defesa - o CDS exigiu a demissão do ministro Azeredo Lopes - não o faz com quem há meses tinha e guardou a informação sobre o possível furto do material de guerra em redor de Leiria.

Aliás, fontes ouvidas na altura pelo DN sublinharam que o Presidente da República - tendo aquela informação - não limitava a sua exigência de apuramento de responsabilidades - "doa a quem doer" - aos militares mas também aos civis (MP e PJ). Belém escusou-se então a comentar este ponto.

Fontes da PJ ligadas à investigação escusaram-se a falar sobre o caso ao DN, insistindo apenas que a instituição, quando foi informada da ocorrência, colocou alguns dos seus melhores operacionais à disposição da PJM para ajudar no que fosse necessário - o que, se não nega a existência de choques entre as duas instituições, permite admitir que a Judiciária aceita a existência da PJM.

A PJM tem competência específica na investigação dos crimes estritamente militares e competência reservada para a investigação de crimes cometidos no interior das instalações militares - como parecia ser o caso de Tancos.

Mas o MP, após a revelação do furto nos paíóis pelo Exército a 29 de junho, invocou estar em causa um crime terrorista e transferiu a investigação para a PJ - que procurou obter autorizações de escutas através do MP no Norte, em Leiria e depois Lisboa, segundo fontes ligadas ao processo.

Seguir-se-iam choques e desentendimentos ao longo das semanas seguintes e que, há dias, levaram Marcelo Rebelo de Sousa a afirmar que "nenhuma questão envolvendo a conduta" da Judiciária e da PJM "poderá prejudicar" o conhecimento do que se passou.

Um desses choques ocorreu em outubro passado, quando a PJM "recuperou [...] o material de guerra furtado" em Tancos na região da Chamusca após receber um telefonema anónimo e sem avisar a PJ.

O anterior governo PSD-CDS equacionou integrar a PJM na PJ, intenção que acabou não avançar mas tem sido apontada como uma das explicações para os atritos e desconfianças entre as duas instituições.

Esse mau ambiente terá sido um dos temas das conversas que o diretor nacional da PJ, Luís Neves, teve nesta semana com o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e com o almirante Silva Ribeiro, sucessor de Pina Monteiro no cargo de CEMGFA.

Esses encontros informais e rápidos ocorreram à margem de uma conferência na Academia Militar, após o Expresso noticiar no sábado que o MP afirma existir material de guerra furtado em Tancos nas mãos de desconhecidos - e que isso contraria as garantias dadas por Azeredo Lopes e pelo chefe do Exército, general Rovisco Duarte, de que tudo tinha sido recuperado.

Isso justificou nova nota presidencial e levou o ministro a ser ouvido novamente sobre o caso na terça-feira, a pedido do PSD. Azeredo Lopes negou conhecer quaisquer discrepâncias entre as listas de material furtado e do que foi recuperado, dizendo que se baseara na "informação oficial" que lhe tinha sido transmitida.

Já aprovadas mas ainda por agendar estão as audições das secretárias-gerais dos sistemas de informações e da segurança interna (a pedido do PS), bem como do general Rovisco Duarte (requerido pelo CDS).

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