A série é um dos maiores êxitos na história da TV Globo. De 1996 a 2002, e com mais quatro episódios lançados em 2013, Sai de Baixo foi um exemplo de como é possível fazer-se muito com pouco. O simulacro da sala de estar de um apartamento era o palco onde tudo acontecia diante de uma plateia. Caco Antibes (Miguel Falabella), um indivíduo da classe média com mentalidade burguesa e intolerante, entrava em cena e começava logo a implicar com quem quer que lhe aparecesse à frente..Podia ser a airosa sogra, Cassandra (Aracy Balabanian), o tio Vavá (Luis Gustavo), a esposa Magda (Marisa Orth), conhecida por não dever muito à inteligência, o porteiro Ribamar (Tom Cavalcante) ou a empregada - que começou por ser Edileuza (Cláudia Jimenez), depois foi substituída por Neide Aparecida (Márcia Cabrita), e mais tarde por Sirene (Cláudia Rodrigues). Na gíria de Caco, "tudo gente pobre". Cada episódio dependia quase exclusivamente da dinâmica e da personalidade de cada um..Passado tanto tempo sobre o final da série, as personagens principais voltam a reunir-se, agora no grande ecrã, para fazer as delícias dos fãs. O filme é assinado por Cris D'Amato, realizadora que, nas palavras de Marisa Orth, deixou o elenco muito à vontade na sua tendência para a espontaneidade e a improvisação: "Muita piada foi inventada na hora. Eu só pensava 'meu Deus, isso não vai colar depois na montagem', mas ficou muito interessante, muito orgânico.".A atriz, que interpreta a ingénua Magda, confessou ainda que no momento de regressar à personagem sentiu "uma afliçãozinha, um medo de que tivesse perdido a Magda, o jeito de fazer... Mas quando nos juntámos todos, ela veio com facilidade, porque são personagens referenciais - a família é uma personagem." Miguel Falabella confirma: "Quando finalmente conseguimos nos juntar foi muito agradável, e é muito feliz revisitar essas personagens.".Com um guião que começou por ser escrito pelo ator brasileiro, mas que, segundo o próprio, ficou inutilizado perante o tumulto do improviso, Sai de Baixo - O Filme coloca a sua tribo paulista, pela primeira vez, numa aventura fora da sala de estar do apartamento. Caco Antibes acaba de sair da prisão e, na primeira oportunidade, mete-se de novo num esquema de corrupção em que é incumbido de transportar uma mala com diamantes para fora do Brasil - o que ele não sabe é que Magda tem a mesma missão, e outra mala com diamantes. Dentro de um autocarro conduzido pelo porteiro Ribamar tudo pode acontecer....Falou-se aqui em corrupção? "O Brasil é isso. É uma realidade que nós vivemos quotidianamente. Cada dia que me sento para tomar o café e abro o jornal tenho vontade de chorar. É o país do descalabro. E quanto mais se escava, mais se vai descobrindo absurdos. Cada vez é mais difícil rir, porque é muito aterrador o que nós vivemos no Brasil. É desumano... E, na verdade, eu acho que o Brasil precisa de se encontrar, porque está polarizado, é um país com muitos ódios... Nós precisamos de falar, e atualmente não falamos a mesma língua. Tem de haver um meio-termo, um encontro das águas para que a gente siga num rio melhor", desabafa Falabella com amargura, ao mesmo tempo que reconhece que a comédia continua a ser um género temido, "ela diz as coisas"..No caso de Sai de Baixo, diz com "realismo selvagem e violento", sublinha Marisa Orth, acrescentando que "faz as pessoas pensarem sobre a sua indiferença... Eu chamo até de comédia punk. Quero ter alguma esperança e achar que o podre está vindo à tona, está-se dando nomes aos bois e as pessoas estão-se assumindo"..A certa altura, no filme, Caco lança um dos seus típicos pensamentos, em autoparódia: "Se eu não tivesse nascido no Brasil, não estava a fazer Sai de Baixo, estava a fazer The Game of Thrones!" Pedimos à estrela desta Hollywood de pé descalço que nos esclarecesse a força do comentário da personagem, e foi assim: "O Caco é aquele que, como se diz no Brasil, come feijão e arrota peru. Obviamente ele é um desgraçado, não tem onde cair morto, mas mostra uma empáfia, uma arrogância... Essa brincadeira com o cinema é porque realmente trabalhamos em condições muito difíceis. Nós fizemos esse filme em três semanas, tudo correndo. Se você pensar num filme americano... Essas brincadeiras são uma forma de dizer 'olhem as condições em que nós trabalhamos', mas que não nos impedem de fazer.".Parceiros na série, Miguel Falabella e Marisa Orth são também bons amigos atrás das câmaras. Ele adora fazer comédia, sobretudo em cima de um palco, e ela dá prioridade às boas personagens: "A Magda é um baita personagem! Eu nunca pensei aqui em fazer comédia. Como estudei Psicologia, pensei nela como uma lesão cerebral: uma pessoa com o intelecto rebaixado, que tem a sexualidade aumentada... Então faço a personagem com verdade [ao dizê-lo, a atriz encarna o papel], ela fala um absurdo com fé, entendeu?".E este talento feminino foi descoberto pelo próprio Falabella, numa longínqua noite em que o ator foi assistir a uma interpretação da peça A Criança Enterrada, de Sam Shepard: "Tinha uma velha na peça que eu fiquei impressionado por não conhecer, só pensava 'que mulher maravilhosa, quem é essa velha?' Fui conhecê-la e, de repente, vem uma menina!" Era Marisa Orth. Tinha 23 anos.