Cinco meses depois do Tribunal Constitucional (TC) ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados", que determinava a conservação pelas operadoras dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal, nem a Procuradoria-Geral da República (PGR), nem a Polícia Judiciária (PJ), revelam qual foi o impacto nas investigações em curso ou concluídas até essa data, nem quantos processos já foram arquivados..O TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, "restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa"..Na altura em que foi conhecido o acórdão de 19 de abril, juízes, procuradores, polícias temiam que esta decisão pudesse por em causa milhares de processos (cibercrime principalmente, mas também terrorismo, raptos, crime organizado, tráfico de droga e armas, corrupção, branqueamento de capitais, por exemplo) quando na base da incriminação do suspeito tivessem estado estas informações obtidas das operadoras, o que, de acordo com os vários interlocutores ouvidos pelo DN, constituíam a prova de grande parte dos inquéritos.."Bomba nuclear, "devastador", "catastrófico", "terramoto", "trágico", foram algumas das expressões utilizadas. Os metadados permitem saber, entre outros, a identidade do utilizador do telefone ou computador, duração e destino das chamadas e localização dos intervenientes..De acordo com fontes do Ministério Público (MP), o Gabinete do Cibercrime da PGR terá solicitado aos procuradores que comunicassem casos de que tivessem conhecimento, mas não é conhecido o resultado..Questionada pelo DN, a PGR remete para a a posição que assumiu no seu parecer à proposta de lei do Governo. "Relativamente a essa matéria, de referir apenas que o Conselho Superior do Ministério Público pronunciou-se no âmbito do processo legislativo respeitante à Proposta de Lei 11/XV/1", responde a porta-voz da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago..Idêntica linha segue a PJ, não respondendo ao pedido do DN sobre se já tinha sido calculado o número de processos comprometidos..Em maio, conforme noticiou o DN, o diretor nacional, Luís Neves, chamou à sede da PJ para uma reunião de urgência todos os dirigentes das unidades nacionais e responsáveis pelas diretorias e departamentos regionais, para fazerem em conjunto uma análise das consequências da decisão do TC..Luís Neves não tinha ainda uma estimativa sobre o número de inquéritos que podiam cair se lhes fosse retirada a informação dos metadados. "Terá de ser visto caso a caso. Há muitos inquéritos que não precisam dessa informação ou podem ser concluídos com base noutras provas. Pedi a todos os dirigentes que tivessem isso em conta", frisou..Esta foi uma das ordens que saiu da reunião com todos os altos dirigentes da PJ. Todos os inquéritos deveriam ser analisados e verificado se os metadados são um elemento essencial de prova..Outra medida tomada foi a criação de um despacho determinando que as informações sobre as comunicações de suspeitos passem a ser requeridas aos tribunais (e estes às operadoras) ao abrigo da lei 41/2004, e não a 32/2008, chumbada pelos juízes do Palácio Ratton..Este diploma permite às operadoras guardarem, para efeitos comerciais, os metadados dos clientes e veio depois a estar na base da proposta de lei do governo, que vai ser discutida na especialidade, juntamente com projetos de lei do PSD e Iniciativa Liberal, para permitir às polícias o acesso a estes dados sem por em causa as razões invocadas para a inconstitucionalidade..O debate contará com a audição, nesta quinta-feira, de Luís Neves, o primeiro a ser ouvido pelo Grupo de Trabalho (GT) da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, especialmente criado para o efeito, coordenado pelo deputado social-democrata Coelho Lima..Até 12 de outubro, haverá audições com o Presidente da ANACOM, a Provedora de Justiça, o vice-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo - OSCOT, o Gabinete do Cibercrime da PGR e a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados.."As audições que terão lugar resultam dos requerimentos apresentados pelos partidos, sendo as, por estes, consideradas necessárias para a obtenção dos esclarecimentos e contributos com vista à introdução das alterações que compete ao Parlamento fazer. Naturalmente que a expectativa que todos temos, mas que particularmente o país tem, é que este GT, constituído exclusivamente para análise desta complexa questão, possa contribuir para alcançar uma solução que obtenha o necessário conforto constitucional sem pôr em causa o trabalho dos órgãos de polícia criminal", assinala Coelho Lima..A proposta do Governo prevê o acesso às bases pelas polícias de investigação criminal de dados mantidas pelas operadoras no exercício da sua atividade comercial..O projeto de lei do PSD, por seu lado, "prevê a retenção dos dados em Portugal ou na União Europeia, a notificação dos interessados e reduz o prazo de conservação [12 semanas] em conformidade com o princípio da proporcionalidade" que foi levantado pelo TC, como salientou o deputado Paulo Mota Pinto.