A lista de nomes começa em Adelino e termina em Vasco, pelo meio existem dois trios de António e Manuel e outros de que a história foi esquecendo após terem participado no grande conflito em que milhares de soldados portugueses perderam a vida nas frentes de batalha da Grande Guerra do século XX..Eduardo Pimenta é um dos nomes desta lista que o autor de A Grande Guerra por Quem a Viveu retrata através do testemunho publicado em 1919, intitulado A Ferro e Fogo: Na Grande Guerra (1917-1918). Nasceu no Porto, era médico e foi para Moçambique como médico do Exército. Ou Manuel da Costa Dias, que nasce na Madeira e combaterá em França, tendo escrito Flandres - Notas e Impressões publicado em 1920. Mas há muitos mais depoimentos nesta recolha que evoca essa época, com histórias inesperadas e uma grande quantidade de fotografias que permitem observar o ambiente do conflito um século após o seu fim..O que ficou em falta nas publicações portuguesas que evocaram o centenário da Grande Guerra?.Creio que ainda falta publicar testemunhos inéditos de militares que participaram na guerra e que permanecem inéditos, alguns na posse das famílias. Veja-se como exemplo o diário do general Tamagnini, do maior interesse e relevância, dado o cargo que desempenhou no CEP. Mas sei que existem muitos outros cuja publicação seria importante. De igual modo surgiram estudos a nível concelhio e até de freguesia sobre os militares dali naturais que participaram na guerra. É um trabalho que pode e deve continuar..As investigações portuguesas foram suficientes ou surpreenderam-no mais as estrangeiras?.Todas elas cumprem objetivos específicos. Mas também destacaria estudos portugueses que foram feitos com o recurso a documentação existente em arquivos estrangeiros. No caso da guerra na Europa é óbvio, mas também sobre a guerra em Angola e em Moçambique..Na introdução reproduz uma frase de António Dias: "As mais das vezes a voz do povo tem o cunho da verdade." Essa afirmação é verdadeira em face dos relatos que consultou?.O que o autor pretende significar é que os testemunhos populares podem estar isentos do partidarismo, do interesse egoísta e do artificialismo que podemos encontrar nos que foram produzidos por pessoas com outro tipo de protagonismo... Não sei se será assim....Houve à época preocupação em deixar registada a participação portuguesa?.Sem dúvida. Mesmo antes de o conflito terminar, em 1918, já se publicavam livros de militares portugueses nos quais descreviam as suas experiências nos campos de batalha. Nos anos seguintes, saíram dezenas de livros contemplando as três frentes de combate, num ritmo que foi abrandando com o tempo mas que se manteve mesmo até aos anos sessenta do século XX e mesmo com a publicação de algumas obras cujos autores deixaram expressa a intenção de serem impressas só postumamente..Mais por parte de oficiais ou de soldados?.Os testemunhos são maioritariamente de oficiais e muito raramente de sargentos e de praças..Que depoimento destaca neste conjunto?.As obras são muito desiguais no plano literário mas todas elas valiosas como testemunho humano. Destacaria as memórias de Jaime Cortesão, dos irmãos Américo e Carlos Olavo, de André Brun, de Augusto Casimiro e de Carlos Selvagem..Além do testemunho que outros géneros literários existem sobre o conflito?.Um pouco de tudo, para além da literatura autobiográfica - memórias e diários - encontramos ficção, poesia, teatro, crónicas, etc. Sem esquecer aquela literatura puramente militar, os relatórios e as monografias de unidades..E o humor existe nestes testemunhos?.Mesmo num quadro de horror, para mais com a dimensão da Grande Guerra, os militares encontraram tempo para fazer humor, por vezes com situações que seriam pouco inspiradoras. Como exemplo, cito o livro O Bom Humor no CEP (Lisboa, Tipografia da LCGG, 1944, 104 páginas), de Mário Afonso de Carvalho, especificamente dedicado ao tema, mas podemos encontrar em muitas outras obras relatos e referências de carácter humorístico..Além do anticlericalismo existem outros ismos?.Não há muitas referências ao anticlericalismo nestes depoimentos. No livro A Cruz na Guerra, do padre Avelino de Figueiredo, até encontramos um certo antirrepublicanismo, por se tratar de um sacerdote hostil à República..Que testemunhos ficaram de fora destes 36?.A seleção deixou de fora muitos outros depoimentos. Cito como exemplos: Eduardo Augusto de Faria, Eugénio Carlos Mardel Ferreira, João Brás de Oliveira, João Maria Ferreira do Amaral, Joaquim António Pereira, José Augusto Alves Roçadas, Manuel Benjamim Rodrigues Coelho, Mário Afonso de Carvalho, Manuel Hermenegildo Lourinho, Ernesto Moreira dos Santos, Luís Ferreira, Artur Patrício....Qual a sua opinião sobre as decisões políticas de então que nos levaram a fazer parte do primeiro grande conflito em que as forças armadas portuguesas participaram no século XX?.É uma questão complexa que incide, por um lado, sobre as razões que levaram Portugal e empenhar-se na guerra europeia - a defesa das colónias não motivou grandes controvérsias - e, por outro, sobre a forma como participámos. Com um exército mal-preparado, mal equipado, deficientemente comandado, com falhas enormes no campo da logística... As coisas não podiam ter corrido bem. Contribuiu para o agudizar da crise económica e política e foi, sem dúvida, uma das razões da queda da I República.."Vinte anos depois, novo conflito iria eclodir, ainda mais sangrento e destruidor." A humanidade não faz caso da história e repete-se nos erros segundo refere na introdução. É culpa do historiador?.Os historiadores, melhor ou pior, procuram estudar os conflitos e as suas origens. Não tomam decisões, que competem aos políticos. Estes cedem frequentemente ao imediato, ignoram ou não valorizam as raízes profundas dos conflitos que, frequentemente, são recorrentes, terminam hoje para recomeçar amanhã....Este é um dos raros livros em que o seu tema de eleição, a maçonaria, não está presente de forma clara....Não havia uma relação direta, embora vários dos autores fossem maçons. No entanto, está para sair um livro meu intitulado A Maçonaria Portuguesa e a Grande Guerra, em que analiso a posição das duas Obediências maçónicas portuguesas então existentes perante o conflito..A Grande Guerra por Quem a Viveu.António Ventura.Editora Temas e Debates, 383 páginas