Marisa concorda com Pedro Nuno, não com Costa

Candidata bloquista separou águas entre o socialista ministro das Infraestruturas, que defendeu separação entre liberais e esquerda, e o socialista primeiro-ministro, que tem defendido "frente progressista" com liberais de direita.
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É uma feira como tantas feiras, como quase todas as feiras. Para Marisa Matias, é uma procissão demorada, feita de abraços e beijinhos, e olás que se prolongam num livro de queixas por cada pessoa que interpela a candidata do Bloco de Esquerda às eleições europeias, esta quarta-feira de manhã em Famalicão.

Não é de agora que as pessoas se queixam, constata Marisa Matias, perante as questões dos jornalistas sobre um eventual desgaste da governação socialista, apoiada pela esquerda parlamentar. "Na realidade, já vêm de há muito tempo estas queixas", nota a eurodeputada bloquista. "É perfeitamente compreensível", acrescenta. Para insistir que as pessoas "têm memória", do "corte de pensões", "a lei de Cristas dos despejos" e pobreza que cresceu quando da austeridade.

"Ainda não se conseguiu fazer o suficiente, muito está por fazer", admite Marisa Matias, parecendo poupar o executivo socialista - até que de Famalicão se viajou para a Europa. E aí a bloquista separou as águas entre o socialista Pedro Nuno Santos, que defendeu uma separação entre liberais e a esquerda, e o socialista António Costa, que tem defendido uma "frente progressista" que vai do Presidente francês Emmanuel Macron ao primeiro-ministro grego Alexis Tsipras.

Sem querer meter a foice em seara alheia, a do debate interno do PS, Marisa Matias, foi taxativa: "Concordo com o que disse Pedro Nuno Santos, que é preciso uma linha divisória muito clara entre liberais e socialistas, sim." Para logo admitir que não sabe "o que está na cabeça de António Costa, que tem estado a trabalhar nesta aliança bizarra com liberais de direita, que defendem a antítese do que foi a política em Portugal".

Pedro Nuno Santos, na noite de terça-feira, num comício em Aveiro, deixou a provocação ao seu PS: "O que ganhou o movimento socialista europeu com uma aproximação ao centro, com uma adesão ao liberalismo, com uma indiferenciação face ao centro-direita?" A resposta é a hecatombe dos socialistas por toda a Europa.

É este também o raciocínio de Marisa Matias. "Não sei qual é a jogada de António Costa", insistiu a candidata bloquista, para finalmente reconhecer que a tal "aliança bizarra" "terá implicações quer no Parlamento Europeu, quer a nível nacional".

Em dia de sondagem, que aponta para o facto de os portugueses quererem o PS a governar com a esquerda. "Percebemos que as pessoas sabem as melhorias que tiveram nas suas vidas", com a geringonça. Essas melhorias, nota Marisa, "foram possíveis por causa da esquerda".

Estas políticas contrariaram Bruxelas, nota a candidata, para puxar as eleições europeias para o debate. "Bruxelas está-nos sempre a dizer que não podemos aumentar salários e pensões. As pessoas lembram-se dos tempos do anterior governo PSD/ CDS, insiste, para avisar que "o caminho" atual tem de ser "aprofundado".

Na feira, há folhetos do PS, da CDU e do PSD, de quem passou antes pelo recinto, e nem todos gostam da passagem desta comitiva do BE. Há a senhora que se queixa da reforma ou o "combatente do Ultramar", que recusa ser "ex-combatente", que acusa tudo e todos por causa da morte de 47 homens no mato na Guiné-Bissau e ninguém fez nada por eles e pelos que sobreviveram. "O Jerónimo de Sousa esteve connosco na Guiné em 1969 e lá não abre a boca", atira. "É uma vergonha", repete-se, e quase faz exasperar (é mesmo dela) Marisa Matias. "Estão três pessoas na fila para falar comigo, deixe-me responder." O homem suspira: "Ao menos desabafei agora."

Pela feira, há mais quem aplauda, "ó menina, é uma menina que vai longe", quem lhe saia ao caminho, "é a Marisa Matias?!, pois é", quem lhe ofereça ananás, "é coisa boa", quem lhe peça para falar ("quem pode marcar uma reunião com este senhor?", pergunta a candidata) e quem lhe deseje felicidades, "ai meu amor, vamos com deus, boa sorte do coração". E há quem olhe para Mariana Mortágua, sempre discreta ao lado da candidata, e lhe tire a pinta. "Aquela de camisa, é que os f*** a todos." A caravana segue esta quarta-feira do Norte para o Sul.

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