Marianne: Valls envolve figura da República na polémica do burquíni

Historiadora chama "imbecil" ao primeiro-ministro e lembra que representação da República é uma "alegoria" que não tem nada a ver com a forma como as mulheres se vestem.
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"Marianne tem o peito descoberto porque é uma alegoria, imbecil!" Foi desta forma que a historiadora Mathilde Larrère reagiu no Twitter às palavras de Manuel Valls sobre a figura feminina que simboliza a República francesa. Minutos antes, na rentrée do PS francês em Colomiers, perto de Toulouse, o primeiro-ministro, transpirando, exclamava: "Marianne tem o peito nu porque alimenta o povo, não usa véu porque é livre." Não a referiu diretamente, mas a alusão à polémica do burquíni estava subjacente às suas palavras.

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Historiadora das Revoluções, Mathilde Larrère não hesitou em corrigir o chefe do governo, recordando-lhe que Marianne, mais do que uma mulher, é "uma alegoria do século XIX". Antes de se propor contar uma "pequena história do peito de Marianne". E foi isso que fez, tweet após tweet, começando por lembrar que a primeira alegoria feminina da República data de 1792, três anos depois da Revolução Francesa. Para tal, foram buscar as anteriores alegorias da Liberdade - daí o barrete frígio, usado na tomada da Bastilha mas originário da Ásia Menor. Segundo a historiadora, o peito de fora não passa de um "código artístico". E Larrère recorda ainda que a figura no quadro de Eugène Delacroix A Liberdade Guiando o Povo - pintado em 1830 para assinalar a revolução de julho desse ano - é "uma Liberdade e não uma República" - "Eugène não era republicano".

Só 18 anos mais tarde a república francesa lançou um concurso para a representação do regime. Nessa altura surgem duas Mariannes - a Marianne austera, bem-comportada, peito coberto e cabelo apanhado, representada muitas vezes sentada, e a Marianne revolucionária, cabelo solto, barrete frígio, arma na mão e peito à mostra. Ambas convivem ou alternam consoante a evolução da República francesa. "Claro que o que está em causa é a imagem que queremos dar da República e de forma alguma o que se quer dizer das mulheres", remata Larrère.

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Com os partidos já a pensar na campanha para as presidenciais 2017, esta rentrée tem sido marcada pela polémica do burquíni, o traje de banho muçulmano que alguns presidentes de câmara franceses proibiram nas suas praias. Uma decisão que o Conselho de Estado suspendeu, por considerar que "viola as liberdades fundamentais".

Em pleno debate sobre esta questão, as palavras de Valls sobre Marianne não escaparam às críticas. Nem entre os socialistas. É o caso de Benoît Hamon. O ex-ministro da Educação de Valls e agora candidato às primárias socialistas denunciou uma "diversão um pouco ridícula" por parte do chefe do governo, que comparou a Marine Le Pen (a líder da Frente Nacional, de extrema-direita) e a Nicolas Sarkozy, ex-presidente candidato às primárias da direita. Sarkozy já prometeu que se regressar ao Eliseu procurará banir o burquíni.

Ainda na esquerda, o eurodeputado Jean-Luc Mélenchon, fundador do Partido de Esquerda e também candidato presidencial, atacou os "hipócritas da laicidade". E Cécile Duflot, candidata à primária dos Ecologistas, lembrou que "Marianne, com o barrete frígio, também tem a cabeça coberta".

A direita preferiu não comentar, à exceção do também presidenciável Henri Guaino, para o qual se tratou de uma "gafe".

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