Maria Luís Albuquerque convidou arguido nos vistos gold para secretário de Estado

António Figueiredo esteve na calha para, em dezembro de 2013, substituir Hélder Rosalino na equipa liderada pela então ministra das Finanças. Polícia Judiciária diz que o arguido ludibriou as secretas
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António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado, recebeu em dezembro de 2013 um convite para integrar o governo da coligação PSD-CDS, numa altura em que já era investigado por suspeitas de corrupção no caso dos vistos gold. O seu nome esteve na linha da frente para substituir o então secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino. Todo o processo foi acompanhado pelas escutas telefónicas.

Quando a 17 de novembro de 2014, o juiz Carlos Alexandre interrogou a antiga secretária-geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes, já acusada de dois crimes de corrupção e um de tráfico de influências, a arguida descreveu o tipo de relação que tinha com António Figueiredo (acusado de 11 crimes, entre os quais corrupção passiva, tráfico de influências e branqueamento de capitais), chegando a dizer que tinha por ele "admiração", já que Figueiredo era um dirigente da administração pública muito conceituado. É então que Carlos Alexandre intervém: "Como a senhora sabe, ele até foi convidado para secretário de Estado da Administração Pública, convite, aliás, que declinou", comentou o magistrado, com base em escutas.

Maria Antónia Anes corroborou a versão, acrescentando: "Na altura, a ministra da Justiça [Paula Teixeira da Cruz] pediu-me o número de António Figueiredo, dizendo que a ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque] queria falar com ele. Depois, o António ligou--me." E foi assim que Maria António Anes soube do convite feito.

Não foi só a antiga secretária-geral do Ministério da Justiça a estar a par do convite. A 26 de dezembro de 2013, António Figueiredo, a caminho de uma reunião com Maria Luís Albuquerque, revelou ao empresário chinês Zhu Xiaodong - acusado de um crime de corrupção ativa e outro de tráfico de influência - que não iria aceitar o convite.

Figueiredo enganou o SIS?

Mas, além dos contactos políticos, a investigação da Unidade Nacional contra a Corrupção da Polícia Judiciária (PJ) bateu de frente com as ligações de António Figueiredo aos serviços de informações. Em junho de 2014, depois de a revista Sábado ter noticiado a existência da investigação aos vistos gold, os inspetores da PJ fotografaram o então diretor do SIS, o juiz desembargador Horácio Pinto, e outros elementos do serviço de informações a entrarem para o edifício dos Registos e Notariado, no Campus da Justiça, em Lisboa. Um deles carregava uma mala, normalmente utilizada para detetar escutas. Numa primeira fase, a investigação ficou convencida de que o Serviço de Informações e Segurança estaria a ajudar António Figueiredo. Porém, quando foi ouvido em novembro de 2014, o arguido disse que o SIS estava a investigar um espião russo que queria ter acesso a informações dos registos e notariado. E que, por isso, foi realizado um varrimento eletrónico no gabinete.

Em meados de 2014, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República (SIRP) garantiu, em comunicado, que a ação dos "espiões" no gabinete de Figueiredo não foi ilegal e enquadrou-se numa ação de "contraespionagem". Ou seja, de acordo com o órgão fiscalizador, a versão de António Figueiredo até parecer ser a mais correta.

Testemunhos recolhidos no processo dos vistos gold deram, porém, outra versão à Judiciária. João Rodrigues, vogal do conselho diretivo do IRN, declarou aos investigadores que António Figueiredo nunca partilhou consigo nenhuma suspeita sobre a ação do suposto espião russo. Carlos Brito, outro vogal da direção do IRN, também contou que a única preocupação expressa por António Figueiredo estava relacionada com o facto de o seu telemóvel estar sob escuta, isto depois de ter sido revelada publicamente a existência da investigação. Segundo este vogal da direção, o ex-presidente até pedia aos colegas para deixarem os telemóveis fora do seu gabinete, deixando também o seu aparelho com a secretária. Figueiredo, segundo este depoimento, alegava que, mesmo desligado, o telemóvel poderia servir como aparelho de escuta.

Ora, recolhidos todos estes elementos, os inspetores da UNCC concluíram que António Figueiredo simulou perante Horácio Pinto a existência de "escutas ambientais no seu gabinete por parte de um espião ao serviço de um país estrangeiro, conseguindo assim ilegitimamente" que o SIS "efetuasse um varrimento no seu gabinete, garantindo-lhe que não existiam escutas de que pudesse estar a ser alvo", lê-se no relatório final da UNCC ao caso dos vistos gold.

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