Como é que chegou à coordenação deste estudo? Foi um processo mais ou menos natural. Muitas destas pessoas trabalham comigo há algum tempo, na área da monitorização e avaliação ecológica de águas doces. A ideia nasceu para tentar perceber de uma forma mais global como é que estão os rios em termos ecológicos e como é que está essa monitorização ecológica - e depois o mais importante que é a reabilitação e a recuperação destes ecossistemas. Cada um de nós trabalha nos seus países, vamos fazendo colaborações em conjunto, e temos mais noção do que se passa na Europa ou na América do norte, onde a monitorização ecológica está implementada de uma forma mais regular e abrangente. Por exemplo, todos os países que estão na União Europeia têm que a fazer, desde que foi publicada a diretiva-quadro da água, no ano 2000..E que implica exatamente o quê? Significa que os países europeus tiveram que implementar a monitorização dos rios com base nas suas comunidades aquáticas, nas plantas, as algas, em tudo o que faz parte do ecossistema..Mas há países no mundo que não o fazem... Há países em que nós sabemos que há alguma investigação nesta área. Eu colaboro regularmente com colegas da Austrália e Nova Zelândia e sabemos que esse processo está desenvolvido, avançado, mas outros em que isso não acontece. Em África ou na América do Sul sabemos que há alguns estudos pontuais, mas não tem sido feita uma implementação pelos governos. Mesmo que haja alguma legislação nesse sentido... não é implementada. Por várias razões, não apenas económicas..Este vosso estudo - que aponta para a fraca qualidade ecológica - demorou quanto tempo a fazer? Foi todo o ano de 2020. Começámos há um ano, por esta altura, e o estudo foi agora publicado..Qual foi a grande conclusão que daí retiraram? O nosso principal objetivo foi perceber como é que estava a ser implementada a monitorização e a restauração ecológica, o que tentámos fazer com a colaboração de peritos nesta área em todo o mundo. O que posso afirmar neste momento é que a monitorização está francamente implementada, e os nossos resultados são muito relativos, por serem com base naquilo que existe. É verdade que esta rede contempla 88 países mas não é o mundo inteiro. Mas podemos realmente concluir que há uma perda de biodiversidade muito grande, nomeadamente em países onde temos dados mais consistentes: Coreia, Nova Zelândia, Austrália, Europa, América do Norte. Noutros países temos menos dados ecológicos e mais físico-químicos (uma monitorização mais antiga) e que dá para ver que a água está poluída, mas não dá para ver ainda o efeito nas comunidades..Destaquedestaque"Temos feito alguma recuperação ao nível da poluição da água, com as estações de tratamento, mas continua a haver bastantes descargas poluidoras, nomeadamente de indústrias.".E qual será a vossa próxima etapa? Será reunir dados e trabalhá-los mais concretamente de uma forma mais transversal. Para já reunimos mais de 400 artigos. Na Europa é mais fácil, porque a Comissão Europeia reúne esses dados dos países, mas noutros casos está muito dispersa e nós tentámos reunir toda essa informação e compilá-la. Do que vimos, em países desenvolvidos onde nos incluímos, mais de metade das massas de água não estão em bom estado ecológico. Há países que deixaram de implementar a monitorização ecológica ao nível nacional, como a Austrália e o Canadá, que agora têm programas mais dispersos. Não quer dizer que não o façam..Mas isso tem a ver com a própria organização do país? E não só. Tem a ver também muitas vezes com o facto de não serem prioridades políticas. É também para isso que queremos chamar a atenção. Pôr isto na agenda política - perceber a monitorização no estado real, regular, e depois atuar..E, nesse ranking, como é que está Portugal? Nós temos feito uma monitorização ecológica com os elementos biológicos obrigatórios na diretiva-quadro da água (os peixes, as algas, as plantas e os invertebrados). Temos uma informação bastante boa e completa do estado dos rios. Mas tal como em toda a Europa, cerca de metade das massas de água não cumprem o bom estado ecológico. Ou seja, não atingem o bom estado em todos estes elementos. Não quer dizer que noutros não estejamos melhor, mas como é um cruzamento de informação....Mas comparativamente a outros países, ao resto da Europa, como é que está Portugal nessa matéria? Por exemplo, o norte da Europa tem problemas graves ao nível da eutrofização da água (contaminação da água com nutrientes), mais do que nós em Portugal. E isso leva a uma classificação ainda pior da qualidade ecológica. No entanto, Portugal, em comparação com outros países europeus, está muito atrasado na implementação da recuperação dos rios, na restauração ecológica. Aí temos feito muito pouco, e é preciso investir muito nesse campo. Não basta todos os anos dizer que está mal e depois não avançar. Temos feito alguma recuperação ao nível da poluição da água, com as estações de tratamento, mas continua a haver bastantes descargas poluidoras, nomeadamente de indústrias..Qual é o impacto das descargas no ecossistema dos rios? Depende de qual é a sua origem. Tem sempre um impacto nestas comunidades. Em zonas onde as descargas são poluentes teremos uma grande eliminação das espécies. Há uma perda de diversidade biológica e isso leva a uma perda de diversidade no funcionamento do ecossistema. Por exemplo, os invertebrados, são muito importantes. Alimentam-se, por exemplo, das árvores que rodeiam os rios, que formam os corredores ripícolas, e muitas vezes essa vegetação é cortada ou substituída por árvores exóticas, que não são das zonas ripárias ou nem sequer ativas no país, e isso leva a que esses invertebrados desapareçam, e depois há menor alimento para continuar a cadeia trófica..Este vosso estudo especifica os rios em causa? Este não. Só falamos em países e damos exemplos de casos de estudo. Apesar de não termos muitos exemplos em Portugal, uma das medidas de reabilitação de rios que mencionamos é o caso do rio Mondego: o conjunto de passagens para peixes feitas no açude-ponte e outros açudes ao longo do rio permitiu aumentar muito a deslocação de peixes migradores entre montante e o mar. Mas para a Europa os dados são bastantes globais, e o que é referido são os dados que cobrem todas as bacias hidrográficas dos países da UE..Destaquedestaque"Para termos bons resultados na recuperação dos ecossistemas temos primeiro que pensar em objetivos ecológicos - e não estéticos ou económicos, como tantas vezes acontece.".E o que é que o poder político pode fazer com estas vossas conclusões? No final do estudo fazemos uma série de recomendações para que haja restauração ecológica destes ecossistemas. Uma boa forma é seguir essas recomendações, que passam por desenhar programas de medidas, mas que não seja com base em informação insuficiente ou medidas insuficientemente descritas. De uma forma geral, para termos bons resultados na recuperação dos ecossistemas temos primeiro que pensar em objetivos ecológicos - e não estéticos ou económicos, como tantas vezes acontece. Por exemplo, quando se pretende que um rio sirva um parque, ou que seja adaptado para evitar inundações, e isso normalmente leva a uma alteração ainda maior do ecossistema. Muitas vezes são valores económicos que regem a recuperação de uma zona ribeira, quando deveria existir uma avaliação ecológica antes de se fazer alguma coisa, para além da necessidade de uma monitorização posterior. Além disso, não se podem esperar resultados muito rápidos. Depois de anos de degradação não se pode esperar que por plantar umas árvores tudo vá ficar igual no momento. Tem que ser todo um conjunto de medidas para que resulte. Plantamos umas árvores na margem, mas se a água continua a vir poluída, fruto das descargas, não resolvemos a situação. Ou se retirarmos água constantemente em ribeiras que já têm pouca água, não resolvemos nada..Além desse conjunto de medidas, importa também sensibilizar a população? Sim, têm que ser medidas integradoras. E a parte da sensibilização - tanto dos decisores políticos como da população - é muito importante..Nos últimos anos demos muitos passos em Portugal no domínio da sensibilização ambiental. Parece-lhe que a questão dos rios não está aí incluída? Vamos dando alguns passos. Eu também tenho trabalhado com escolas e noto que é bom começar por aí, mas muitas vezes o trabalho que se tem feito é muito focado no lixo, na recolha, seleção e tratamento. Mas muito pouco na questão dos rios, no ensino de como é que um rio deveria ser. E essa é uma questão a que muitas vezes nem as crianças nem os adultos sabem responder. E depois não chega ir às crianças. Neste momento já é preciso atuar, e por isso sensibilizar os adultos, que são utilizadores nas suas empresas, nos campos agrícolas, nas suas casas. E é preciso dar formação técnica a quem está por exemplo nas câmaras, a trabalhar na gestão das linhas de água, etc.