Maria João Abreu mostra como são as "Boas Pessoas"
Maria João era pequena e lembra--se de brincar aos espetáculos: vestia as roupas da mãe, calçava uns sapatos de salto e punha-se ao espelho a inventar histórias ou então virava o alguidar no meio de quintal, fazia dele o seu palco e cantava as músicas do festival da canção para os meninos todos lá da rua. "Para mim o teatro sempre foi o teatro total: cantar, dançar, interpretar." Não admira que se tenha estreado como atriz num musical, Annie, com 19 anos, e que tenha começado a carreira pelo teatro de revista. "Mas depois senti necessidade de fazer outras coisas."
Mesmo se nas revistas ou na rua ainda há quem lhe chame "estrela da revista", a verdade é que Maria João Abreu é muito mais do que isso. É atriz. Só no ano passado pudemos vê-la no espetáculo Portugal à Gargalhada, de Filipe La Féria, na telenovela Mar Salgado e a interpretar Oscar Wilde no Teatro Maria Matos. "Acho que é importante fazer de tudo. Quanto mais diferente daquilo que é esperado, maior a minha vontade de fazer. Na nossa profissão, em todas as idades, estamos sempre a prestar provas, até a nós próprios. O meu objetivo é sempre superar-me."
Neste momento, com 51 anos, Maria João é Margarida, a protagonista de Boas Pessoas, o espetáculo que o Teatro Aberto estreou pouco antes do fim do ano, e que não é nem revista nem musical. A peça foi escrita por David Lindsay-Abaire e estreou na Broadway em 2011. Assim que viu a peça, João Lourenço tratou de comprar os direitos e decidiu entregá-la a duas mulheres: a encenadora Marta Dias e a atriz Maria João Abreu.
Esta é a terceira encenação de Marta Dias, 30 anos, depois de Pelo Prazer de a Voltar a Ver, de Michael Trembley (2012) e Vénus de Vison, de David Avis (2014), também no Teatro Aberto, onde está mais habituada a cumprir outras funções, como ser diretora de palco ou assistente de encenação. No fundo, o que ela gosta é de saber tudo sobre como se faz teatro. E até se atreveu a representar no espetáculo Amor e Informação, de Caryl Churchill com encenação de João Lourenço (2014), e tem a certeza que essa experiência a tornou uma melhor encenadora. Montar um espetáculo, diz, é "como se estivéssemos todos na cozinha a fazer uma refeição, e vamos provando e pondo mais sal ou mais doce, é preciso juntar todos os ingredientes".
Neste espetáculo, "os ingredientes eram todos muito bons", confessa. No elenco, além de Maria João encontramos Irene Cruz, Sílvia Filipe, Luís Lucas Lopes, Pedro Laginha e Leonor Seixas, entre outros. O cenário é de Catarina Barros e os figurinos de Dino Alves. As cores no palco acabam por contrastar um pouco com a vida dura das personagens.
"Esta peça é uma comédia triste", diz Maria João Abreu. Margarida é uma daquelas mulheres com que as outras mulheres facilmente se identificam. "É uma mãe solteira, lutadora, que está sozinha com uma filha deficiente e, como depende da ajuda de outras pessoas para tomar conta da filha, chega constantemente atrasada e está sempre a ser despedida dos vários trabalhos que vai tendo. A vida dela é uma busca incessante por um emprego e por uma vida melhor. É uma mulher muito orgulhosa, não quer que lhe deem nada, quer trabalhar e ter uma vida digna." Entretanto, reencontra-se com Daniel, um ex-namorado que conseguiu sair do bairro e é agora um médico, com uma vida boa. Mas tem outros problemas, claro. "É uma peça aparentemente divertida mas que não é nada superficial", explica a encenadora. "Fala dos nossos tempos, da nossa sociedade." O que é preciso para vencer na vida? Como é que as escolhas e a sorte determinam aquilo que somos? Quem são, afinal, as boas pessoas?