Marcelo e Costa de acordo contra novo estado de emergência
Quando o vírus da covid-19 chegou a Portugal, no início de março de 2020, foi o Presidente da República quem forçou um governo contrariado a viabilizar a instauração do estado de emergência. Marcelo quis e Costa foi obrigado a ir a jogo.
Depois, já no verão deste ano, foi também o Presidente da República quem, assumindo-se como estando "irritantemente otimista" - característica que o próprio gosta de atribuir ao chefe do governo - pressionou o governo para desconfinar o país, sustentando-se em razões económicas. Mais uma vez Costa foi a jogo - embora resistindo mais. E Marcelo foi também decisivo a pressionar um forte empurrão no processo de vacinação.
Agora, porém, face ao agravamento da situação pandémica, o Presidente da República e o primeiro-ministro revelam-se inteiramente em consonância: não é caso para se partir já para a instauração de um novo estado de emergência. Algo particularmente importante agora visto que o Presidente da República voltará a ter uma nova centralidade na política nacional (e na vigilância da ação governativa) dado o parlamento estar prestes (no fim do mês) a ser dissolvido. Com o decreto de dissolução, o plenário parlamentar (de 230 deputados) é substituído pela comissão permanente (de apenas 44) e, mais importante do que isso, o parlamento perde praticamente todos os seus poderes legislativos (mas mantendo o poder de aprovar decretos presidenciais do estado de emergência, se for caso disso).
António Costa disse na terça-feira que não vê com bons olhos, para já, a instauração, de novo, deste estado de exceção ("Não antecipo, sinceramente, que tenhamos que adotar medidas que impliquem um estado de emergência") e ontem foi o Presidente da República a dizer o mesmo: "Não. Novo estado de emergência, não", declarou o Presidente da República, à margem da 14.ª Cimeira da COTEC Europa sobre a "Transição para a Economia Intangível na Europa", em Málaga. "É possível constitucionalmente, mas em princípio não está em cima da mesa".
Marcelo lembrou que na última renovação deste estado de exceção "estávamos numas fasquias [de números da covid] que estão muito muito longe daquelas que estamos agora", pelo que apesar de os números da pandemia "não é uma questão que se coloque". E depois recordou que na próxima sexta-feira estará em mais uma reunião com especialistas médicos no Infarmed. "Em função daquilo que for exposto, no mesmo dia terei a audiência habitual com o primeiro-ministro e verei se haverá que adotar algumas medidas sobretudo nos casos em que as medidas estão a terminar o estado de vigência", afirmou, falando na possibilidade de ser obrigatório de novo o uso de máscara na rua, um passo que "no passado foi aprovado por via parlamentar" e que "agora será uma questão a apreciar".
O chefe de Estado recordou que novas iniciativas contra o aumento de contágios da covid-19 fazem parte da "iniciativa do governo", que "está em plenas funções, o parlamento também, uma vez que ainda não foi formalmente dissolvido". "O que eu disse ontem [terça-feira] foi que, se o governo tomar a iniciativa, eu não o deixo de acompanhar", assegurou.
A imposição do uso de máscara parece ser assim o caminho que, no curto prazo, o governo seguirá. Ontem a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, disse que o agravamento do número de casos diários de covid-19 deixa "evidente" que será necessário tomar mais medidas, ainda que não preveja restrições ao nível das adotadas no passado.
A governante ressalvou, no entanto, que as medidas só serão decididas após a reunião com os especialistas, prevista para sexta-feira. Questionada por jornalistas à margem do 1.º Fórum Portugal contra a Violência, que decorre na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, a ministra não se quis comprometer com medidas concretas a ser adotadas para fazer face crescimento de casos de covid-19 nem com restrições que possam vir a estar em vigor no período das festas de Natal e Ano Novo.
"Estão em cima da mesa as medidas que forem consideradas necessárias para não deixarmos crescer o número de casos. Face ao número de casos, temos hoje menos internamentos, menos mortos do que no passado tivemos com estes números. É preciso agora saber que medidas são necessárias. Não prevemos medidas com um nível e com a gravidade das que já foram tomadas no passado, porque a população está mais protegida, mas não deixaremos de tomar as medidas necessárias", afirmou.
Quanto ao conteúdo das medidas, explicou que "é preciso ouvir os especialistas". "Esse é um grande ganho que tivemos neste processo, que fez também os portugueses vacinarem-se de forma massiva, ao contrário do que aconteceu noutros países, o que nos coloca numa situação de maior proteção. Agora vamos ouvir os peritos face a esta situação, que medidas têm de ser tomadas, e tomaremos as medidas."
Entretanto, um outro governante, o secretário de Estado da Saúde, Diogo Serras Lopes, recordou que a máscara deve ser sempre usada mesmo que não haja nenhuma imposição legal que torne isso obrigatório.
"Não vejo qualquer motivo para não se usar máscara", afirmou, em espaços fechados ou no exterior, "num contexto em que os vírus continuam a circular e estamos em situação de pandemia", afirmou, falando com a Lusa durante uma visita que fez ontem aos hospitais de Abrantes e Torres Novas, no âmbito do 20.º aniversário do Centro Hospitalar Médio Tejo (CHMT) e na inauguração dos novos equipamentos de ressonância magnética e de TAC (tomografia axial computorizada) naquelas duas unidades de saúde.
Tal como Mariana Vieira da Silva, também este secretário de Estado admitiu a necessidade de "mais medidas" - mas também remetendo para uma reunião do Conselho de Ministros, ou seja, só depois de ouvidos os especialistas na reunião do Infarmed marcada para sexta-feira.