Marcelo e a sua família política

O centro-direita tem um dos seus na Presidência da República, tem poucas hipóteses de ir para o governo no curto prazo e tem as principais instituições ocupadas por socialistas, mas anda metido em conspirações a ver se arranja um candidato para enfraquecer Marcelo Rebelo de Sousa. Se isto não é a coisa mais estúpida que se pode fazer, anda lá muito perto.
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1. Sempre que começo um texto em que sei que vou utilizar termos como esquerda, direita e respetivos centros e extremos, sinto-me a entrar numa espécie de máquina do tempo. Os termos já tiveram conteúdo, já representaram alguma coisa, já dividiram águas. Agora deixaram de fazer sentido, estão ocos de significado. Continuamos a utilizá-los pela pior das razões: a preguiça. Preguiça de estabelecermos outros padrões, preguiça de utilizarmos alguns dos que já temos e que seriam mais apropriados, preguiça de lutar contra um ainda mais preguiçoso statu quo e a maior preguiça de todas: aquela que nos sugere umas gavetinhas para arrumarmos as ideias para não gastarmos muito tempo a pensar.

Bem sei que já escrevi isto aqui mil vezes. Preguiçoso ansioso me confesso, siga uma mão-cheia de termos que acabo de execrar.

2. António Costa quis tanto criar um facto político para desviar as atenções do enorme erro que tinha cometido que desconfinou as presidenciais antes do tempo.

Não é que o apoio de Costa à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa seja uma novidade. Soou, aliás, ridículo ver tantas pessoas chocadas com algo que já era óbvio para todos.

Sendo evidente a boa relação entre os dois e a efetiva - e boa para o país - também boa colaboração entre Governo e Presidência da República, António Costa tem todas as razões para apoiar Marcelo. Apoia uma candidatura que certamente vencerá, tendo os problemas habituais na escolha do candidato do PS não terá os dramas que todos os líderes socialistas antes dele tiveram e acha que causa um problema ao centro-direita.

Comecemos por este problema que só o será se o centro-direita se deixar convencer por quem só a quer radicalizar ou não perceber o momento que está a atravessar.
Marcelo Rebelo de Sousa há muito que é persona non grata de um setor à direita. Foi num congresso do PSD que Passos Coelho chamou cata-vento mediático ao atual Presidente da República.

O antigo primeiro-ministro apenas dava respaldo a uma fação do PSD que detesta Marcelo, entre outras coisas, por ele não ser suficientemente à direita.

Esta direita nem apoiou Marcelo nas últimas eleições (alguns fingiram) nem deixaram de o criticar sistematicamente durante o mandato.

Não há novidade nenhuma: os da direita e centro-direita que não gostavam de Marcelo são os mesmos que agora o criticam e que fingem ficar muito aborrecidos com o suposto apoio de Costa. Coisa, aliás, reveladora. É que esse apoio mostra uma admissão de incapacidade do PS em encontrar um candidato minimamente capaz de concorrer contra o atual Presidente da República, que assim se sujeita a apoiar um homem claramente de centro-direita. Mas, claro, há uma fação na direita que manda a inteligência de férias de cada vez que algum socialista fala.

Existe, no entanto, uma direita que não tendo nunca gostado de Marcelo é moderada e está preocupada com os problemas que tem pela frente, tanto no que diz respeito ao decréscimo eleitoral como ao crescimento de fenómenos extremistas que se autointitulam de direita.
Se esta gente não percebe que, como nunca, tem de se unir em redor do atual Presidente da República e ser a primeira a dar a cara a um apoio inequívoco a Marcelo, é porque perdeu a cabeça. Se se põe com projetos de candidaturas que apenas serviriam para dividir o centro-direita e que seriam um maná para o ex-comentador oportunista, é porque esta área está não só doente como perdeu completamente a noção da importância do momento que vive.

Falo, por exemplo, da imaginária candidatura de Adolfo Mesquita Nunes (de que sou amigo e admirador). Não me parece que seja para levar a sério, até pela irrelevância política de quem a propôs, mas se uma figura deste quadrante, como é inquestionavelmente o ex-secretário de Estado, ouvisse este canto de sereia, estaria a fazer um enorme favor, por um lado, a António Costa e, por outro, aos extremistas. Era a melhor maneira de dividir ainda mais uma área que precisa como de pão para a boca de se depurar, reorganizar e trabalhar as bases comuns. Mais, era ceder a uma direita que quer fazer implodir os equilíbrios. A direita que anda a acenar com uma refundação que não é mais do que a tentativa de a converter num espaço extremado e longe da que tanto fez pelo país e o governou várias vezes, a mesma que quer tomar ou destruir o PSD.

O centro-direita tem um dos seus na Presidência da República, tem poucas hipóteses de ir para o governo no curto prazo e tem as principais instituições ocupadas por socialistas, mas anda metido em conspirações a ver se arranja um candidato para enfraquecer Marcelo Rebelo de Sousa. Se isto não é a coisa mais estúpida que se pode fazer, anda lá muito perto.

Um Presidente enfraquecido e um Governo, até pelas circunstâncias atuais, forte desequilibram completamente o poder político. Isso, sim, abriria as portas aos extremos; isso, sim, deixaria o PS com o centro político todo para si; isso, sim, daria aos socialistas décadas de poder.

Marcelo Rebelo de Sousa deve ser candidato e ganhar as próximas eleições em primeiro lugar porque tem sido um excelente Presidente da República. Mas também convém não se esquecer que a recuperação do centro-direita depende em larga medida dele. Quem na sua zona ideológica não o apoiar está a contribuir para a irrelevância desse espaço no futuro próximo.

Procurem o ótimo e ficarão com o péssimo.

Paulo Pedroso e o 21 de maio

Nesta semana fez 17 anos sobre a detenção de Paulo Pedroso em plena Assembleia da República. O ex-deputado esteve preso preventivamente indiciado por um crime hediondo. Foi libertado, uns meses depois, por nem sequer os indícios terem qualquer fundamento.

Ia agora escrever que entretanto foi caluniado, ofendido de todas as formas e feitios, a sua carreira política promissora destruída e ele olhado de lado em todos os sítios onde se dirigia. Mas não é entretanto, dezassete anos depois, ainda há muito miserável que continua a fomentar a mais nojenta calúnia que um homem pode sofrer.

Não consigo imaginar aquilo por que Paulo Pedroso passou, mas sei que só alguém muito forte e de muito bem com a vida consegue sobreviver a um inferno daqueles.

Deixa-me sempre entre o espantado e o comovido ele não aparentar guardar rancores e ter ultrapassado a ignomínia que lhe fizeram. Mais do que isso, ele querer lembrar o seu exemplo não para se vingar mas para que outras pessoas não passem o que ele passou.

Fica aqui o que ele escreveu no seu Facebook, uma lição de vida de um homem bom: "Continuar-me-á sempre a incomodar a ideia de que hoje mesmo alguém pode estar a passar por um absurdo semelhante e não tenho a certeza de que na justiça tenhamos dado passos decisivos para prevenir tais erros fatais e suas monstruosas consequências. Assim como não estou convencido de que a justiça portuguesa esteja hoje mais disponível para a autocrítica dos seus erros grosseiros do que estava há uns anos. O meu pesadelo acabou. Mas suspeito que o de alguém, que não sei quem é, pode estar a começar hoje e fizemos pouco para evitar que assim seja. Achamos ainda que o inferno destes erros é para os outros e a justiça não sente os seus erros com o peso que a sua centralidade numa sociedade livre exige."

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