Marcelo e a espada de Eanes
Ainda bem. E que o Senhor o acrescente!, diria a minha sogra da reeleição de Marcelo. Eu acrescento que, por mais que festejemos um e justifiquemos os outros, o problema é o outro - ou pior, são outros. Um é aquele que multiplicou por sete o número de votos arrebanhados à esquerda e à direita, resultado da incapacidade do sistema para responder às chagas dos nossos dias: desemprego, medo, miséria, fome, doença - o calvário de gente, muita gente, gente nossa, com rosto, o da desigualdade persistente, que gera populismos, violência e ódio. Em jogo, diante de nós, encontram-se duas lógicas: a dos partidos tradicionais e a da sociedade. As eleições de domingo demonstraram que elas deixaram de coincidir.
Outro, e tão pesado, é o da praga que nos tolhe há um ano e que mata. Até no dia em que fomos votar, quando os registos da pandemia nos atribuíram um número recorde de mortes e infetados por cada milhão de habitantes. Mundo fora, o vírus levou sete meses para causar o primeiro milhão de baixas, mas levou três meses para somar o segundo milhão. Se no verão os mortos eram cerca de cinco mil por dia, a contagem mórbida global aponta agora para o triplo, todos os dias.
O vírus ignora calculismos ou calendários políticos, pelo que à emergência sanitária está a juntar-se a emergência económica. E é esse o estado do mundo com que nos deparamos quando acabamos de reconduzir Marcelo como Chefe do Estado, rosto dos portugueses no mundo, Comandante Supremo das Forças Armadas, garante da independência e da unidade nacional.
Por mais que lhe queiram capturar os louros de uma vitória que não é deles, a reeleição de Marcelo é, como já fora há cinco anos, a vitória de um homem só, livre das amarras partidárias. A popularidade de Marcelo foi e é a base do seu poder, agora com um capital político reforçado: obteve mais 140 mil votos do que há cinco anos e, pela primeira vez numa eleição democrática, ganhou a votação deste ano em todos os concelhos do país. Um Presidente não governa, não tem poder executivo. O exercício das suas funções é, não apenas mas muito, o uso da palavra. É na dele que confiamos, e Marcelo sabe, como ninguém, temperá-la.
Ele guarda uma espada que lhe foi confiada há cinco anos pelo primeiro Presidente eleito em democracia. Eanes, um Presidente que recordaremos sempre como um dos nossos melhores, homem sério, honesto, austero, corajoso e incorruptível, tinha acabado de receber dos seus pares militares essa espada, "símbolo da virtude, da bravura e do poder, [...] mas que só deve ser usada para estabelecer e manter a paz". António dos Santos Ramalho Eanes, que ontem mesmo completou 86 anos, entregou-a a Marcelo, para que a guarde e transmita aos seus sucessores. Decerto a honrará.
Parabéns, Presidente Eanes! Parabéns, Presidente Marcelo. E que o Senhor Vos acrescente, com saúde.
Jornalista