Há quem ainda se lembre: a certa altura, no congresso, em Aveiro, que elegeu Francisco Rodrigues dos Santos como líder do CDS-PP, em maio passado, um dirigente madeirense do partido - atualmente presidente da Assembleia Regional -, José Manuel Rodrigues, defendeu, ao discursar aos congressistas, que o partido devia muito claramente expressar o seu apoio a uma candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa..Em troca, os congressistas devotaram-lhe...um profundo silêncio. Não houve uma única alma presente naquele conclave centrista a quem tivesse ocorrido a hipótese de aplaudir aquela ideia ao dirigente madeirense. Sendo certo que também ninguém apupou a verdade é que o silêncio das bases do CDS-PP presentes em Aveiro sinalizou bem que o partido está muito desgostoso com a forma como Marcelo Rebelo de Sousa tem exercido o mandato presidencial. Sendo que, em 2016, o CDS-PP apoiou formalmente a sua candidatura..Silêncio foi que na quinta-feira se voltou a "ouvir" no partido depois de um dos seus mais importantes "senadores", António Lobo Xavier, ter dito que se demitiria do CDS-PP se o partido não apoiasse Marcelo nas próximas eleições presidenciais (janeiro de 2021).."Se o CDS não apoiar Marcelo não vejo como possa continuar no CDS. Obrigar-me-ia a sair", afirmou, na Circulatura do Quadrado (TVI24), quarta-feira à noite, o antigo líder parlamentar do partido..Explicando: "[André] Ventura e o Chega são os grandes inimigos do CDS e da direita do PSD. Eles não são os inimigos do Bloco de Esquerda nem do PS. Como é que se combate esse inimigo do CDS na perspetiva do CDS? Com ambiguidades, com deixar a escolha para mais tarde? O que tinha lógica era o CDS ser o partido que mais rapidamente apoiava a figura da democracia liberal, à direita obviamente do PS, europeísta, a figura única capaz de unir essa direita democrática, não existe outra. Qualquer hesitação nesse domínio, por muita simpatia que eu tenha pelos dirigentes do CDS, parece-me um erro político.".Ou seja: "O CDS, para se defender e para mostrar qual é o seu lado e não ser erodido lentamente pelos autoritários da direita caudilhistas que estão com Ventura, devia ser o partido que mais rapidamente apoiava Marcelo."."Na retranca...".Lobo Xavier, note-se, deu um importante empurrão à conquista da liderança do CDS-PP por "Chicão". Fê-lo com uma declaração à Lusa em pleno congresso: "Eu inclino-me para uma solução que apresente uma grande mudança. Acho que o CDS, se continuar nalguma coisa que seja um bocadinho o mesmo, não tem grandes hipóteses.".Na mesma declaração, excluiu o apoio ao então principal adversário do futuro líder, o deputado João Almeida, dizendo que este "não teria condições até pessoais para fazer uma mudança muito grande". Por exclusão de partes, ficou subentendido o seu apoio a Francisco Rodrigues dos Santos..Na quinta-feira, face à declaração de Lobo Xavier, a direção do partido manteve-se em rigoroso silêncio. Ou, como disse em tempos o líder numa entrevista à TSF, a manteve-se "na retranca".."Eu, neste momento, estou na retranca. Estou à espera que haja uma clarificação de cenários. Quero saber se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é ou não candidato. Como sabe, as eleições presidenciais pressupõe uma declaração individual que não depende dos partidos. Foi o candidato que o CDS emitiu um apoio de indicação de voto, foi a formulação adotada há quase cinco anos atrás, e, portanto, gostaríamos que os candidatos se apresentassem e depois reunir o órgão máximo do partido entre congressos para tomar uma decisão depois desta clarificação de cenário que, neste momento, é bastante prematura", dizia então (finais de maio) o líder do partido, nessa entrevista..Na mesma entrevista, o presidente centrista não excluía um apoio do partido a Marcelo ("não estamos a excluir nenhum cenário à partida"). Mas avisava já que, se esse apoio se concretizar, não será acrítico: "Na qualidade de presidente do CDS procuro ser institucionalista nas relações com o Chefe de Estado, mas também sou daqueles que acha que o Presidente da República, na qualidade de árbitro, quanto menos for notado na correlação de forças políticas e na sua regulação do normal funcionamento das instituições melhor.".Dito de outra forma: "Noto que pode haver uma determinada inclinação do plano ou que a relação do mais alto magistrado da nação poderá estar a ser, nalguma medida, confundida com um quadrante político, nomeadamente se não for aquele seu de origem. Acho que o presidente do CDS tem que dar um sinal de que esperávamos outro tipo de influência do chefe de Estado.".A posição oficial da direção do partido resume-se assim a dois pontos: a) esperar que as candidaturas sejam formalizadas; b) reunir o Conselho Nacional e decidir..Ora neste ponto, a direção e João Almeida, o deputado que foi no congresso o principal concorrente do líder eleito, estão de acordo. Nesta quinta-feira, falando ao DN, Almeida recusou estender-se em comentários. "Não me pronunciarei para não condicionar a liberdade do partido se pronunciar quando a direção entender que é o momento.".O mesmo fez - recusar comentários - o militante que há uns meses chegou a ser alvitrado como possível candidato presidencial, Adolfo Mesquita Nunes (número dois da direção do CDS no tempo da liderança de Assunção Cristas e principal autor do programa que o partido levou a votos nas últimas legislativas). Esta putativa candidatura - recorde-se - foi imediatamente desapoiada pela direção do CDS, o que levou Mesquita Nunes a dizer que nem pensar..O tempo entretanto vai passando. O próprio Marcelo já fez saber que só anunciará uma decisão em novembro. Falta saber se "Chicão" resistirá até lá à pressão, verbalizada por Lobo Xavier, para apoiar o mais rapidamente possível a recandidatura de Marcelo..Entalado entre bases do partido que não querem Marcelo e a hipótese de uma candidatura própria do CDS-PP ser derrotada nas urnas por André Ventura, as opções do líder do CDS-PP não são fáceis..Marcelo que se esclareça?.Já esta sexta-feira, quase dois dias depois de Lobo Xavier ter feito a sua ameaça de demissão, o presidente do partido lá veio a terreiro reafirmar que o CDS-PP só terá uma posição oficial sobre as presidenciais quando as candidaturas estiverem anunciadas.."Mal seria o CDS declarar apoio a um candidato que depois não será", explicou Francisco Rodrigues dos Santos aos jornalistas, à margem de um encontro no Porto com o presidente da Associação de Bares e Discotecas do distrito..Seja como for, convém para já que o PR, no entender do líder centrista, "resolva" pelo menos uma "ambiguidade"..Fazendo eco das resistências das bases ao nome de Marcelo, 'Chicão´ disse que Marcelo tem de esclarecer "se no dia das eleições vai querer representar uma vitória do centro direita ou centro esquerda"..Seja como for - concluiu o presidente do CDS-PP - não pode haver dúvidas quanto à solução presidencial para a qual o partido se inclina. "Não poderia haver quaisquer dúvidas para um partido como o CDS em optar por uma via democrática, institucionalista e de direita em alternativa e preterindo outra de radicalismo, caudilhismo, aventureirismo e extremismo. Creio que para um partido humanista como o CDS, que fundou o nosso regime democrático, isso nunca estará em causa.".Ou seja: o partido optará "sempre" por uma via de "direta popular, patriótica e verdadeiramente democrática"..Pela frase, 'Chicão' exclui um apoio do CDS-PP a Ventura. Mas mantém as opções em aberto quanto à possibilidade de o partido ter um candidato próprio.