Pandemia. Marcelo admite erros e diz-se "o maior responsável"

Em entrevista à RTP, Presidente da República aponta para um estado de emergência mais limitado do que em março.
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O Presidente da República admite que houve erros na gestão da pandemia de covid-19 (e garante que nunca disse que houve um "milagre português") e diz-se "responsável" por eles: "O Presidente da República é o maior responsável pelos erros." Em entrevista à RTP, o chefe do Estado empenhou-se em explicar aos portugueses as razões para uma nova declaração de estado de emergência - que será "diferente" da que vigorou em março, abril e maio, e de âmbito mais limitado.

Marcelo admite que esta segunda vaga da pandemia chegou mais cedo do que era esperado e admitiu atrasos na contratação de pessoal médico e dificuldades no rastreamento dos contactos dos infetados - e a evolução que o país fez neste aspeto foi "insuficiente". Também admitiu falhas de comunicação, "confusão" na forma como as regras foram sendo transmitidas e acrescentou que as conferências da Direção-Geral da Saúde, como tudo o que se repete muito, "cansam". "É preciso ir reinventando a comunicação, o que é dificílimo", disse Marcelo, que fez também questão de destacar a "grande consideração" por quem faz as conferências, um "esforço brutal".

Por várias vezes, o Presidente da República respaldou as decisões das autoridades sanitárias e políticas, admitindo erros, mas sublinhando que ao longo destes meses todos os dias apareciam problemas novos: "Quem é que pode planear quando os problemas estavam a surgir todos os dias?"

Questionado, já no final da entrevista, sobre quantos testes fez até agora, Marcelo respondeu com um "vinte e tal".

Admitindo que a segunda vaga da pandemia só era esperada no inverno, mas que "tudo acelerou" entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa deixou um aviso: seguindo modelos matemáticos, Portugal chegaria ao final do mês de novembro com perto de dez mil casos diários de contágio por covid-19.

"Se seguirmos os modelos puramente matemáticos temos uma possibilidade de duplicação todos os 15 dias", alertou, sublinhando que nesse cenário "estaríamos a falar de oito, nove, dez mil infetados". O Presidente da República acrescentou que a "progressão matemática não tem batido certo com a realidade clínica" - nomeadamente porque há medidas que travam o contágio -, mas advertiu que, com números próximos destes, teremos uma pressão "muito séria" sobre o internamento e os cuidados intensivos.

É neste contexto que Marcelo insere o estado de emergência que foi pedido pelo governo nesta segunda-feira, sublinhando que este será mais limitado do que foi em março. Por várias razões, uma das quais a receção pública das medidas - "a sociedade está fatigada". E - outro fator a levar em conta - junta agora às preocupações sanitárias de março a preocupação com a economia e o emprego.

O aumento do conhecimento sobre a doença e a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde foram outros pontos destacados pelo Presidente da República para justificar um estado de emergência de alcance mais limitado do que aconteceu há oito meses.

Outro cenário que mudou foi o do consenso político em torno do estado de emergência, com vários partidos a rejeitarem um confinamento, mesmo que parcial, sublinhou Marcelo.

Mesmo que o Orçamento do Estado para 2020 venha a terminar com uma crise política o "governo não cai, é que não cai", disse também o Presidente da República, lembrando que em vésperas de eleições presidenciais já não tem poderes de dissolução da Assembleia da República e que Portugal vai assumir a presidência da União Europeia no início do próximo ano. O chefe do Estado lembrou também que não é a mesma coisa governar em duodécimos (o que acontecerá se o Orçamento não for aprovado) e que isso afetará a capacidade de o governo responder à pandemia.

"Convinha que não se juntassem três crises", repetiu o chefe do Estado, defendendo que os portugueses não perceberiam que se somasse uma crise política à crise sanitária e económica.

E daqui a alguns meses, o governo pode cair? Na resposta, Marcelo não deixou um bom augúrio ao executivo de António Costa: "Conta-se por um ou dois dedos da mão os governos que foram reeleitos em contexto de pandemia. Têm sido governos a perder eleições e presidentes a perder eleições." Neste ponto Marcelo até lembrou Churchill, que perdeu as eleições ("foi corrido") depois de vencer a II Guerra.

Marcelo diz que "cheira a crise" desde que surgiu a pandemia e a consequente crise económica e social. "O que é normal é que [os governos e os presidentes] caiam a seguir", sublinhou.

Já quanto à sua recandidatura a Belém, o Presidente da República disse que não tem ainda a decisão tomada e que só a tomará depois de convocar as eleições presidenciais.

A entrevista do Presidente da República ocorre depois de um dia em que a agenda do Presidente da República foi totalmente dedicada à atual situação da pandemia de covid-19. De manhã, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu o primeiro-ministro, que foi a Belém pedir a declaração de um novo estado de emergência. Ao longo do dia, ouviu também todos os partidos com assento parlamentar. Sendo certo que o decreto do estado de emergência será aprovado na Assembleia da República, pelo menos com os votos de PS, PSD e CDS, a decisão suscita agora maiores reservas aos restantes partidos.

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