Depois de ter estado menos de dois anos à frente do governo de França e de duas candidaturas falhadas à presidência do país onde cresceu, Manuel Valls prepara-se para testar o terreno político do outro lado da fronteira, regressando à cidade onde nasceu há 56 anos. O ex-primeiro-ministro anuncia hoje se é ou não candidato à presidência da Câmara de Barcelona, pondo fim a um rumor que começou em abril, quando não afastou essa hipótese e o Ciudadanos de Albert Rivera se mostrou aberto a apoiá-lo..Na sexta-feira, Valls publicou no Twitter uma imagem dos seus pés no famoso pavimento dos passeios de Barcelona (panots, em catalão), com a simples legenda "Barcelona..." Horas depois, as redações espanholas recebiam um convite para um evento nesta terça-feira, 25 de setembro, no Centro de Cultura Contemporânea da capital catalã, no qual Valls deverá revelar a sua decisão em relação a uma candidatura às municipais de 26 de maio de 2019. O convite vinha de um e-mail com o domínio @valls2019.com..A eventual candidatura do político francês, que tem repetidas vezes criticado a ideia de uma Catalunha independentista, não deixou ninguém indiferente em Barcelona. Mas, ao que tudo indica, Valls irá lançar-se ao cargo através de uma plataforma que não está ligada a nenhum partido, apesar de o Ciudadanos parecer disposto a apoiá-lo. .Inés Arrimadas, líder do Ciudadanos na Catalunha e porta-voz da Executiva Nacional, defendeu nesta segunda-feira que Valls apresente uma "candidatura transversal", juntamente com o seu partido, já que a situação da Catalunha exige "um exercício de generosidade para tentar ganhar Barcelona". Mas Arrimadas, que contou com o apoio de Valls na campanha eleitoral para as eleições autonómicas de dezembro, disse esperar para ver o que o francês vai dizer.."Seria muito bom para Barcelona que houvesse um presidente da câmara com uma visão cosmopolita, um presidente da câmara europeísta, que defendeu a unidade de Espanha", disse o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, ao lado de quem já participou em vários eventos..Quem já afastou a hipótese de fazer parte de uma eventual plataforma ou lista de Valls foi o Partido Popular, com o líder Pablo Casado a dizer que o PP não quer desaparecer da Catalunha e preparara uma "candidatura potente"..Perfil.Valls nasceu em Barcelona a 13 de agosto de 1962, quando os pais passavam férias na capital catalã, e cresceu em França. O pai, o pintor catalão Xavier Valls, conheceu a mãe, a suíça italiana Luisangela Galfetti, quando se mudou para Paris. Valls naturalizou-se francês aos 20 anos, perdendo a nacionalidade espanhola. Fala francês, espanhol, catalão e italiano..Socialista ainda antes de ser oficialmente francês (filiou-se no partido aos 17 anos), Valls estudou História em Paris e foi eleito para o primeiro cargo público em 1986. Próximo de Michel Rocard (ex-presidente da Câmara de Évry e primeiro-ministro), foi conselheiro regional da Ilha de França e mais tarde vereador e vice-presidente da Câmara de Argenteuil. Foi também assessor de comunicação do governo de Lionel Jospin (de 1995 a 2002)..Entre 2001 e 2012 foi presidente da Câmara de Évry (atualmente é apenas vereador), cargo que acumulou a partir de 2002 com o de deputado..Em 2009, anunciou que era candidato às primárias socialistas, tendo em vista as eleições presidenciais de 2012. Mas nem chegou aos 6% de votos na corrida ganha por François Hollande, que, quando ganhou as eleições, lhe ofereceu o cargo de ministro do Interior.Valls, que tinha sido diretor de comunicação da campanha de Hollande, acabaria por se tornar primeiro-ministro a 31 de março de 2014, após a saída de Jean-Marc Ayrault, fruto do mau resultado dos socialistas nas municipais..Dentro do Partido Socialista, representouuma postura mais à direita, com uma visão pró-empresarial e dando luz verde à interdição do uso do burquíni (traje de banho usado pelas mulheres muçulmanas, que cobre o corpo da cabeça aos pés) nas praias francesas, defendida por alguns presidentes da câmara de direita..Mais de dois anos depois, e após Hollande renunciar a candidatar-se a um segundo mandato, demitiu-se com o objetivo de voltar a concorrer ao Palácio do Eliseu - a França não exige que os candidatos à presidência tenham nascido no país. Valls sofreria contudo nova derrota nas primárias socialistas, desta vez frente ao seu antigo ministro da Educação Benoît Hamon (uma diferença de quase 20 pontos percentuais), que viria a ter nas presidenciais o pior resultado para os partido desde 1969 (6% dos votos)..Valls não apoiou Hamon, mas o atual presidente Emmanuel Macron, do En Marche!, dizendo depois que queria concorrer a deputado deste partido e declarando que o Partido Socialista francês estava "morto" - não deixando por isso saudades dentro do partido. Mas o En Marche! rejeitou a sua candidatura, dizendo que não iria apresentar adversário contra ele nas eleições - o que permitiu que fosse eleito como independente e que agora pertença ao grupo La Repúblique en Marche!.Mas, segundo os arquivos dos trabalhos parlamentares, praticamente não tem estado presente no hemiciclo. "Já há mais de 14 meses que não estamos representados. Na Assembleia, está nos ausentes. O seu slogan era "próximo de vocês", mas Barcelona está longe de Évry", disse a adversária derrotada nas legislativas, Farida Amrani, da França Insubmissa, que lançou uma petição a pedir a sua demissão (que já está quase nas 25 mil assinaturas)..O ex-primeiro-ministro tem quatro filhos do primeiro casamento com Nathalie Soulié, tendo voltado a casar em 2010 com a violinista Anne Gravoin, de quem também já está separado. A nova namorada, segundo as revistas Paris Match e Hola!, é a catalã Susana Gallardo, herdeira dos laboratórios farmacêuticos Almirall e ex-mulher do presidente e fundador da Pronovias. Gallardo, como Valls, é anti-independentista..Os adversários.Apesar de ainda não ter sido confirmada, a candidatura de Valls é dada como certa na cidade, com os vários partidos a reagir. O novo porta-voz do Catalunya en Comú (aliança regional à qual está ligada o Podemos e que apoia a atual presidente da câmara, Ada Colau), Joan Mena, avisou no fim de semana o ex-primeiro-ministro francês de que a capital catalã não pode ser "refúgio" para carreiras políticas "fracassadas"..No caminho de Valls até à Casa da Cidade, na Praça de Sant Jaume, está precisamente a atual detentora do cargo. Colau, de 44 anos, venceu as eleições de maio de 2015 à frente da plataforma cidadã Barcelona en Comú, depois de ter sido a porta-voz da Plataforma para os Afetados pelas Hipotecas (que ajudara a fundar em plena crise dos despejos em Espanha)..Mas, exceto a aposta no social (com o aumento dos gastos nesta área) e o início do debate sobre as consequências do turismo em massa, a maioria das promessas de mudança não passaram do papel, com Colau sem maioria e dependente de acordos para poder governar. Assim, não conseguiu travar o aumento do custo das casas na cidade nem alargar o elétrico a toda a avenida Diagonal (um dos seus principais projetos de mobilidade)..O candidato da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) deverá ser Ernest Maragall, atual conseller (ministro regional) da Ação Externa, Relações Institucionais e Transparência da Catalunha. É irmão do ex-presidente da câmara e do governo catalão Pasqual Maragall (de quem foi porta-voz na Câmara de Barcelona), mas a sua candidatura ainda não está fechada..Nesta segunda-feira, Maragall, de 75 anos, considerou que Valls será "o candidato dos ricos" e alegou que a sua eventual candidatura "nem sequer é divertida". Na sua opinião, a candidatura do ex-primeiro-ministro francês não traz "valor acrescentado", por ser "tão alheia" e parecer "conduzida desde outros postulados e lares geográficos", numa referência a Madrid..Já Antonio Baños, antigo cabeça-de-lista da Candidatura de Unidade Popular (CUP, antissistema), reagiu à mensagem de Valls no Twitter dizendo que "será posto fora" da cidade.